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Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas – 2ª Parte: Algumas Pontualizações no Contexto Contemporâneo

Data da publicação: 20/02/2019

(Considerações), o documento do Vaticano trata de casos objetivos. Assim não será necessário que apresentemos exemplo, como ocorreu nas reflexões anteriores.

Das Considerações:

“O mercado, graças aos progressos da globalização e da digitalização, pode ser comparado a um grande organismo, em cujas veias correm, como linfa vital, grandíssima quantidade de capitais. Levando em consideração esta analogia, podemos então falar de uma “saúde” de tal organismo, quando os seus meios e instrumentos realizam uma boa funcionalidade do sistema, cujo crescimento e difusão da riqueza caminham harmonicamente” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 19, nas “Considerações”).

“A experiência dos últimos decênios mostrou com evidência, de uma parte, o quanto seja ingênua a confiança em uma presumida autosuficiência da capacidade funcional dos mercados, independente de qualquer ética, e de outra, a imperiosa necessidade de uma adequada regulação dos mesmos. Regulação que deve ser capaz de conjugar ao mesmo tempo a liberdade e a tutela de todos os sujeitos econômicos, especialmente dos mais vulneráveis, em regime de saudável e correta interação. Neste sentido, poderes políticos e poderes econômico-financeiros devem sempre permanecer disitintos e autônomos e, ao mesmo tempo serem finalizados, para além de afinidades nocivas, à realização de um bem que é tendencialmente comum e não reservado somente a poucos e privilegiados sujeitos.

“Tal regulação tornou-se ainda mais necessária seja pela constatação que entre os principais motivos da recente crise econômica estão também as condutas imorais dos expoentes do mundo financeiro, seja pelo fato que a dimensão supranacional do sistema econômico consente de contornar facilmente as regras estabelecidas pelos países singulares. Além do mais, a extrema volatilidade e mobilidade dos capitais investidos no mundo financeiro permite a quem os dispõe de operar com agilidade para além de qualquer norma que não seja aquela de uma vantagem imediata, comumente explorando uma posição de força, também no mundo político de turno”

“A este respeito é importante uma coordenação estável, clara e eficaz entre as várias autoridades nacionais de regulação dos mercados. A mesma é também exigida pela atual globalização do sistema financeiro. Tais autoridades devem ter a possibilidade e, às vezes, também a necessidade de compartilhar com tempestividade providências vinculantes quando isto seja necessário, por estar em perigo o bem comum. As autoridades de regulação devem ainda permanecer sempre independentes e vinculadas às exigências da equidade e do bem comum. As compreensíveis dificuldades, a tal propósito, não devem desencorajar a procura e a atuação de sistemas normativos, que devem harmonizar-se entre os vários países, mas cujo efeito deve certamente ser supranacional.

“As regras devem favorecer uma completa transparência daquilo que é negociado, com o objetivo de eliminar qualquer forma de injusta desigualdade, buscando garantir o mais possível um equilíbrio nas trocas. Sobretudo porque a concentração assimétrica de informações e poder tende a reforçar os sujeitos econômicos mais fortes, criando hegemonias capazes de influenciar unilateralmente não só os mercados, mas também os sistemas políticos e normativos. No mais, onde foi praticada uma massiva desregulamentação resultou evidente que os espaços de lacuna normativa e institucional representam lugares favoráveis não somente para a incerteza moral e para o mal uso dos recursos, mas também fazem surgir irracionalidades exuberantes dos mercados – que produzem primeiramente bolhas especulativas e, depois, repentinas e danosas quedas – e crises sistêmicas“ (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 21, nas “Considerações”).

Este tópico mostra quão falso e iníquo é o discurso do sistema financeiro internacional sobre a pseudo competitividade e eficiência do “mercado”. Vimos que são relações assimétricas, como de um bandido jovem, armado, diante de um velho frágil, exigindo seu dinheiro, relógio e celular. O sistema financeiro age, exatamente, como um bandido.

A auditora Maria Lucia Fattorelli, descrevendo o sistema da dívida, criado pelas finanças, demonstra que é o mais danoso caso de corrupção que está ocorrendo no Brasil, que não merece qualquer empenho, qualquer investigação dos “defensores da moralidade”, dos “heróis da Lava Jato”.

Continuemos com o documento pontifício.

“O objetivo do mero lucro cria facilmente uma lógica perversa e seletiva que comumente favorece o avanço aos vértices empresariais de sujeitos capazes, mas ávidos e livres de prejuízos, cuja ação social é impulsionada prevalentemente por uma egoística vantagem pessoal.

