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Os novos ‘Trapalhões’: Cid, Jair, Torres e Arruda – 3

Data da publicação: 03/02/2023

Dentro do tumulto e, mesmo, das possíveis contradições, que caracterizavam o ambiente de apreensões e incertezas, imediatamente anterior ao 29 de outubro de 1945 – o historiador que houver de fixar, no futuro, esse episódio de nossa vida política e militar, deverá considerar os três seguintes fatos, predominantes no seu processo acidentado: 1) a vontade determinada, de elementos das Forças Armadas Nacionais, de resgatar sua responsabilidade, comprometida, por ação ou omissão, no golpe de estado de 10 de novembro de 1937 – garantindo, depois da guerra, à nação, uma oportunidade de reexaminar e escolher, livremente, os seus rumos políticos e eleger, sem constrangimentos, em pleito limpo, os seus mandatários. 2) a espontânea deliberação tomada pelos chefes militares de assumirem, honradamente, naquelas difíceis circunstâncias, as responsabilidades de comando, que lhes cabiam, evitando uma subversão hierárquica, de consequências imprevisíveis. 3) O consenso, quase unânime, desses chefes militares, de manterem alheadas as Forças Armadas, como classe, das competições eleitorais, em foco, entregando o poder a magistrados, a fim de melhor poder harmonizá-las, em seu conjunto, e dentro de cada um dos seus ramos integrantes – Exército, Marinha e Aeronáutica“.

Marechal Juarez Távora
, Uma vida e muitas lutas, 1974.

 

3ª Parte: Domínio estadunidense nas FFAA

Todo esforço empreendido pelo Exército e pelos governos, desde a Proclamação da República até o golpe de 1945, para dotar o Brasil de Forças Armadas institucionalmente constituídas, com objetivos nacionais, colaboradoras no desenvolvimento e preparadas para defesa nacional, foi desmoronado pelo projeto de poder dos Estados Unidos da América (EUA).

Após a II Grande Guerra, os EUA impôs sua hegemonia ao mundo ocidental e oriental, com Tratados de Assistência Recíproca e políticas econômicas que significaram a intromissão na autonomia de todos países signatários. Onde surgiam manifestações antagônicas, os órgãos de espionagem e de assistência a golpes de estado (CIA e NSA, além de Secretarias de Estado) atuavam para destituir os governantes e até as formas de governo.

A história dos EUA já é fabular, divulgada por Hollywood e romancistas em vez de pesquisas históricas. Começa pelos pilgrims fathers (pais peregrinos), que teriam sido os ingleses protestantes a emigrarem para a América do Norte e lá fundarem as primeiras colônias, dando origem aos EUA.

Na realidade, o território hoje ocupado pelos EUA foi invadido ou doado a europeus de diversas nacionalidades: irlandeses, suecos, holandeses, franceses, escoceses, espanhóis, além dos ingleses e de africanos, estes trazidos para serem escravos, como em todas as Américas. E, também em comum com a ocorrência no Continente, as populações originárias foram objeto do maior genocídio da história do mundo.

Herbert Aptheker (Uma nova história dos Estados Unidos: a Era Colonial, original de 1959, traduzido por Maurício Pedreira para Civilização Brasileira, RJ, 1967) afirma que “a fundação das colônias que vieram a constituir os Estados Unidos foi uma consequência do aparecimento do capitalismo na Europa”. E acrescenta que “as características principais de seu desenvolvimento foram a ação de cercar terras, que resultou, entre outros fatores, na dispersão de dezenas de milhares de camponeses, na pilhagem da África, na escravização dos habitantes originais (das Américas e África) e na colonização do hemisfério ocidental para a exploração sistemática e continuada”.

Nos países onde o feudalismo demorou a ser substituído pelo capitalismo, como Portugal e Espanha, a função “colonizadora” coube ao Estado, porém, onde o capitalismo mais avançara, como Inglaterra e Holanda, além do Estado, as iniciativas particulares também participaram das invasões, umas por concessões do Estado (as fracassadas Capitanias Hereditárias no Brasil), outras por aventura ou procura de vida melhor.

Aptheker também aponta que “o processo pelo qual o feudalismo foi destruído resultou no afastamento da terra de milhares de servos e arrendatários. Esse desarraigamento criou a pobreza cruel, o desemprego generalizado e a vadiagem maciça”. Os ricos e os proprietários, em geral, favoreceram o transplante desta população para o Mundo Novo, com duplo objetivo de segurança na Europa e de obtenção de ganhos com os produtos importados.

As colônias estadunidenses foram sendo formadas por nacionais de diversos países e em diferentes anos. A primeira foi Virgínia (1624), com ingleses, escoceses e irlandeses, depois vieram New Hampshire (1629), com ingleses e alemães, Maryland (1623), com ingleses, escoceses e irlandeses, Connecticut (1662), com holandeses e ingleses, Rhode Island (1663), com ingleses, holandeses e alemães, Nova Iorque (1664), com ingleses e holandeses, Nova Jersei (1664), com ingleses e alemães, Pensilvânia (1681), com ingleses, alemães, escoceses e irlandeses, Delaware (1682), com ingleses, e Massachusetts (1691), com ingleses e holandeses. As três restantes foram constituídas no século 18. Deve ser notado que já na Virgínia e Maryland, e principalmente nas três últimas, a mão de obra escrava africana constituía parcela significativa da população.

