Artigo

Proposta para um novo modelo político-administrativo para o Brasil

Data da publicação: 16/02/2016

A mensagem da mídia

No auge dos escândalos políticos do ano de 2015 (se é que se pode dizer que houve um auge, porque mais pareceu uma torrente interminável de tramoias e descalabros, vindo diariamente a público e que ainda não acabou), o Jornalista Mauro Santayana, publicou, em 05 de agosto desse ano, o artigo intitulado:  “A Nova Marcha dos Insensatos e sua Primeira Vítima” publicado na Carta Maior em 05/08/2015:

Tratou-se de um texto cujo objetivo foi o de contrapor-se às críticas da imprensa e de parte da população ao governo Dilma (PT), mostrando que os governos do PT, ao contrário do que seus críticos propalavam, e ainda propalam, tem sido melhor que os governos anteriores. Uma parte do texto é bem escrita e adequadamente fundamentada em fatos e dados históricos e praticamente não expressa juízos de valor do autor.  Infelizmente, porém, justamente quando o texto aborda a denominada “questão política”, não segue o mesmo padrão, tornando-se polarizado e apaixonado e tenta justificar o injustificável. Existe um juízo de valor intrínseco ao texto que é falacioso e até mesmo nocivo.

Por outro lado, o editorial “Opinião” de “O Globo” de 29/01/2016, afirma que os governos PT, barganham cargos, “negociando” Ministérios, Secretarias e Diretorias de Empresas Públicas e de Economia Mista, para formar alianças políticas, com o objetivo de conseguir aprovação para política de governo.  Como se isso fosse uma nova prática, lançada pelo PT, na Política Brasileira.

Ambos os textos mencionados acima são textos polarizados, frutos de mídias que estão mais preocupadas em “vender” ideologias do que prestar serviço de informação isenta. Textos polarizados são conduzidos com paixão, portanto quase irracionalmente, como quando torcedores de times rivais de futebol resolvem discutir as qualidades (obviamente do seu time) e defeitos (obviamente do time adversário).

Com essa abordagem, a mídia deixa de atacar o cerne do problema, que não é de modo algum, um problema conjuntural e partidário.  É UM PROBLEMA MUITO MAIS FUNDAMENTAL E ESTRUTURAL DO MODELO ORGANIZACIONAL INADEQUADO DO ESTADO BRASILEIRO.  É suprapartidário.  Ambas as abordagens são falsas e extremamente nocivas, pois desviam a atenção do cerne do problema.  A abordagem da Carta Capital procura “banalizar” o foco do problema, tentando transformá-lo numa normalidade inevitável da prática política.  A abordagem dada pelo O Globo tenta atribuir o problema a um determinado partido político, como se fosse a primeira vez que essas coisas ocorrem na política nacional.

O Quadro Político Brasileiro

O citado artigo da Carta Capital, afirma que: “Toda estrutura coletiva, seja ela uma jaula de zoológico, ou o Parlamento da Grã Bretanha, funciona na base da negociação”.  Essa afirmativa é enganosa, por considerar um sentido implícito de inevitabilidade da desvirtuação.  Essa ideia sutilmente impregnada no texto é totalmente falsa.  Não há nada de errado com “negociação”, mas há algo de muito errado com “negociata” (cuja definição é: acordo escuso entre partes para lesar terceiros), que é a prática da política brasileira, independentemente do partido no poder.  Nesses casos, o lesado é o povo, já que a denominada “negociação” visa chegar a um acordo sobre a forma de partilhar os recursos públicos a serem desviados pelos políticos gestores desses recursos.

É exatamente isso que vivenciamos na política brasileira, desde a chamada nova “democracia” pós-regime militar, mas mesmo muito antes disso: “O Império Absolutista da Negociata”.

No Brasil – e sem dúvida em outros países – mas especialmente de forma extremamente descarada no Brasil, os políticos, salvo raríssimas exceções, (sejam eles de direita ou de esquerda – do executivo e do legislativo, das esferas Federal, Estadual ou Municipal, indistintamente) têm somente dois objetivos:

• Objetivo 1) usar o poder político, no qual são  investidos, para desviar recursos públicos para o patrimônio privado próprio e de correligionários (leia-se membros da quadrilha), e

• Objetivo 2) perenizar-se na carreira política (ou seja, manter pelo máximo de tempo possível o poder político, para continuar praticando o objetivo 1).

Essa constitui a essência das ações dos políticos brasileiros dos Poderes Executivo e Legislativo, em todos os níveis, Federal, Estadual e Municipal.

Os exemplos são tantos, que o texto se tornaria extremamente longo se os listássemos.  Mas é bom ressaltar que estão associados aos políticos, de todos os partidos, que alcançam o poder de gerir recursos públicos.  Sem nos estendermos muito, citamos apenas dois exemplos:

1) um ex-presidente da República,  que iniciou sua carreira política como obscuro professor de sociologia, conseguiu após os mandatos presidenciais, instituir uma Fundação (patrimônio ou conjunto de bens – destinado à finalidade de interesse público e não lucrativa). Qual a origem do patrimônio desse político?  Ou ainda, anteriormente a essa ocorrência, o denominado, pela mídia, de

2) Caso dos “Anões do Orçamento” no Congresso Nacional, foi amplamente divulgado pelos jornais, mostrando que membros do Congresso Nacional se locupletavam com o dinheiro público e justificavam o crescimento de seu patrimônio com a afirmativa de que teriam ganho dezenas de vezes na loteria.  Como afirmado, os exemplos abundam e não vale à pena nos estendermos sobre isso.