Além do mais, tais lógicas têm comumente impulsionado os administradores a realizar políticas econômicas voltadas não a incrementar a saúde econômica das empresas que serviam, mas as meras vantagens dos acionistas (shareholders), prejudicando assim aos legítimos interesses dos quais são portadores todos aqueles que com o trabalho e os serviços operam em vantagem da empresa mesma, e também os consumidores e as várias comunidades locais (stakeholders). Esses administradores tem sido comumente incentivados por relevantes remunerações proporcionadas aos resultados imediatos da gestão, em geral não contrabalançadas por equivalentes penalizações em caso de falência dos objetivos. Assim, mesmo que, se num breve período, asseguram grandes ganhos aos administradores e acionistas, termina-se por promover a assunção de riscos excessivos e por deixar as empresas debilitadas e empobrecidas daquela energia econômica que lhes teria assegurado perspectivas adequadas para o futuro.

Tudo isto facilmente cria e difunde uma cultura profundamente amoral – na qual comumente não si hesita a cometer um crime quando os benefícios previstos excedem as penalidades esperadas – e corrompem gravemente a saúde de todos os sistemas econômico-sociais, colocando em risco a funcionalidade dos mesmos e prejudicando gravemente a eficaz realização daquele bem comum, sobre o qual se funda necessariamente cada forma de sociabilidade” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 23, nas “Considerações”).

Este imediatismo leva à ausência de recursos para o futuro – investimentos em pesquisa científica e tecnológica, em educação e em educadores – culminando na transferência de um futuro tranquilo para os trabalhadores pela incerteza e inviabilidade de uma aposentadoria digna e merecida, como ameaça a contrarreforma da previdência, em nossa Pátria.

“A criação de títulos de crédito de alto risco – que operam uma espécie de criação fictícia de valor, sem um adequado controle de qualidade e uma correta avaliação do crédito – pode enriquecer aqueles que os intermediam, mas cria facilmente insolvência em prejuízo de quem deve recebê-los. Isto vale ainda mais se o peso da criticidade destes títulos é transferido ao mercado, no qual são espalhados e difundidos, em vez de ser colocado sobre o instituto que os emite (cf. por exemplo, securitização dos empréstimos subprime). Assim pode-se criar intoxicação de grande alcance e dificuldades potencialmente sistêmicas. Uma tal contaminação dos mercados contradiz a necessária saúde do sistema econômico-financeiro e é inaceitável do ponto de vista de uma ética respeitosa do bem comum.

A cada título de crédito deve corresponder um valor tendencialmente real e não somente presumido e dificilmente verificável. Neste sentido, torna-se sempre mais urgente uma regulação pública e uma avaliação super partes do operar das agências de rating do crédito, com instrumentos jurídicos que consintam, de uma parte, sancionar as ações erradas e, de outra, impedir a criação de situações de perigoso oligopólio por parte de algumas das mesmas. Isto vale ainda mais em relação à presença de produtos do sistema de intermediação de crédito, nos quais a responsabilidade do crédito concedido é descarregada pelo emissor originário do título sobre aqueles aos quais é sucessivamente transferido” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 25, nas “Considerações”).

Neste tópico o documento trata de duas questões chaves para compreensão da corrupção introduzida no sistema econômico-financeiro pelos seus atuais gestores: os derivativos sem suporte real e as securitizações de receitas tributárias.

Por que existem as crises? Basicamente para promoverem a concentração de renda, mas como se originam? Pela venda de títulos financeiros sem qualquer respaldo em bens reais, corretamente avaliados; sejam commodities, sejam propriedades fundiárias, seja qualquer bem que possa gerar um papel de dívida. Tomemos um barril de petróleo; ele irá se multiplicar em centenas, milhares de outros apenas em títulos financeiros. Quando alguém vier resgatar seu título só encontrará um papel sem valor.

As securitizações são provocadas pelos mesmos organismos que irão gerenciar as receitas e dívidas públicas. Trata-se de mais um caso em que a raposa é contratada, a peso de ouro, para administrar o galinheiro.

O Papa continua ainda nesta crítica.

“Alguns produtos financeiros, como aqueles chamados “derivados”, foram criados com o objetivo de garantir uma asseguração em relação aos riscos inerentes a determinadas operações, frequentemente incluindo também uma aposta efetuada sob a base de um valor presumido atribuído a tais riscos. Na base destes instrumentos financeiros estão contratos nos que as partes estão ainda em condição de avaliar racionalmente o risco fundamental dos quais deve-se assegurar.

Todavia, para alguns tipos de derivados (particularmente as chamadas securitizações ou securitizations) assistiu-se ao fato de que a partir das estruturas originárias e ligadas a investimentos financeiros individuáveis, foram construídas estruturas sempre mais complexas (securitizações de securitizações), nas quais é sempre mais difícil – quase impossível depois de várias destas transações – estabelecer em modo racional e équo o valor fundamental delas. Isto significa que cada passo na compra e venda destes títulos, para além da vontade das partes, opera de fato uma distorção do valor efetivo daquele risco que, ao contrário, o instrumento deveria tutelar. Tudo isto tem favorecido o surgimento de bolhas especulativas, que foram importantes concausas da recente crise financeira.

