Ex-presidente da Estatal elogia potencial da Companhia, mas diz que ela deve adotar viés empresarial, e não se tornar cabide de empregos.
O engenheiro químico Armando Guedes, 71, entrou na Petrobrás em 1963. Vinte e oito anos anos depois, deixou a estatal, depois de comandá-la entre 1988 e 1989, para atuar no setor privado.
Atual presidente do conselho de energia da Firjan (que reúne as indústrias do Rio), Guedes projeta que, com o pré-sal, a estatal poderá se tornar a maior companhia de petróleo do mundo em até dez anos.
Mas faz um alerta: a influência política sobre a empresa pode frustrar essa previsão. ‘É questão de vida ou morte. A Petrobrás não pode se transformar em um cabide de empregos.’
Folha – O processo de capitalização da Petrobrás não vem se arrastando demais?
Armando Guedes – Embora o caminho seja um pouco tortuoso, está sendo perseguido. É muito complicado, com uma série de nuances. O minoritário não sabe para onde a coisa vai. Neste último ano, a empresa ficou patinando, perdeu um valor brutal de mercado, por causa dessa discussão toda.
Folha – O senhor considerou justa a avaliação média de US$ 8,51 para o barril da cessão onerosa? Quem ganhou mais: a Petrobrás ou o governo?
Armando Guedes – Tinha a posição do comprador [Petrobrás] e a do vendedor [Estado]. A lógica era que cada um puxasse a sardinha para o seu lado. Na minha avaliação, pareceu que o valor que a Petrobrás indicou estava mais próximo do que é feito no mercado mundial. O número deveria estar mais próximo do valor indicado pela Petrobrás, mas não é nenhum absurdo. Não diverge muito do que seria razoável. Meu limite era US$ 8.
Folha – Como o senhor avalia o iminente aumento de participação do governo no capital da Petrobrás?
Armando Guedes – É muito importante, desde que o governo tenha dimensão da seriedade de como a coisa deve ser feita, de que tenha controle do negócio. O governo está muito fraco com 32%. É pouco em um negócio desse tipo. Não vejo muito problema em subir essa participação para 50%. É claro que, se avançar muito, criará espaço para [a empresa] ser mais política e menos eficiente na condução dos negócios. Entra para o lado de estatizar completamente e, aí, pode ser meio assustador.
Folha – O que mudaria, na prática, com uma maior participação do governo na companhia?
Armando Guedes – Hoje o governo tem o controle da companhia, porque tem mais de 50% das ações ordinárias. Já assisti a dezenas de assembleias, e é o voto do governo que define. O acionista vai lá, grita, anotam na ata. No fim, o que prevalece é o voto do governo. Ter 32% ou 50% não altera o poder que ele tem. Acho que o governo deve ter um peso mais específico, diante da importância do petróleo. O negócio é não usar esse peso no mau sentido.
Folha – Como o senhor vê o papel da Petrobrás dentro do mercado mundial nos próximos anos?
Armando Guedes – No horizonte de cinco a dez anos, a Petrobrás vai ser a maior companhia do mundo, disparado. O problema que ela tem é estrutural, é fazer uma coisa que no passado foi feita com muita ênfase, dar valor à competência das pessoas que estão lá dentro. A competência e a seriedade para conduzir projetos gigantescos, com isenção de espírito político. A companhia não pode ter um viés político. Tem que ter um viés empresarial, de país.
Folha – Até que ponto a influência política atrapalha?
Armando Guedes – Atrapalha muito. É uma área muito complexa. Quando era presidente, recebi um documento para me filiar a um partido. Não quis. A Petrobrás não pode ter viés político, tem que ter viés estratégico dentro de uma linha que interessa ao país no horizonte de longo prazo.
Folha – Mas, sendo o governo o principal acionista, é possível esperar que não exista nenhuma ingerência política na empresa?
Armando Guedes – É claro que a política sempre acontece, mas tem que ser em termos. Isso, para mim, é questão de vida ou morte no que diz respeito ao sucesso ou insucesso. Não podemos transformar essa empresa num cabide de empregos, em que vão ser negociados contratos. O volume é incrivelmente grande. Então, a tentação é grande também.
Folha – Que avaliação o senhor faz da influência política na estatal atualmente?
Armando Guedes – Esse é um problema muito complicado. Imagina um negócio desse tamanho, como deve ter gente com vontade de botar a mão lá.
Folha – Na época em que o senhor comandou a Petrobrás, havia menos pressão?
Armando Guedes – Era uma coisa extremamente limitada. Os quadros da companhia tinham um poder muito grande, não diria nem visível, mas era uma posição muito forte de dizer o que se podia e o que não se podia fazer. Claro que não era uma coisa perfeita.
REFERÊNCIA:
JUNIOR, Cirilo. Petrobras será líder se política não atrapalhar. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 90, n. 29.740, 5 set. 2010. Mercado, p. B5.