A estrutura fisiológica política no Brasil tem sido repetidamente montada e aperfeiçoada, por verdadeiras QUADRILHAS DE POLÍTICOS DE CARREIRA, somente para os fins acima descritos.  E mesmo aqueles com relativamente pouco tempo de “carreira política” parece que aprendem rápido, aperfeiçoando os mecanismos de desvios.

E o pior é que isso está institucionalizado, sem que os dirigentes tenham vergonha, nem mesmo de vir a público e afirmar, como o fez a Presidente Dilma, após a reforma ministerial: “com a nova estrutura governamental, foram feitas todas as composições com os aliados políticos – (leia-se: “distribuição de cargos e partes do orçamento público”) –  e estamos prontos para governar!” (Nota:  O maior cargo político do Executivo, a Presidência da República, compõe um governo com 39 (trinta e nove) ministérios e secretarias de primeira linha, para permitir a acomodação de todos os apadrinhados (“aliados”) políticos.  A motivação para esse descalabro, não é obviamente o interesse público – ninguém aceitaria que é necessário, para uma administração correta a existência de um Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e uma Secretaria de Pesca e Aquicultura? Ou ainda, um Ministério da Casa Civil e uma Secretaria de Relações Institucionais? E o que dizer da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial e da Secretaria de Promoção de Políticas para Mulheres? Ah, e por que não criar secretarias de Promoção de Políticas para Crianças, de Promoção de Políticas para Homens, de Promoção de Políticas para Idosos, ah… e não devíamos esquecer a promoção de políticas para os animais domésticos, (aqueles que estão fora do escopo do Ministério da Agricultura), etc.  E, com isso, “justifica-se” o desperdício de  dinheiro público com inutilidades, que ampliam as oportunidades de desvio, em lugar de emprega-lo em infraestrutura alavancadora de desenvolvimento.  Não há dinheiro suficiente para esses descalabros, mas pode-se conseguir mais, aumentando a carga tributária sobre a população economicamente ativa (principalmente sobre a classe média).  Pode-se também recorrer à galinha dos ovos de ouro”, que é a PETROBRAS com o Pré-Sal.)

Nessa declaração fica clara a total falta de compromisso da estruturação governamental com a eficiência e eficácia administrativa. Porém na realidade não é somente ineficácia ou baixa eficiência, é muito pior que isso, é intencional assalto aos recursos públicos.

A distribuição desses cargos pelos “apadrinhados políticos” deve ser conscienciosamente executada, de forma a que os “mais importantes aliados” – tenham, sob sua gestão, fatias generosas do Orçamento da União.  Os Ministérios e Secretarias com maiores orçamentos são os mais disputados nessas “negociações” (na verdade NEGOCIATAS).  Quanto maior o orçamento disponível, maior será o potencial de desvio de valores da “rex publica” para o patrimônio privado.

Na prática da política nacional, ao focarmos o Interesse Público não é importante qual o partido no Poder, trata-se apenas de uma mudança da quadrilha que assalta os cofres públicos.  Grande parte do tempo de “trabalho” dos chamados “políticos de carreira” é gasto nas denominadas “articulações políticas”, que nada mais são do que “CONSPIRAÇÃO ENTRE OS COMPARSAS E FORMAÇÃO DE QUADRILHA VISANDO MAXIMIZAR SEUS GANHOS NO ASSALTO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO”.  Essa característica da política nacional, não somente não atende ao Interesse Público, que deveria capitanear a atividade política, como, na verdade, é totalmente contrária a ele.

No Brasil é o próprio detentor do poder político, que se enclausura e se organiza para fabricar as regras em seu próprio benefício e não no interesse público.  Isso ocorre, pela ação, principalmente dos poderes Legislativo e Executivo.  Ambos utilizando-se do poder que lhes é atribuído, pela estrutura estatal, para viabilizar “legalmente” o desvio de verbas públicas para fins privados.

Os exemplos são tantos e tão amplos que dificilmente podem ser condensados.  Mas de forma apenas exemplificativa e, certamente, não taxativa, podemos citar: no Poder Legislativo –, a legislação sobre seus próprios salários e diversas outras vantagens pecuniárias (auxílio moradia, auxílio passagens, auxílio combustível, etc.), criação de cargos de confiança e cargos comissionados – também pelo Executivo –, visando “pagar” um grande número de apadrinhados, criação de mecanismos de blindagem “legal” à investigação por irregularidades, etc.