É evidente que a aleatoriedade advinda destes produtos, que na operação originária ainda não emerge – unida também a diminuição crescente da transparência daquilo que asseguram – os torna sempre menos aceitáveis do ponto de vista de uma ética respeitosa da verdade e do bem comum. Isto porque são transformados em uma espécie de bomba relógio, prontos a deflagrar mais cedo ou mais tarde a falta de confiabilidade econômica e a contaminação da saúde dos mercados. Verifica-se aqui uma carência ética, que se torna mais grave quanto mais tais produtos são negociados nos mercados chamados não regulamentados (over the counter) – mais expostos ao azar que os mercados regulamentados, quando não à fraude – e subtraem a linfa vital e investimentos à economia real.

Semelhante avaliação ética pode ser efetuada também em relação à utilização dos credit default swap (CDS: os quais são particulares contratos de assegurações do risco de falência) que permitem de apostar no risco de falência de uma terceira parte também a quem não assumiu precedentemente um risco de crédito, e de reiterar tais operações no mesmo evento. Tal fato, não é absolutamente consentido pelos normais pactos de asseguração.

O mercado dos CDS, na vigília da crise econômica de 2007, era tão imponente que representava mais ou menos o equivalente ao inteiro PIB mundial. A difusão sem adequados limites deste tipo de contratos, favoreceu o crescimento de uma finança do azar e das apostas no insucesso de outros, o que representa uma situação inaceitável do ponto de vista ético.

De fato, a operatividade na compra de tais instrumentos, por parte de quem não tem algum risco de crédito já assumido, constitui um caso singular no qual os sujeitos começam a nutrir interesse pela queda de outras entidades econômicas, podendo inclusive induzir a operar em tal sentido.

É evidente que tal possibilidade, se de uma parte configura um evento particularmente reprovável sob o aspecto moral, porque quem age o faz em vista de um certo canibalismo econômico, de outra parte acaba por minar aquela confiança de base sem a qual o circuito econômico terminaria por paralizar-se. Também neste caso, podemos destacar como um evento negativo do ponto de vista ético, torna-se nocivo também para a saúde da funcionalidade do sistema econômico.

Ocorre então notar que, quando destas semelhantes apostas possam derivar substanciais danos para inteiros países e milhões de famílias, se está diante de ações extremamente imorais. Neste sentido, parece então oportuno estender as proibições, já presentes em alguns países, para esse tipo de operatividade, sancionando com a máxima severidade tais infrações” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 26, nas “Considerações”).

Certamente os caros leitores estão se perguntando: por que o judiciário não atua coibindo estes desmandos que resultam em prejuízo para direitos fundamentais da pessoa humana, para o patrimônio nacional e para própria democracia. Seriam farsas as “legislações contra corrupção”? Seriam falsos os “heróis lava jato”? Na verdade vivemos uma mediocridade construída, planejado por elites financeiras conservadoras internacionais, que aproveitando as campanhas midiáticas contra raças, contra pobres, difundindo preconceitos religiosos, deformam o caráter dos legisladores, operadores do direito e do homem comum.

Concluamos com mais uma crítica do documento de janeiro de 2018, entregue ao Sumo Pontífice pelos Prefeito e Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé e pelos Prefeito e Secretário do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.

“Diante de tudo isto, de uma parte, os Estados individualmente são chamados a por remédio com adequadas gestões do sistema público e sábias reformas estruturais, prudentes subdivisões das despesas e atentos investimentos. Ao nível internacional, de outra parte, mesmo colocando cada país de frente às suas inevitáveis responsabilidades, ocorre também consentir e favorecer racionais vias de saída das espirais do débito, não colocando nos ombros dos Estados – portanto nos ombros dos seus cidadãos, isto é, de milhões de famílias – as obrigações que de fato resultam insustentáveis.

Isto também se deve conseguir mediante políticas de racional e acordada redução do débito público, especialmente quando este está em poder de sujeitos cuja consistência econômica lhes permitiria oferecê-la. Semelhantes soluções são pedidas seja para a saúde do sistema econômico internacional, com a finalidade de evitar a contaminação de crises potencialmente sistemáticas, seja para a busca do bem comum dos povos conjuntamente.

Tudo isto que falamos até agora não é somente obra de entidades que agem fora do nosso controle, mas recai também na esfera de nossas responsabilidades. Isto significa que temos a nossa disposição instrumentos importantes para poder contribuir para a solução de tantos problemas. Por exemplo, os mercados vivem graças a demanda e a oferta dos bens: a este propósito, cada um de nós pode influenciar em modo decisivo pelo menos em dar forma à demanda (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 32 e 33, nas “Considerações”).

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