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Precisam-se de Forças Armadas

Data da publicação: 10/01/2023

Após a devastação neoliberal provocada por um militar, ainda que de baixa patente, há quem coloque em dúvida a necessidade das Forças Armadas (FFAA) e aponte, como indesejável, o protagonismo delas em nossa história. Porém é necessário examinar com maior profundidade esta questão.

O Brasil só veio a ter FFAA depois de 1822. Até então, independente da designação, a função a elas encarregadas era a do Capitão-Mor da Costa, instituída por Tomé de Souza, o primeiro Governador-Geral, em 1549. Daí essa antiguidade ou precedência da Marinha, na luta contra invasores, na defesa do Brasil para Portugal. Em terra, havia a polícia, a repressão, fantasiada de justiça, na atividade do Ouvidor-Geral. Esta situação teve ligeira alteração com a chegada da família real portuguesa à cidade de Salvador (Bahia), em 22 de janeiro de 1808, e durou até 07 de setembro de 1822.

Assim, nossa primeira Força Armada foi composta por milicianos e estrangeiros, que lutaram contra portugueses e capitais ingleses no Brasil, no início do século XIX. Os estrangeiros foram embora e os capitais deixaram dívidas, que aumentaram durante o Império.

No período do Império, as forças terrestres tiveram o triste papel de capitães do mato, perseguindo escravos, e, no conjunto, enfrentando movimentos nativistas e autonomistas. Quando surge a Guerra contra o Paraguai, verifica-se amplo despreparo técnico e político, que afasta o Brasil do subcontinente sul-americano.

Mas será com a República que as FFAA resolvem se assumir como estamento nacional para promover a defesa da Nação. E como foi óbvio para a cúpula, necessitando ter filosofia de ação e preparo técnico.

Este veio com a ida de meia dúzia de militares para a Alemanha (1905-1912). Recordemos o resultado da guerra franco-prussiana (1870-71), a que se seguiu a Unificação Alemã, modernizando-a política civil e militarmente, e preparando o País para a I Grande Guerra, também conhecida como Guerra Colonial ou Guerra Civil Europeia. Mesmo derrotadas, as FFAA alemãs ainda permaneceram com prestígio.

Porém não foi aprofundado neste trópico sulista o modelo militar alemão, sua maior contribuição, a nosso ver, veio com a criação da revista “A Defesa Nacional” (10 de outubro de 1913), pelos apelidados “jovens turcos”, tenentes e capitães que haviam feito estágio no Exército Imperial Alemão, em 1905, 1908 e 1910.

Este feito modernizador coube à Missão Militar Francesa (1919 a 1939). Esta Missão deveria estruturar as escolas militares e as próprias forças terrestres. Além dos aspectos operacionais e pedagógicos, fazia parte do trabalho dos franceses a elaboração da Doutrina Militar para o Brasil.
Com esse preparo que os militares brasileiros foram para a II Grande Guerra. Tomaram então conhecimento de filosofia diferente, adotada pelos estadunidenses. O modelo francês privilegiava a condição de combate, a capacidade de articular as diversas “armas” nos cenários bélicos. O modelo apresentado pelos Estados Unidos da América (EUA), da logística, o que estava atrás das linhas de frente era fundamental. Havia mesmo o ditado que dizia: para cada homem em combate devem-se ter dez no apoio.

Este apoio devorava a maior parte do orçamento, não conhecia teto de gastos, mas devolvia em tecnologia bélica e de armas, de transporte, em modelos simulados de combate, em diversas atividades que transformava esta retaguarda na cabeça e a frente em braços.

Grande influenciadora do modelo estadunidense no Brasil foi a Escola Superior de Guerra, criada, em 1949, como instituto de altos estudos e pesquisas no campo da segurança e defesa nacional, que teve importante participação nos governos militares (1964-1985).

Neste período militar, ocorreram alguns conflitos que resultaram no progressivo desprestígio das FFAA no País.

Iniciemos pela Guerra Fria.