No Poder Executivo, criação de cargos e funções administrativas totalmente desnecessárias, onerando o erário, para satisfazer composições políticas com aliados, sem quaisquer objetivos com fulcro no Interesse Público (como os exemplos já citados).  Além disso, os Poderes Executivos (em todos os níveis – Federal, Estadual e Municipal) sempre utilizaram o histórico lema político “Rouba, mas faz”, onde uma obra, paga com erário público, é superfaturada e tem parte de seus custos desviados para o patrimônio privado do administrador público que a autorizava e do empreiteiro cooptado.  Hoje, essa regra foi muito além do imaginável, levando ao novo lema “Rouba e não faz”, com grande número de obras interrompidas, sem finalização, por total falta de recursos (vide o ocorrido na Copa do Mundo de 2014).  E para diversificar esse esquema, não é necessário utilizar apenas a administração direta, mas podem-se agregar a ela outras formas de acesso aos recursos públicos, utilizando-se empresas estatais e de economia mista, como é o caso do recente escândalo denominado de “Lava a Jato” com a PETROBRAS (2015).

Política e bandalheira estão necessariamente associadas?

Essa situação da política brasileira e o seu caráter de “inevitabilidade” chegam a ser mencionados por cidadãos conscientes, como uma razão para evitar-se a permanência de um Partido Político no Poder, por tempo muito longo.  O argumento é que, para a “estruturação da quadrilha e seu adequado funcionamento” é requerido um tempo e que a alternância de partidos no poder
aumenta esse tempo e, portanto, resulta em menos dano ao patrimônio público.

Esse argumento tem um problema grave ele subentende a inevitabilidade e o conformismo com a “roubalheira na atividade política”, o que é totalmente inaceitável.

Em outras democracias, existe uma noção adequada com relação ao Bem Público (rex publica), como sendo aquele recurso que pertence à coletividade.  Todos se consideram “donos” desse recurso e, portanto, não admitem que o mesmo possa ser apropriado por uma pessoa, ainda que ela tenha sido investida de “poder político” para gerenciar tal recurso.  O recurso público somente pode ser aplicado (criteriosamente) em prol da coletividade.

Não se deve pensar que isso ocorre por uma integridade moral superior do povo e dos políticos dessas sociedades mais evoluídas.  Isso ocorre, porque essa é a regra imposta e, nessas democracias evoluídas, a repressão a desvios de conduta no manuseio da rex publica – e em desobediência às normas sociais, é infalivelmente punitiva.  Nessas democracias, o detentor do “poder” para gerir o recurso vai geri-lo corretamente, pois é rigidamente fiscalizado e, se não o fizer, será severamente punido.

As sociedades dessas “nações evoluídas” já têm incorporadas em sua conduta a necessidade de seguir estritamente as leis. Não existe opção.  O desvio significa punição.  Em qualquer dessas nações, lei é Lei, e deve ser cumprida.  Nessas nações “evoluídas” o velho chavão: “O crime não compensa” é uma verdade, socialmente incorporada e sabida por todos.  De geração a geração, todos são ensinados que violar a lei é, inevitavelmente, igual à punição e à execração social.

No Brasil, até com raízes históricas (D. João VI, imediatamente antes de voltar a Portugal, saqueou o Banco do Brasil, esvaziando seus cofres), a situação é completamente diversa.  O Estado não é considerado uma instituição criada para servir ao povo, mas é visto praticamente como um “inimigo do povo” e um parasita.  Basta ver os resultados das atuais pesquisas de opinião, onde as instituições consideradas pela população, como mais desacreditadas e corruptas do país figuram, em primeiro lugar, o Congresso Nacional e, em seguida, os demais Políticos de todos os entes da Federação.

Esse estado de coisas, historicamente impregnado na política brasileira, não foi devidamente combatido, ao contrário, foi até agravado pelas gestões políticas dos partidos denominados “de esquerda”.  Surgidos na “ilegalidade” e tendo que se oporem às atrocidades da “legalidade” de uma ditadura, eles mesmos propalaram a ideia de que o Estado era um inimigo e de que a “legalidade fascista” devia ser desrespeitada.  Em outras palavras: “a espada da repressão instituída” tinha de ser enfrentada.  De certa forma, isso fomentou uma tolerância generalizada com a ilegalidade e uma doutrina de impunidade, que permeia não somente as doutrinas de combate à criminalidade marginal, mas também o resto da sociedade e as instituições públicas.

No nosso país, o conceito de Bem Público está totalmente desvirtuado, pois é considerado aquele recurso que não tem “um dono” – já foi perdido quando o cidadão pagou os impostos e já integra o patrimônio do “Estado”, entidade autônoma e desvinculada – e, por não ter dono, pode ser apropriado por quem quer que tenha poder para fazê-lo.  Lembrando, novamente, que o Estado não é considerado, pelo cidadão, uma estrutura organizacional criada para servir ao interesse coletivo, mas encarado com desconfiança, como um quase inimigo histórico (uma Corte), que vai retirar parte dos seus recursos em “troca de proteção”, sem qualquer compromisso em devolvê-los em serviços públicos.

Lembro-me de uma declaração do ex-presidente da República Fernando Henrique: “No Brasil, a política não é tão “antisséptica”, quanto o povo acredita”.  Abstenho-me do comentário de que o povo talvez não seja assim tão crédulo, porque a grande questão não é essa, é o caráter de inevitabilidade que impregna as palavras desse político.  Ora, se não é antisséptica, DEVIA SER. A “assepsia” DEVE ser feita, ou seja, OS PATÓGENOS DEVEM SER ELIMINADOS de toda a estrutura política de um país que pretende se desenvolver.

