Artigo

Remédio Amargo

Data da publicação: 30/09/2021

Apesar de amenizadas pelo ardiloso recuo do Presidente da República, suas ofensivas manifestações frente à turba irracional motivaram severo repúdio do Judiciário e do Congresso, tornando claro o sentimento das Instituições republicanas. No entanto, apesar de atenuar tensões no seio da temerosa população, os eventos da Semana da Pátria, em especial, registraram ostensiva demonstração de arrogância, desrespeito e ódio, reduzindo a frangalhos o sonho de nação patriótica. Grupelhos radicalizados, sem qualquer vínculo com o sentimento das famílias brasileiras, externaram ideologias e doutrinas germinadas no seio da mesquinharia social.

Essa gentinha, exibindo carrões e motocicletas de alto valor, vive alheia à triste realidade doméstica, contexto cujas aspirações populares, na base da pirâmide social, priorizam postos de trabalho e ações capazes de suprir as mínimas necessidades de uma vida humilde e saudável. Bem postada numa parcela que usufrui as benesses do Estado, com bons cargos na vida privada, tornam-se insensíveis às agruras da inflação acelerada e do desemprego, sob um modelo econômico neoliberal cujos tentáculos maléficos desmontam empresas e organizações estatais soberanas. Agravando tão aviltante quadro, exaltam mandamentos da direita radical, com doutrinas retemperadas do neo-fascismo bem como, por desconhecimento ou criminosa perversão, teologias que simbolizam o anti Cristo nos templos neopentecostais, como a da prosperidade.

Mentores desses descaminhos, apesar de derrotados nos EEUU, país de origem, acompanham com interesse o subversivo cenário criado em nosso território, em busca de modelo para futuras investidas. Recente ocorrência policial, relatada no jornal O Estado de São Paulo, desnudou um desses planos diabólicos, ao revelar que a Polícia Federal, cumprindo Mandado originário da Suprema Corte abordou, no aeroporto de Brasília, o americano Jason Miller, ex assessor de Trump e fundador da rede social Gettr. Essa organização ao passar a acolher extremistas, após bloqueios e suspensão de contas por parte de plataformas como Facebook e Twitter, tornou-se alvo da medida determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito que apura a atuação das chamadas “milícias digitais“.

Não bastassem esses agentes da elite fascista se agruparem para desestabilizar o amalgama social e familiar que os acolhe, no extremo oposto facções de contaminados por ideologias espúrias, se agregam em círculos de contestação esquerdizante, que em nada refletem as classes que propõem defender. Se destacam exaltando bandeiras de pretensa “nova esquerda” e, instigados por psicóticos arautos além fronteiras, externam a pretenção de “conhecedores da verdade absoluta”.

Como regra geral, para a decepção de progressistas e idealistas, o poder os corrompe rotineiramente, como demonstram eventos e Processos de passado recente. Tais desacertos acabam de ser dissecados numa corajosa análise de Felipe Quintas, (Felipe Maruf Quintas, doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense), sob o titulo “A nova Esquerda Radical, contra o povo“. Na visão do jovem pesquisador fluminense, “diferentemente da direita tradicional, que antes do “bolsonarismo” sempre cultivou a autoimagem de moderada e transigente (ainda que muitas vezes fosse o contrário disso), a esquerda permanece referenciando sua identidade por símbolos extremados”.

Numa revisão histórica perfunctória, “os registros atestam a direita tradicional buscando referências externas nos Estados de bem estar social, tendo Castello Branco criado o INPS com base no ATP sueco e Costa e Silva afirmado que a social-democracia norueguesa era o seu modelo de desenvolvimento”. Para os esquerdistas, no entanto, “quaisquer coisas menos que as revoluções russa e cubana, seriam “reacionarismo” ou algo tendente a isso”. Nos dias de hoje, tamanho é o comprometimento da esquerda com o grande capital, sobretudo pelo identitarismo, que não resta mais espaço para a visão esquerdista sustentar críticas contra Wall Street, Coca-Cola e a grande indústria farmacêutica, entre outras. Numa sentença fulminante, revela o autor que, “para resguardar a postura radical e não descaracterizar sua aparência, reorienta seu radicalismo contra o próprio povo”. Surgem, então, verdadeiras aberrações, jamais antes cogitadas, como dizer que “a mestiçagem brasileira é resultado do estupro“, que o Brasil é uma “terra indígena“, que “os portugueses e seus descendentes são “invasores“, que “os descendentes brasileiros de italianos, alemães, espanhóis, deveriam se envergonhar“, pela imigração europeia, supostamente, ter existido para “embranquecer o país” e desfazer a “nação negra“, que seria e deve ser o Brasil e que “os imigrantes teriam sido privilegiados com terras mil“.

Tanta barbaridade vem à tona quando, até pouco tempo, “era praticamente consensual, no seio da esquerda, que a imigração europeia acelerou a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e contribuiu para a formação da “consciência de classe“. Mas hoje a imigração virou um verdadeiro anátema, assim como bandeirantismo, descobrimento do Brasil e todos os demais processos formadores da nacionalidade”. Para a nova esquerda, todos os problemas do país são por causa do povo e seus ascendentes. Se o custo de vida está alto, a culpa não é do “laissez-faire” neoliberal e financista, mas do Pedro Álvares Cabral, do Borba Gato e do Seu Giuseppe que chegou no Brasil em 1880 e trabalhou em regime de semi-escravidão num cafezal paulista. “Para consolidar a maledissência de tamanha sanha acusatória, mesmo os negros surgem culpados de violar a “terra indígena“, que seria o Brasil, e os indígenas, acusados de macular a “nação negra“, que o Brasil seria e deve ser”.

Nesse caldeirão de ações antipatrióticas, com desvirtuado enfrentamento entre vesgos e míopes que não totalizam a metade dos eleitores brasileiros, a sociedade esclarecida deverá buscar valores capazes de erradicar as perversões que maculam os alicerces da nacionalidade. Como o mundo pós pandemia tende para um imprevisível cenário de crise e renovação entre as nações soberanas, a restauração econômica e social imporá remédios amargos, necessitando nosso país de serenidade e fundamentados planos de trabalho, capazes de iluminar uma rota futura de progresso e paz social.

Tenente Brigadeiro Sergio Xavier Ferolla
Ministro Ap. do Superior Tribunal Militar

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