Esta “marca o auge da política externa estadunidense em sua fase internacionalista e sua consolidação definitiva como perfil de atuação do país no mundo” (apud Cristina Soreanu Pecequilo, “A Política Externa dos Estados Unidos: continuidade ou mudança?”, Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2003). Os estrategistas brasileiros não perceberam que este mundo bipolar era do interesse de apenas duas potências, que não só lutavam entre si, e talvez ainda mais, contra o surgimento de um terceiro “mundo”. Cremos que nada melhor exemplifica esta atitude do que o fracasso, com morte de dirigentes nacionais, que se seguiu à Conferência de Bandungue, entre 18 e 24 de abril de 1955, na Indonésia, com a presença de 29 líderes asiáticos e africanos.

Mesmo não sendo verdadeiramente ocidental (ver obra antropológica de Darcy Ribeiro), o Brasil assim se assumiu, com grande prejuízo para sua Soberania e desenvolvimento, como ficaram exemplos nos governos Vargas, Costa e Silva, Médici e Geisel.

Também, decorrente da “guerra fria”, não entender que a ignorância, a pobreza, a miséria são inimigos muito maiores da nação do que ideologias importadas. Neste aspecto havia inclusive a escolha do comunismo, tendo igualmente não nacionais, perniciosos, as igrejas neopentecostais e diversos grupos com interesses externos, políticos, ideológicos e econômicos contrários aos brasileiros.

Porém a incompreensão mais séria e de maiores consequências foi não perceber o que estava movimentando o determinismo tecnológico (o meio é a mensagem) na “aldeia global” (Marshall McLuhan, 1962, 1964), no “é proibido proibir” (Paris, 1968), que chega aos anos 1970 com as crises do dólar estadunidense (1971), seguida do petróleo (1973, 1979) e das medidas anticíclicas (oil glut – 1980 e década perdida 1970/1980).

E, ainda pior, receber propagandistas neoliberais, desde o final dos anos 1960, nas Escolas de Comando e Estado Maior, mudando a compreensão industrializante pela especuladora financeira.
Quando surgem as desregulações financeiras no Reino Unido e nos EUA, durante os anos 1980, e se criam dezenas de paraísos fiscais pelo planeta, isso apenas parece ser o “novo normal”. Nem mesmo a corrupção, o suborno, a chantagem que sempre acompanham o poder financeiro foi denunciado, combatido, percebido como nova força na conquista do Brasil. Continuava a ser um comportamento individual, um defeito de caráter, ao invés de nova realidade política, verdadeira invasão estrangeira, desta feita por capitais financeiros, por taxas de juros, por manipulações cambiais, ao invés de marines ou mercenários armados por potências estrangeiras.

O Brasil naufraga após o fim dos governos militares e se rejubila pela “reconquista democrática”, pela vocalização das “minorias”, pelo “empoderamento das mulheres”. Todos componentes civilizatórios indubitavelmente importantes, porém de pouca efetividade na Nação devedora, colocando a prioridade governamental no pagamento dos juros que chegam às mais elevadas taxas do planeta.

As FFAA derrotadas se afastam, não conseguem manter suas instituições no primeiro nível de poder do Estado, nem ter militar na chefia. Esta situação com pequenas mudanças persiste pelo próximo um quarto de século.

E AGORA JOSÉ?

A passagem do tsunami Bolsonaro deixou rastro de destruição, humilhação e dificuldades para as FFAA. Nunca antes houve presidente tão desprovido do sentido de dever e tão intelectualmente incapaz. Seu período foi do “aproveite enquanto Brás é tesoureiro”. E o País, longe de ingressar na civilização do terceiro milênio, retroage ao início da República: tudo por se fazer.
E o mundo também está em crise. Um pequeno sumário.

O mundo bipolar se transformou em unipolar com a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), pelas armas financeiras já descritas. Porém faltam às finanças algum cuidado que não seja no mais rápido e maior lucro, na mais absoluta concentração de renda.
Se observarmos as bolsas de valores encontraremos os mesmos donos, hoje denominados gestores de ativos, que até pouco denominávamos “a banca”.

São cerca de uma centena de capitais, concentrados em paraísos fiscais, que, diretamente ou por intermédio de fundos de investimentos, dominam a maioria dos capitais sociais e setores inteiros e estratégicos, como a energia, de todos os negócios.