Isso pode soar como uma utopia, entretanto, essa característica da política brasileira, não é, de modo algum, tão generalizada, em outras nações, como grande parte dos políticos e da mídia quer nos fazer crer.  Mas no Brasil ela é a regra.

Duas ideias são levantadas, tanto na mídia, como até por “bem intencionados” cidadãos, para mostrar a dificuldade de romper esse ciclo pernicioso.

A primeira dessas ideias, talvez a mais maléfica, é aquela implícita no texto “questão política” de Mário Santayana (ref. citada), pois considera que a apropriação da rex publica pelos privados, que foram instituídos no poder (ou seja, detentores do Poder Político), é inevitável “por fazer parte da política” e que, portanto, é utópico tentar opor-se a isso.  Esse conceito é extremamente nocivo porque implica considerar que a bandalheira e poder político são inevitavelmente “irmãos siameses”.

Mas isso não é, de forma alguma, verdade generalizada (talvez, com exceção das “denominadas Repúblicas de Banana” – por sinal o Brasil é um dos maiores produtores mundiais do produto).  Pergunte, por exemplo, a um cidadão Norueguês se ele considera os membros do parlamento da Noruega como escroques e ladrões – a resposta será negativa.  O Norueguês dirá que eles fazem um bom trabalho e que são honestos – pois, se não o fossem, obviamente seriam punidos.

A segunda ideia que permeia a mídia e acaba por impregnar a mente de cidadãos ditos “conscientes” é a de que a consciência moral dos políticos é um reflexo da consciência moral do povo e, portanto, com investimentos em educação – de longo prazo – a sociedade vai evoluir para “o caminho do certo” e, portanto, para o respeito à rex publica.

O raciocínio, implícito nessa ideia, tem dois graves problemas.

Em primeiro lugar ele é incorreto, pois subverte a realidade, ao inverter as relações de causa e efeito.  Quem pensa assim, não vê, que em todas as nações que hoje consideramos como “civilizadas e disciplinadas” em todas as áreas, inclusive na gestão dos recursos públicos, não o fizeram por superioridade moral intrínseca de seus povos.  Ao contrário, só atingiram tal status, porque, apesar de serem oriundas de povos bárbaros (germanos, anglo-saxões, gauleses, etc.), e que, portanto, tiveram de se organizar e regrar-se num ambiente hostil – hostilidade devido ao clima implacável, à disputa por escassos recursos naturais, à proximidade com inimigos (outras tribos bárbaras de língua e costumes diversos), esses povos aprenderam, literalmente a “duras penas”, a importância de valores sociais.  Nesse cenário, não havia espaço para desvios de conduta, o regramento tinha que ser seguido, ou a punição seria severa – era uma questão de sobrevivência, tolerância zero com os inimigos internos, pois já há muitos inimigos externos.  Hoje essas sociedades têm um entendimento consolidado, e que é passado de geração em geração, de que lei é Lei e que o indivíduo que desrespeitá-la não só não será bem sucedido socialmente, como será ainda punido e execrado pela sociedade.  Em outras palavras, esse “elevado padrão moral” dos indivíduos dessas sociedades evoluídas não veio de um superior e introspectivo senso do que é certo e do é errado, mas, ao contrário, esse senso é que se originou, desde a tenra idade nos indivíduos dessas sociedades, pela ação pedagógica de um regramento punitivo severo e infalível.

O outro problema grave de tal argumento é que ele tenta diluir as responsabilidades daqueles que têm o poder – e o usam para locupletar-se com a “rex publica” – para toda população. E esse argumento favorece “o vilão”, pois pereniza a situação, até que “o povo tenha uma educação adequada para saber escolher corretamente seus governantes”.   Repetidamente se fala (até mesmo figuras emblemáticas do país já falaram): Brasileiro não sabe votar.  Novamente, esse não é o cerne do real problema.  Se um detentor de Poder Político age de forma lesiva ao patrimônio público, tem de ser responsabilizado pelos seus atos e severamente punido e, certamente, o fato de o povo tê-lo eleito – ou seja, de ele ser legalmente detentor de poder político – não pode servir de escusa a essa responsabilização e punição.  E essa punição exemplar do político profissional (leia-se: ladrão e corrupto) nunca ocorreu no Brasil.

Porque a legislação inibitória da má conduta não é efetiva?

As afirmativas sobre a política brasileira parecem ser exageradas, afinal no direito positivo brasileiro, os instrumentos legais são suficientemente expressos sobre os princípios que regem, ou melhor, deveriam reger a administração pública.  Desde o princípio da legalidade do agente público: que informa que o mesmo somente pode agir estritamente de acordo com a lei, passando aos demais princípios da Moralidade, Impessoalidade, Publicidade e Eficiência, que devem “reger” a atividade pública.  Então, mesmo existente, essa legislação não é efetiva?