Conquistada a Independência (4/7/1776), após luta com a participação das 13 colônias, tratou-se de elaborar a Constituição que garantisse a autonomia de cada colônia, tendo em vista a diversidade das populações, e interesses distintos, de grupos e até pessoais. A Constituição, como descreve Charles L. Mee, Jr (A História da Constituição Americana, original de 1987, traduzido por Octávio A. Velho para Expressão e Cultura, RJ, 1993), foi concluída em 17 de setembro de 1787. Com exceção de Rhode Island, que só aceitou firmá-la em 1790, os delegados estavam assim distribuídos: Carolina do Norte, cinco; Carolina do Sul, quatro; Connecticut, três; Delaware, cinco; Geórgia, quatro; Maryland, cinco; Massachusetts, quatro; Nova Hampshire, dois; Nova Iorque, três; Nova Jersei, cinco; Pensilvânia, oito; e Virgínia, sete.

Como escreve Charles Lee: “Em maio de 1787, algumas dezenas de delegados, todos homens, todos brancos, todos membros de boa reputação na política estadunidense, todos homens de posse – donos de escravos e de plantações, fazendeiros, negociantes, advogados, banqueiros e armadores de navios – reuniram-se para redigir a Constituição”. “Ao término da Convenção, nenhum dos delegados, nem um sequer, estava inteiramente satisfeito com o que haviam elaborado”. Porém, ao longo de 235 anos, apenas 27 emendas foram incorporadas ao texto constitucional.

Promulgou-se uma constituição, acima de tudo, plutocrata, ainda que aberta a representações diversas, preservada a liberdade de religião e de imprensa, e de todos que pudessem pagar pelas suas manifestações. A maior garantia estava na disposição dos bens, os homens que a redigiram não estavam dispostos a conceder vantagens e direitos a quem não os podia pagar. E os privilegiados representantes deram a esta condição o nome democracia.

As tradições nacionais estadunidenses surgiram no século 19, após a Guerra da Civil, a Guerra da Secessão, entre 12 de abril de 1861 e 9 de abril de 1865. “A metamorfose dos EUA num período pouco maior do que um século, de 1865 aos nossos dias”, escreve Pierre Melandri (Histoire des États-Unis depuis 1865, Nathan, Paris, 1984), “é um fenômeno impressionante. Pequena república, ainda povoada, no fim da guerra civil, por maioria de camponeses, a nação estadunidense surge hoje como a mais avançada das pós-industriais. Terra do individualismo, representam o máximo da concentração econômica e financeira, onde dois terços dos ativos industriais pertencem a duzentas empresas, a maioria controlada por bancos” (tradução livre).

Em 1965, o senador democrata pelo Estado do Tennessee Estes Kefauver publicou o livro Em poucas mãos O poder do monopólio na América do Norte (tradução de Roberto Pontual para Civilização Brasileira, RJ, 1967), onde se lê: “A problemática da política pública no domínio do monopólio privado é realmente aguda. Um número crescente de importantes indústrias em nossa economia adquiriu e continua adquirindo imunidade, junto às forças do mercado”.

Kefauver, que presidiu de 1957 a 1963 a subcomissão do Senado estadunidense Contra o Truste e o Monopólio, acumulou documentos, alguns altamente secretos, que o levou a temer pela democracia, onde o poder econômico se concentrava em cada vez menor quantidade de mãos.

No citado livro, ele transcreve observação do professor J. Kottke no Senado dos EUA: “Nas últimas décadas, emergiu um novo problema: consequências semelhantes às do monopólio (algumas vezes piores) surgem mercados supridos por poucas firmas. Os preços são fixados em níveis elevados e assim mantidos mesmo em recessões. E tribunais e Comissão Federal têm demonstrado pouca rapidez no discernimento dessas ações”.

Obviamente antes da década de 1990, seria difícil acusar diretamente de suborno, chantagem e corrupção, típicas atitudes neoliberais, quando esta ideologia ainda não se fazia conhecer, senão na capa de liberdade, democracia e razões dos mercados.

E o comunismo?

Quem não pensa como nós, não professa a mesma religião, é herege. E a estes heréticos, a fogueira. O Brasil sofreu a intempestiva ação da minoria comunista em 1935. Outra minoria, a integralista, seguidora do fascismo italiano, também não teve sucesso, mas a opinião pública se concentrou nos comunistas, e este evento inteiramente despropositado, demonstrando que os militares comunistas também eram tão despreparados quanto os demais, foram abundantemente atacados e sempre lembrados por toda história.

O que ocorria era o poder, que há três anos tentara reverter as conquistas da Revolução de 1930, com financiamento inglês e apoio latifundiário paulista, viu, na “ameaça comunista”, o modo de fustigar o governo, que respondeu com a Constituição de 1937 e o Estado Novo.

É significativo o preâmbulo da Constituição de 1937:

“Atendendo às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação (descomedimento), de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

“Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

“Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo.”

Porém os comunistas, com partido colocado na ilegalidade, com seus membros ou simpatizantes perseguidos, especialmente no período de 1964 a 1985, dos governos militares, tornaram-se cada vez mais irrelevantes na política brasileira. Na Constituinte de 1988, apenas um era declarado comunista, e de partido dissidente, o PCdoB. Este parlamentar, posteriormente, apoiou as medidas neoliberais dos governos eleitos com base na Constituição.

Comunistas, com ação política no Brasil, não conseguem estar minimamente representados nas assembleias e câmaras. É a bruxa malfada ou o fantasma que assombra as crianças, tal sua mínima capacidade de obter vitórias pelas vias legais ou por quaisquer outras.

Mas é um mote, deixado pelos anos de domínio dos Estados Unidos da América na formação dos soldados, oficiais e todos membros das FFAA.

Porém ter esta crítica obrigaria os militares a justificar ações, o que eles não conseguem, e perder o apoio do patronato.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, pertenceu ao Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e é atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Fonte: Monitor Mercantil

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