E a capacidade de atender aos investidores se movimenta no sentido inverso das aplicações. A grande maioria dos papeis de dívidas não tem ativos reais que os sustentem. As crises financeiras que se iniciam em 1987 e vão até 2008/2010, apenas recolhem fundos públicos, depósitos em tesouros nacionais, para cobrir os títulos sem lastro. Invadem até mesmo recursos privados como se observa nas falências, no fechamento de empresas tradicionais, no menor número de empreendimentos produtivos, que o sejam efetivamente.

Veja-se o exemplo da Petrobrás, a maior empresa brasileira, até um quarto de século responsável pelo desenvolvimento brasileiro. A cada mês perde ativos em troca de despesas que não suportam alguns meses. Vai se esvaindo. Hoje, uma reavaliação dos ativos da Petrobrás, incluindo as reservas de petróleo e patentes internacionais, será muito inferior, possivelmente menos da metade que a Constituição de 1988 a encontrou. No entanto vem pagando os maiores dividendos de sua história. Ou seja, total inversão de valores que prejudica os brasileiros, toda nossa Nação.

O Caso Petrobrás, antes de se tornar assunto de doutoramento em academias, aqui e pelo mundo, ainda será reproduzido em outros empreendimentos brasileiros, como a Eletrobrás, e de muitos outros, até no mundo desenvolvido e, principalmente, em desenvolvimento, durante o domínio do poder financeiro apátrida.

Portanto, há de se reconstruir o País, entendendo que as FFAA são parte integrante da Nação, do Estado Brasileiro, no entanto também necessitam voltar aos bancos escolares.

O gênio Darcy Ribeiro, nos magníficos “Estudos de Antropologia da Civilização”, em “Os Brasileiros – I Teoria do Brasil”, que teve sua primeira edição em Montevidéu, em 1969, e, no Brasil, surgiu em 1972, pela Paz e Terra, RJ, escreveu:

“Apesar das prodigiosas máquinas de doutrinação, de suborno e de repressão ideológica montadas para erradicar todo questionamento e qualquer contestação; apesar do domínio estrangeiro, da imprensa, do rádio, do cinema e da televisão, utilizados intensivamente para impor ao Brasil nova incorporação histórica; apesar, também, da copiosa produção paracientífica das instituições oficiais de pesquisa. Apesar de todos estes percalços e graças a eles a consciência nova se afirma e se generaliza, ganhando a juventude e diversos setores antes imunes a qualquer inovação para posturas intrinsecamente revolucionárias que, identificando a sociedade como injusta, violenta, retrógrada, dessacraliza a ordem e reivindica a revolução como a única atitude moralmente defensável. Assim se vão mobilizando as forças que, amanhã, derrocarão a velha ordenação sócio-política para refazer a sociedade desde as suas bases”.

E, na mesma obra, também escreveu: “É visível o temor das classes dominantes brasileiras de que o arbítrio, que até agora recaiu sobre o povo, se volte, amanhã, contra seus interesses para por termo à exploração estrangeira e ao latifúndio. Seu temor é nossa esperança. Não é provável, mas não é impossível o surgimento no Brasil de um regime militar de caráter nacionalista e socialmente responsável que desatrele as forças armadas de sua servidão à oligarquia, liberando-a para a liderança de um movimento nacionalista modernizador”.

E concluo, modernizador que, hoje, é não desconhecer que a ciência se vale de duas conquistas, duas teorias fundamentais para a reflexão e tecnologias, que mais do que necessárias são indispensável para ingressar na civilização do novo milênio: a Teoria de Sistemas Gerais (Ludwig von Bertalanffy, Norbert Wiener, Anatol Rapoport, Ralph W. Gerard, e Kenneth Boulding), como modo de entender as realidades, e a Teoria Matemática da Comunicação (Claude E. Shannon, Warren Weaver), base de todo sistema de comunicação entre e intersistêmicos.

A Nação, que é o povo, mais importa do que banqueiros e corruptores rentistas. As FFAA são garantia para o povo e não para as taxas de juros. Se assim não se compreenderem, continuarão se afundando em mitos e ideologias antinacionais até virarem chacota, “cabeça de papel”, e papel sem lastro.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.

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