É isso mesmo, o Brasil é um país cheio de leis – uma das taxas de produções legislativas (não só pelo Poder Legislativo, mas até pelo Poder Executivo – na forma de Medidas Provisórias, Atos e Instruções Normativas, etc.) mais elevadas do mundo – porém, apesar disso, aparentemente de modo paradoxal, é um país onde não existe Justiça.  Mas isso é só aparentemente paradoxal.  A título de exemplo: o crime de peculato (quando o servidor público – concursado, mas não o político – desvia bem público para fins privados), quase foi esquecido pelo legislador, mas acabou aparecendo no final do código penal e, em seu parágrafo terceiro, admite a extinção da punição, caso o bem seja restituído, antes da sentença final irrecorrível!  Ou seja, praticamente, permite que o crime seja tentado, se não der certo, basta devolver e esperar, sem qualquer punição, para uma próxima oportunidade.

Com a explosão do número de municípios no país (hoje cerca de seis mil), ocorrida após a Constituição de 1988, que elevou essas entidades administrativas ao nível de entes da Federação, assim como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, criando toda uma estrutura administrativa e repasses de verbas que levou ao crescimento da rede de assalto aos cofres públicos.  Os casos de corrupção em “concursos” públicos para o provimento de cargos públicos municipais são tantos que os Ministérios Públicos, dos diversos estados, nem sempre conseguem apurar todos os casos.  Além disso, as distorções permitidas por lei, como a nomeação de funções de confiança e cargos comissionados, complementa a roubalheira, sem que seja sequer legalmente possível investiga-los.

Como se vê, parece paradoxal que o excesso de leis não leve a uma sociedade ordenada e justa, mas na verdade, não é nada paradoxal é sinistramente intencional.  A teia normativa visa permitir que, seguindo seus meandros, os detentores do Poder, possam atuar “legalmente”, de forma a se locupletarem com os recursos públicos e não sejam atingidos por quaisquer penalidades.  A impunidade impera.

Na esfera Federal, mesmo o mais “descarado assalto” aos cofres públicos é, quando exibido pela mídia, tratado como “falta de decoro parlamentar” e julgado – se chegar a isso – pelos próprios pares no Congresso Nacional.  O resultado disso são as situações descritas acima, coroadas, com a chamada “imunidade parlamentar” e com os foros privilegiados.  A primeira deveria se restringir à liberdade de expressão parlamentar, mas é hoje jocosamente denominada pela mídia em geral, de “impunidade parlamentar”, afinal é só um “p” a mais.

Proposta para romper o ciclo vicioso e estabelecer a governabilidade com elevado padrão ético

É preciso abandonar esse regramento viciado, porque foi elaborado pelos chamados POLÍTICOS DE CARREIRA em benefício próprio.  É preciso estabelecer regras isentas e impessoais que levem à governabilidade da Nação e a extensão do Poder Político com foco no denominado Interesse Público (gestão dos recursos públicos em prol da sociedade) e de forma totalmente independente e PROTEGIDA dos interesses particulares dos eventuais detentores do poder.  Que prevejam uma EFETIVA PUNIÇÃO desses detentores de poder, em casos de desvio de recursos públicos.

Como assegurar que essas regras serão estabelecidas com isenção e com assegurada efetividade?

Por meio de uma Constituição rígida (ou de núcleo rígido), que estabeleça regras adequadas para essa finalidade.

Mas com o fim do Regime Militar, isso já ocorreu.  O que deu errado?

É verdade. Tivemos a denominada (pelo político Ulisses Guimarães) “Constituição Cidadã de 1988”.  Essa Constituição foi criada, por aqueles que tinham poder político, para estabelecer as regras do “jogo” QUE ELES MESMOS IRIAM PRATICAR, já que todos eles eram os chamados Políticos de Carreira.  Evidentemente que os nobres Constituintes não estavam nem um pouco interessados em estabelecer regras que, ao focar no Interesse Público, limitassem os seus próprios poderes.

Como estabelecer regras sãs que assegurem que, na “Nova” Constituição, isso não se repita?

Para isso é necessário uma Assembleia Constituinte, exclusivamente Constituinte, ou seja, formada por membros detentores de Poder exclusivamente Constituinte, que ao participarem dessa Assembleia, que definirá as regras de governo, terão os direitos de candidatura política (tanto no Legislativo, como no Executivo) suspensos por um período de, digamos, no mínimo 50 anos, ou até permanentemente.  Esse é o conceito de uma Assembleia Constituinte, preconizado pelos autores de artigos e livros sobre Teorias de Estado, mas esse assunto não é sequer abordado na mídia.

Essa Assembleia trabalharia sobre um projeto de Constituição elaborado por Juristas renomados – também sem direito a candidatura e sem direito a alçar ao topo do Poder Judiciário (STF – como explicado à frente) –, e tendo como diretriz, impedir que possa haver abuso do Poder Político e garantindo punição exemplar aos infratores (ressarcimento da coisa pública + confisco dos bens do delinquente, ou seja, multa elevada sobre o patrimônio legal do delinquente + prisão + cassação de direitos políticos).

Durante sua elaboração, importantes temas polêmicos dessa Constituição, poderiam ainda ser submetidos a plebiscito e/ou referendo popular (a Internet pode ser hoje, uma boa via para isso).

Considerando essa proposta, apresentamos algumas ideias, ainda que incipientes e carentes de desenvolvimento complementar, para nortear o estabelecimento de regras visando promover a assepsia política e administrativa.  Esse exercício pode ser facilmente realizado, como se vê abaixo.

