Há expressões que caracterizam a época, revelam o espírito do tempo. No belicoso século 19, das guerras napoleônicas, envolvendo os impérios austríacos, prussiano, francês, das ondas revolucionárias de 1848 e a Comuna de Paris, da expansão colonial inglesa, a expressão que nos ficou foi “cherchez la femme”. Esta chegou-nos até em crônica de Machado de Assis em A Estação, de 15 de agosto de 1881.
O “caso Watergate”, revelando o mundo oculto do poder estadunidense no século 20, trouxe a expressão “follow the money”, orientação para percorrer os subterrâneos da política de Washington (DC).
José Alexandre Althayde Hage propõe, na página “Opinião” do democrático e único jornal brasileiro no importantíssimo Cinturão e Rota, Monitor Mercantil (20/12/2022), desvendar o poder neoliberal no século 21 com a expressão “quem controla o preço do petróleo”.
Energia e poder
Energia move o mundo. Suas fontes primárias estão distribuídas irregularmente pelo planeta, e a divulgação dos valores de reservas e consumo procura influenciar favoravelmente os interesses do poder, hoje representado pelos países do Atlântico Norte (Estados Unidos da América – EUA e Europa Ocidental). Este poder, desde 1991, é o poder das finanças.
Não interessa às finanças mostrar a mudança que se processa no poder mundial desde o início do século 21. Logo, os valores que a publicação de estatísticas de energia, editada pela empresa British Petroleum (cinco principais acionistas: State Street, BlackRock, Dimensional Fund Advisors, Fisher Investments, e Menora Mivtachim), a BP Statistical Review of World Energy (BP SRWE), que comemorou, em 2022, 71 anos de existência, devem ser observados com ressalvas. Vejamos para o Brasil.
A existência de petróleo na área geológica denominada pré-sal foi constatada, pela Petrobrás, em 2006. Na edição de 2014, dados de 2013, a BP SRWE registrava a reserva de óleo de 11,2 bilhões de barris no Brasil.
A Wikipédia divulgou que “apenas com a descoberta dos três primeiros campos do pré-sal, Tupi, Iara e Parque das Baleias, na Bacia do Espírito Santo, as reservas brasileiras comprovadas, que eram de 14 bilhões de barris, aumentaram para 33 bilhões de barris. Além destas, existem reservas possíveis e prováveis de 50 a 100 bilhões de barris”.
Em 2013, com as perfurações já realizadas, e os testes de produção concluídos, a BP SRWE publicava ter o Brasil reservas de óleo de 15,6 bilhões de barris. Esclarecemos que para os volumes provados se aplicam fatores de recuperação que, atualmente, para o pré-sal, são superiores a 50%.
No entanto, o Brasil sofreu, em 2016, golpe legislativo-judiciário, e os representantes do capital financeiro apátrida se apossaram do governo do País. Em 2020, a BP SRWE registrou a reserva de 11,9 bilhões de barris.
Vê-se, portanto, que há razões para questão colocada por Althayde Hage. Mas a resposta é ainda muito mais complexa do que ele, corretamente, analisou para os “oil shocks” da década de 1970.
Existe um indicador, na indústria do petróleo, que estima o tempo em que as reservas de petróleo, no subsolo, estarão esgotadas: o R/P, reserva ao final do ano dividida pela produção naquele ano. Em 2020, conforme a mesma fonte estatística já citada, ter-se-iam alguns meses a mais do que 53 anos.
Com a perspectiva das pandemias, a desaceleração do desenvolvimento industrial, o desemprego e o desenvolvimento e expansão do pré-sal, além de novas áreas com descoberta de óleo, como na porção marítima das antigas Guianas, se esperaria que as reservas durassem tempo maior.
No entanto, quer para o óleo, quer para o gás natural, quer, mesmo, para o carvão, as reservas na edição de 2022, dados de 2021, na BP SRWE simplesmente sumiram. Já não mais dispomos do quantitativo das reservas de petróleo (óleo e gás) nem mesmo do carvão mineral. Em 2016, a R/P foi 50 anos e meio, a perspectiva portanto era de maior tempo de disponibilidade de óleo e fontes fósseis.
Os capitais financeiros originários do Atlântico Norte, onde o petróleo está se exaurindo, perto da extinção, precisam fazer o mundo acreditar que este recurso tem seus dias contados, que terá cada vez menor relevância para o suprimento de energia no mundo. E, ainda mais, a energia de origem fóssil, petróleo (óleo e gás) e carvão, está modificando o clima na Terra, com imensos prejuízos para a humanidade.
Será verdade? Não se encontram questionamentos a esta afirmação. Ao contrário, a divulgação desta assertiva faz surgirem cientistas de montão, professores e estudiosos como nunca antes os tivemos para as ciências da Terra. Enunciar este truísmo é condição para imediato doutoramento em geologia, de insuspeita sapiência científica. O que faz da erupção vulcânica, de tsunamis, glaciações imprevistas eventos civilizacionais (sic), provocados pelo homem não ambientalmente colonizado.
Observemos os dados da BP SRWE para o consumo de energia, por fonte primária, em 2016 e em 2020. Petróleo (óleo e gás) e carvão, energias de origem fóssil, tiveram redução no suprimento de energia de 85,52%, em 2016, para 83,15%, em 2020. O consumo global de energia cresceu apenas 0,22% no período, pelo decréscimo da demanda de energia que a pandemia de Covid, e suas variantes, a retração da produção industrial, as perdas na especulação financeira e a concentração de renda provocavam na economia e, consequentemente, em toda sorte de demanda.
