Quando Barack Obama perdeu em definitivo a maioria no Congresso dos Estados Unidos, nas eleições parlamentares de novembro passado, manifestei neste espaço a esperança de que ele aproveitaria seus dois últimos anos de Presidência para tomar algumas decisões que estivessem em suas prerrogativas constitucionais e não dependessem nem do Senado nem da Câmara dos Representantes.
Era uma esperança romântica e quixotesca – e talvez, paradoxalmente, desesperada – mas eu não queria ser testemunha de um final melancólico para os oito anos de mandato desse Presidente que despertou tão grandes esperanças, dentro e fora dos Estados Unidos, ao ser eleito.
Por mais razões de queixa que possamos ter em relação ao papel dos Estados Unidos em nossa história passada e recente, não podemos esquecer os grandes momentos que eles viveram e sua influência na história de todos os povos.
Em primeiro lugar, foi a independência dos Estados Unidos, no século 18, que inspirou imediatamente a Revolução Francesa, embora a inspiração original desta e da própria Revolução Americana tivesse sido o pensamento dos enciclopedistas franceses, sobretudo Rousseau e Voltaire.
No Brasil a Revolução Americana teve muito a ver com a Inconfidência Mineira: entre os papéis apreendidos com os inconfidentes estava, e foi considerado um dos mais perigosos e sediciosos, um exemplar da recém-promulgada Constituição dos Estados Unidos.
Depois veio Lincoln, em meados do século 19, em sua luta, que ele pretendia ter como prioridade a união dos Estados Unidos contra a dissidência secessionista dos Estados do Sul, mas teve como desfecho a abolição da escravatura.
Na primeira metade do século 20, o Presidente Franklin Roosevelt apoiou decididamente os projetos de emancipação econômica do primeiro governo de Getúlio Vargas no Brasil, como a construção de Volta Redonda. Depois da morte de Roosevelt, em 1945, teve início, nos Estados Unidos, um ciclo de reacionarismo e obscurantismo, algumas vezes interrompido por exceções contraditórias mas promissoras, como John Kennedy, Jimmy Carter e Bill Clinton. Afinal tivemos Barack Obama na sucessão daquele infeliz George W. Bush, considerado o pior Presidente dos Estados Unidos em seus mais de duzentos anos de história.
Bloqueado pela direita republicana e forças aliadas, como os evangélicos fundamentalistas e extremados (alguns pastores chegaram a insinuar pelo rádio que ele devia ser assassinado), Obama não conseguiu cumprir em seis anos de mandato nem a promessa de acabar com a prisão política da base de Guantánamo. Agora, porém, sem a menor expectativa de conseguir o que quer que seja de um Congresso hostil e raivoso, Obama decidiu, corajosamente, normalizar as relações dos Estados Unidos com Cuba.
Ele não conseguirá acabar com o bloqueio da ilha, que já dura mais de cinquenta anos, porque isso depende da aprovação do Congresso, mas já negociou o restabelecimento de relações diplomáticas com Cuba, apesar da ameaça republicana de cortar do orçamento a verba necessária para a instalação de uma embaixada em Havana. Na verdade, o mais importante no caso não é a embaixada, mas o verdadeiro tratado de paz que se estabelece entre os dois países.
A firmeza e a determinação de Obama no episódio – no qual contou com apoio integral do Papa Francisco, esse novo João XXIII merecedor da admiração até dos não católicos – despertam a esperança de que ele poderá tomar novas iniciativas em favor de relações políticas e econômicas mais justas entre os Estados Unidos e todos os países da América Latina.
Essa esperança, porém, talvez seja ainda mais quixotesca. Por maior que se mostre a coragem de Obama no exercício de suas prerrogativas constitucionais, os interesses econômicos em jogo são ainda maiores.