– Fim da carreira de Político Profissional, com a proibição do exercício de mais de um mandato político por cidadão, (qualquer que seja o mandato, Poder Político ou entidade da Federação envolvida).  Poder-se argumentar que essa restrição impediria os benefícios da experiência administrativa (ou legislativa) acumulada.  Entretanto, como já discutido, esses benefícios têm repercutido muito mais nos interesses pessoais do político do que no Interesse Público, portanto não podem ser vistos como real vantagem.  Ademais, sem a possibilidade de novo mandato político, o ocupante do cargo administrativo (ou legislativo) não precisa se “articular” e se “compor” (eufemismos, como já foi dito, para: “formar quadrilha e conspirar”) para assegurar sua reeleição.

– Proibição total de cargos comissionados ou de confiança.  Os auxiliares dos parlamentares e administradores, bem como auxiliares judiciários seriam retirados dos quadros permanentes de servidores públicos concursados.  Eventuais cargos provisórios de assessoria, que se fizessem necessários, seriam preenchidos, por tempo determinado, por meio de licitações abertas, com empresas de consultoria e assessoria, evitando o apadrinhamento e os conchavos;

– Os concursos públicos seriam realizados de forma centralizada, sujeita fiscalização direta do MP.  Quaisquer suspeitas de fraude, por ferirem os princípios de Legalidade, Moralidade e Impessoalidade dos atos administrativos seriam investigadas pela Polícia Federal, prevendo-se punição severa dos envolvidos, uma vez constatadas as irregularidades.

– Proibição da elaboração de leis para a definição dos próprios salários e outras vantagens pecuniárias ou não, por parte dos membros do legislativo e do executivo – neste último caso, por proibição de projetos de lei ou medidas provisórias nesse sentido, e também do judiciário – neste caso, por atos normativos dos tribunais superiores;

– O STF deixaria de ter seus membros indicados pelo Poder Executivo.  O provimento dos cargos vacantes dessa Corte seria objeto de um Plano de Carreiras do Poder Judiciário, que poderia ou não incluir, concursos internos – entre Juristas do quadro de Juízes e Desembargadores do Poder Judiciário – para o acesso à Suprema Corte.

– As regras gerais de funcionamento do Judiciário seriam também estabelecidas constitucionalmente e, portanto, os Juristas encarregados de apresentar as propostas desse projeto constitucional, seriam vedados de participar de concursos para cargos no Poder Judiciário (admitindo que o ingresso seja por concurso público, o que é a situação atual).  Esses Juristas teriam vedada sua participação nesses concursos para carreira no Judiciário, mas poderiam fazer parte de colegiados fiscalizadores – Corregedoria de Justiça, por exemplo.

– Reiteradamente, neste texto, foi feito uso da expressão “órgãos fiscalizadores colegiados”.  Porém como assegurar que a fiscalização não seria corrompida, tornando-se mais um elo na cadeia de desvios?  No nosso entender, isso poderia ser evitado pela multiplicidade e pulverização dessa função.  Além dos órgãos específicos (tribunais de contas, corregedorias, etc.), outros colegiados, como por exemplo, entidades de classe, sindicatos, associações de bairros (nos casos dos Poderes Executivo e Legislativo municipais), etc. teriam poder para analisar os demonstrativos de gestão dos recursos públicos, que (pela efetivação do princípio da Publicidade, que doutrinariamente deve reger a atividade pública) estariam disponíveis on line para análises e questionamentos.  A própria imprensa, ávida por notícias de irregularidades, certamente também atuaria.  Evidentemente esses “outros colegiados” não teriam poder de polícia, mas teriam direito a recorrer ao Judiciário, com ações públicas, impetradas diretamente ou por meio do Ministério Público, no caso de constatação de irregularidades e/ou de respostas inadequadas aos questionamentos.

– O argumento de que, com as regras acima mencionadas, não haveria interesse dos cidadãos em ocupar cargos políticos (administrativos e/ou legislativos) é vulnerável.  Primeiramente, devemos considerar que se o interesse somente for despertado pela possibilidade de enriquecimento rápido (o que certamente só seria possível nas formas ilícitas já mencionadas), certamente esse cidadão não é adequado aos cargos citados – é justamente esse problema que se quer evitar com as propostas acima.  Novamente, seria admitir que a corrupção devesse ser tolerada, pois é “irmã siamesa” da política.  De qualquer modo, sempre existirão pessoas, com gosto administrativo ou legislativo, que se interessarão em participar (pela única vez permitida por lei) da atividade política.