A falta de ativos que suportassem as emissões de títulos financeiros, que provocaram a crise 2008–2010, longe de se solucionar com os aportes dos tesouros estadunidense e dos países da União Europeia (EU), apenas entusiasmou a especulação, gerando novo déficit que, conforme a instituição pesquisadora, varia de centenas de trilhões de dólares estadunidenses (USD) a 2 quatrilhões USD (Instituto Schiller).
Por outro lado, bilhões de USD têm sido dispendidos com fontes potencialmente renováveis, não só como investimentos como para convencer a população mundial que é a única saída para a catástrofe climática. Porém seu custo de produção e a pequena satisfação da demanda, pelos dados da BP SRWE, elevou a participação no consumo de energia de 3,16%, em 2016, para 5,70%, em 2020. E as de origem hídrica e nuclear ficaram praticamente estacionárias.
Preço do petróleo comanda o da energia
Não se trata apenas de avaliar a quantidade de energia existente numa gota de petróleo e aquelas obtidas do carvão, da origem nuclear, biomassa das diferentes fontes e outras. Apenas como exemplo da riqueza do petróleo, vejamos a descrição que o geólogo Luciano Seixas Chagas, consultor independente brasileiro, faz das desastrosas decisões adotadas, em 2022, pelos governantes brasileiros (“Geólogo defende que Brasil aumente investimentos em exploração de diferentes bacias a partir de 2023”, Petronotícias, 30/12/2022):
“A venda da unidade SIX também foi um desastre, pois além de praticamente doarmos a tecnologia de extração de petróleo, retortando folhelhos (shale ou xisto), vendemos juntas as jazidas ricas em remineralizadores de potássio que existem no folhelho Irati.”
Não foi falta de espaço na publicação, nem dificuldade na apropriação dos dados que levou a BP SRWE ocultar as reservas de petróleo (óleo e gás) e carvão em 2021. No artigo citado do geólogo Luciano Chagas, ele lembra a evolução tecnológica na exploração de petróleo e os sucessos já alcançados na Namíbia, Suriname, Moçambique, a que adicionamos a já produtora Guiana.
É óbvio que a cada novo patamar de preço do barril de petróleo, os investimentos em tecnologia de exploração também crescem, e novas reservas são descobertas. Portanto se podemos avaliar a R/P para 100 anos no Brasil de hoje, o mundo também apresentaria mais tempo para o uso do petróleo, o que, por si só, já justificaria a estabilidade de preço.
Mas há disputa pelo poder mundial. O mundo unipolar, constituído com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), hoje está sendo substituído pelo multipolar, encabeçado pela República Popular da China (RPCh), pela Federação Russa e pelos países que a estes dois se juntam, como a República Islâmica do Irã, a República da Índia, a República da África do Sul e os 125 países que, em 2019, haviam assinado o acordo da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR, ou BRI, em inglês) (Bruno Martarello De Conti e Petr Mozias, “A Iniciativa do Cinturão e Rota: desafios e oportunidades para a China e para o Mundo”, Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v.9, n.17, Jan/Jun 2020).
Também se oculta o “Valdai Discussion Club” (VDC), fundado em 2004, cujo nome vem do Lago Valdai, localizado perto de Veliky Novgorod, Federação Russa, onde ocorreu a primeira reunião do clube.
O potencial intelectual do Valdai Discussion Club é altamente considerado na Rússia e no exterior. Mais de 1.000 representantes da comunidade acadêmica internacional de 85 países participaram das atividades do VDC. Nelas estão pesquisadores, professores das principais universidades e think tanks do mundo, incluindo Harvard, Columbia, Georgetown, Stanford, Carleton Universities, University of London, Cairo University, University of Teheran, East China University, University of Tokyo, Tel Aviv University, Messina, Johns Hopkins, London School of Economics, King’s College London, Sciences Po e Sorbonne.
Na 19ª reunião anual, em 2022, o tema geral foi “Um mundo pós-hegemônico: justiça e segurança para todos”. O presidente russo Vladimir Putin, em mensagem, afirmou: “O Ocidente é incapaz de dominar o mundo unilateralmente. O mundo encontra-se diante de um marco histórico na década mais perigosa e importante desde a II Guerra Mundial” (Solidariedade Ibero-Americana MSIA, Editorial, vol. XXIX, novembro de 2022).
No Ocidente, é a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, ou Nato, em inglês) que mantém, por intermédio da Ucrânia (onde aplicaram o golpe para mudança de governo em 2014, depondo o presidente eleito Viktor Yanukovych), guerra contra a Federação Russa que a mídia apresenta como se tratasse de uma agressão dos russos, numa desfiguração que as próprias informações da “guerra” desmentem.
Conclusão
Quem controla o preço do petróleo é o mesmo interesse de quem controla os bens finitos, de energia e minerais, indispensáveis para a civilização informatizada, aeroespacial, do século atual. Um poder em queda, que se desfaz após dominar por quase cinco séculos o mundo; quando a Europa Ocidental e os EUA assumiram o poder, até então maior no Oriente que, no entanto, não tinha o mesmo espírito belicoso de jugo, senhorio.
Portanto, o preço do petróleo tende a ser construído no acordo de produtores e consumidores, de possibilidades tecnológicas e descoberta de substitutos com mesmo valor de produção e uso e possibilidades e custos compatíveis com os bens finitos em uso atualmente.
O sistema econômico capitalista financeiro não consegue se manter sem a escravidão, por isso foi perdendo força na medida em que os povos foram se libertando, os homens foram se tornando livres e capazes de discernir os fatos das narrativas da pedagogia colonial.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, é atualmente presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).