– Uma alternativa a considerar para a ocupação de cargos administrativos e legislativos (nas esferas Federal, Estadual e Municipal) seria a seguinte: Esses cargos poderiam ser ocupados sob a forma de \”imposto\”, similar ao serviço militar obrigatório:  Por exemplo, as empresas públicas e privadas poderiam (por lei) ceder, como candidatos a cargos legislativos e executivos um percentual (ínfimo) de seus empregados, que, em caso de eleição seriam licenciados, permanecendo recebendo seu salário normal da função na empresa licenciadora, que deduziria integralmente suas despesas, diretas e indiretas, com o empregado licenciado, dos impostos a serem pagos aos respectivos entes da Federação  para o qual o empregado foi licenciado e “emprestado” para o cargo político em questão (por exemplo, se da área Federal – IR, se Estadual – ICMS, se Municipal – ISS).  Com o fim do exercício do mandato político, o indivíduo voltaria ao seu cargo normal na empresa. Com esse tipo de abordagem seria solucionado também o problema de boa parte do orçamento de pessoal desses poderes;

– Toda gestão de recursos públicos seria completamente aberta, transparente e fiscalizada por órgãos colegiados, incluindo o patrimônio particular dos gestores desses recursos e de todos os detentores de poder de liberar despesas e pagamentos com dinheiro público;

– Desvios de conduta seriam severamente punidos, com pesadas penas privativas de liberdade e com o confisco de bens (incluindo multas adicionais aos valores desviados, pelo confisco de bens do delinquente, reduzindo seu patrimônio), além evidentemente, de imediata cassação do mandato político.

– Instrumentos de democracia participativa seriam incorporados à Constituição, exigindo que todas as decisões legislativas e executivas sejam motivadas pelos gestores, tornando a gestão o mais técnica possível (ou seja, fim do poder totalmente discricionário do servidor).  Ou seja, o administrador e o legislador tomariam decisões com base numa análise que, ao balancear as possibilidades, concluísse pela decisão tomada como sendo maximizadora do Interesse Público.  Essa motivação da decisão seria aberta e acessível a órgãos colegiados fiscalizadores.  No caso de divergências não sanáveis entre o administrador/legislador e os órgãos fiscalizadores, o Judiciário poderia ser acionado, dando parecer final sobre o assunto.  Essa abordagem tornaria mais difícil a ocorrência de uma negociação ou articulação política com motivações escusas, pois a liberação de recursos pelo Executivo ou pelo Legislativo, que não tiver justificativa técnica adequada, estaria violando o Interesse Público;

– Haveria regramento para a suspensão imediata de poder político do agente público sob investigação de violação de o princípio da legalidade estrito (PL do agente público).  Após a conclusão da investigação e o processo legal, definido no novo regramento, teriam lugar além da perda do mandato político, as punições severas previstas;

– Um dos instrumentos de democracia participativa que deveriam ser incorporados à nova organização estatal é o chamado instituto do recall, pelo qual os cidadãos e entidades colegiadas poderiam revogar o mandato do candidato eleito, quando ele não seguisse o programa preconizado, durante sua candidatura.  Trata-se não de ilegalidade do agente eleito, mas tão-somente da perda de representatividade desse agente, pois ele foi eleito por aqueles que acreditaram que ele seguiria um determinado programa de governo a que ele mesmo se propôs.  Novamente aqui, os órgãos colegiados poderiam acompanhar o desempenho do político e, caso verificado um persistente desvio de conduta relativa ao programa de trabalho propalado pelo então candidato, haveria regras para impedir a continuidade de suas ações, enquanto o seu eventual recall estaria sendo analisado.

– Considerando as ideias acima citadas, surge uma pergunta:  E os Partidos Políticos?  O que será deles?  A resposta é que essas entidades passariam a ser  simples formuladoras de políticas administrativas, cuja função seria a de prover os cidadãos de  informações e ideias visando ajuda-los, como possíveis candidatos, para o eventual desempenho das funções políticas e como eleitores, pelo fornecimento de informações sobre os programas dos candidatos.  Assim continuariam havendo partidos com diferentes visões administrativas (com fulcro nas diversas ideologias políticas) que promoveriam debates e palestras entre estudiosos de Teorias de Estado e cidadãos, visando orientar os próprios cidadãos.  Não adiantaria, para os partidos, adotar políticas doutrinárias individuais – investindo em determinados candidatos, pois, com possibilidade de um único mandato, isso não seria produtivo.

– As campanhas políticas seriam promovidas pelos meios eletrônicos de comunicação, com igualdade de tempo para cada candidato, que poderia ou não ter filiação partidária, que exporia suas ideias, mas não receberia qualquer auxílio pecuniário do partido, ou de quem quer que seja (privado ou público).  A legislação de concessão dos meios eletrônicos de comunicação, já estabeleceria as regras de disponibilização, sem custos, dos horários de propaganda eleitoral.  Esses custos seriam um ônus do Concessionário interessado na exploração do serviço do canal de TV ou rádio.  Outros tipos de propaganda política seriam vedados.

– Outras propostas, para essa Nova Constituição, seriam eventualmente levantadas e discutidas, pela sociedade civil, durante os debates que precederiam e acompanhariam sua elaboração.

O problema da impunidade

Com relação à punição no Brasil, o assunto merece ser tratado com mais seriedade do que habitualmente tem ocorrido no país.   Isso vale tanto no caso dos denominados “crimes comuns”, como para os chamados “crimes de colarinho branco”.  Entretanto, como o assunto é extenso e foge ao tema principal aqui abordado, faremos, portanto, apenas algumas poucas considerações sobre o tema.

Segundo as teorias tradicionais a pena (punição por crime ou contravenção) tem as seguintes funções:

• Função Retributiva, ou seja, confirmar socialmente o monopólio estatal da administração da justiça, desencorajando o exercício da justiça privada, ao dar uma satisfação à vítima de que o responsável pela lesão sofrida foi efetivamente punido pelo Estado;

• Função Social, proteger a sociedade, afastando o delinquente do convívio social – pena restritiva de liberdade ou, mais efetivamente pela pena de morte – impedindo que o mesmo volte a delinquir enquanto tiver sua liberdade restringida ou permanentemente;

• Função Pedagógica, ou seja, mostrar, tanto para aquele que delinquiu, como, exemplarmente, para outros possíveis delinquentes, que o crime leva a uma consequência desagradável, que é a punição;

No Brasil, entretanto, o sistema penal está completamente falido.  A pena real, não corresponde à prescrita e não cumpre qualquer das funções citadas.   Por um lado temos um Código de Execuções Penais, que é uma obra de pura ficção, talvez nem mesmo viável em países desenvolvidos, com abundância de recursos.  Por outro temos uma realidade prisional, com superlotação e violação de direitos humanos fundamentais.

Ademais, além desses problemas, as penas estabelecidas são ridiculamente reduzidas.  Um juiz mencionou na mídia que, no caso de um homicídio sem qualificantes, a pena máxima a que ele pode condenar o assassino é de 6 anos.  E o máximo encarceramento é de 30 anos, mesmo para múltiplas condenações por crimes bárbaros.

Particularmente no caso dos crimes que poderíamos denominar como crimes difusos (não dirigidos a indivíduos particularizados), eles têm sido considerados menos relevantes, sendo desconsiderados pelo legislador (obviamente).  Entretanto, esse quadro é inaceitável.

Ressaltamos que, embora geralmente (mas nem sempre – vide o caso do prefeito Celso Daniel de Santo André-SP), sem o componente da violência muitas vezes presente nos crimes contra o patrimônio privado, praticado pelo delinquente comum (marginal), o crime contra o patrimônio público pode ser mais nocivo socialmente, já que onera toda a população e atinge especialmente os de menores recursos, ou seja, mais dependentes dos serviços públicos, nos quais os recursos desviados deixam de ser aplicados, atingindo também as gerações futuras pela indisponibilização de recursos que poderiam ser aplicados em infraestrutura para o crescimento econômico do país.

Outro aspecto a ser considerado nos crimes de desvio de recursos públicos é que contra os denominados marginais comuns, a sociedade dispõe de meios repressivos (por exemplo, os órgãos policiais).  Pela própria denominação, os marginais não estão inseridos na sociedade, mas se colocam à sua margem e são, portanto, mais facilmente controlados.  Já os políticos delinquentes (quase uma redundância), estão inseridos no tecido social e, pelo poder político, normalmente controlam os órgãos de repressão, tornando essa enfermidade social muito mais grave e difícil de combater.  Portanto, esse crime é merecedor de penas mais severas.  Enquanto o marginal é aquele patógeno que está na sujeira e no lixo e, embora perigoso, pode ser evitado com boa higiene, o político delinquente é o patógeno que se instalou no tecido social supostamente saldável e, portanto, se alastra deteriorando tudo à sua volta, podendo matar o hospedeiro, ou seja a sociedade.

Por essa razão, os Estados evoluídos, não são nada condescendentes com esse tipo de crime.  A punição DEVE SER RIGOROSA.  Fala-se que a eficácia da penalização está mais associada à certeza da punição do que ao rigor da mesma, mas é evidente que, com um sistema penal com penas brandas – como o caso do homicídio acima citado –, muitos corruptos, que desviam dezenas de milhões de dólares, concluam que o risco e até mesmo a certeza de pouco tempo de cadeia, sejam afinal “um bom negócio”, ou seja, concluam que o crime compensa.

Conclusões

A proposta aqui apresentada é, de fato, uma reforma completa do Estado Brasileiro, que tem por objetivo, SE NÃO IMPEDIR, PELO MENOS REDUZIR SUBSTANCIALMENTE a possibilidade de continuidade de um dos maiores males a que é submetida a sociedade brasileira pelos dirigentes administrativos, legislativos e mesmo judiciários, que é o ENRIQUECIMENTO PRÓPRIO, PELO DESVIO E APROPRIAÇÃO PRIVADA DOS RECURSOS PÚBLICOS.

Poder-se-ia contestar a proposta acima, como utópica e, portanto, impossível de ser implementada.  Para aqueles que levantam esse argumento, fornecemos alguns exemplos, de que é possível sim, promover a assepsia na administração pública e na política em geral.

Transcrevemos um pequeno trecho de um texto publicado, em 11/01/2016 na página da Associação dos Engenheiros da PETROBRAS (AEPET) pelo colega Diomedes Cesário da Silva, com base em dados do livro “Um país sem Excelências e Mordomias”, de Cláudia Wallin, Geração Editorial:

“Na Suécia, deputados não decidem sobre seus salários, não tem gabinetes, carros, nem verbas para a contratação de assessores, recebendo cerca de USD 8000 (o dobro da remuneração de um professor primário). Cerca de 94% dos políticos nas Assembleias estaduais não recebem salários. Os vereadores não são remunerados.”