Artigo

Sentado à direita de Mamon

Data da publicação: 16/10/2017

Nas redes virtuais, em sua maioria, é questionada a falta de rumo, demonstrada até alguma desorientação no entendimento deste golpe jurídico-midiático-parlamentar, planejado no exterior.

Longe de pretender ter a resposta, gostaria no entanto de refletir, com meus diletos leitores, sobre esta sociedade que vivemos, a sociedade do século XXI.

Pode parecer pretensão tendo vivido somente 17 anos, um tempo recém saído da adolescência, se considerar capaz de compreender o mundo. Mas, na defesa deste empreendimento, afirmo que o século passado foi pródigo em construções metodológicas, no aprofundamento das ciências sociais, na difusão quase instantânea de fatos e análises, e este legado facilita enormemente o trabalho proposto.

Enumero três tópicos para discorrer, embora haja inegável interligação entre estes e quaisquer outros que venham a eles se incorporar. Isto porque, das construções do século XX, recebemos a noção de sistema e podemos aplicá-la em nossa análise.
O primeiro tópico trata da transformação do capitalismo. O segundo dos engodos difundidos pela comunicação de massa e pelas didáticas coloniais. O terceiro buscará a base para construção da nossa sociedade contemporânea.

Ao iniciar o século XX, predominando a força da industrialização e a transformação do colonialismo europeu, poderíamos distinguir com razoável nitidez, as classes sociais. A aristocracia decadente, sendo derrotada nas guerras europeias, a burguesia ganhando o poder pela expansão econômica, fundada principalmente na industrialização, mas sem desdenhar a propriedade fundiária, e o povo que se dividia nos operários urbanos e nos trabalhadores do campo.

Se podemos distinguir três estamentos sociais, havia, no entanto, cinco grupos de interesses: aristocratas, burguesia urbana, burguesia rural, operários e camponeses.

Após a II Guerra Mundial tem início uma disputa muito profunda pelo poder e que a guerra fria encobriu: o capitalismo industrial versus o capitalismo financeiro. A grosso modo podemos apresentar com capitalismo financeiro, os remanescentes aristocratas, a burguesia fundiária e profissionais liberais e, inconscientemente, os trabalhadores do campo. Mas este capital soube, melhor do que as demais forças, entender o uso da informação, quer como instrumento de trabalho (informática) quer na comunicação de massa.

E passa a construir crises que levam à derrocada o poder industrial e a força dos operários urbanos. Logo o capital financeiro passa a se apropriar do sistema industrial, dos meios de comunicação e do poder político. É a construção que se desenvolve das crises do petróleo (anos 1960) até o desmoronamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS (1991).

Ainda que sem contornos nítidos, chegamos ao século XXI com duas classes: a dos detentores do capital financeiro e a dos endividados, estando entre estes últimos os burgueses, os proletários e as representações dos povos: os Estados Nacionais. E, desde Marx, sabemos que o capital não tem pátria, mormente o financeiro.

Ouço sobre a influência dos Estados Unidos da América (EUA) no golpe de 2016 e discordo. Os EUA nos aplicaram um golpe em 1964. Naquela época foi um interesse de Estado, da manutenção colonial do Brasil aos interesses estadunidenses. Em 2016, os EUA agiram como executivos da banca.

Há passagem extremamente esclarecedora de John Perkins em seu livro “Enganados” (Cultrix, SP, 2010): “Os (efetivos) governantes (dos países) são CEOs corporativos (Chief Executive Officer, Diretor Executivo), membros da corporatocracia. Como enormes nuvens redemoinhando em volta do globo, seus conglomerados atingem cada continente, país ou vilarejo. Não são limitados por fronteiras nacionais nem por nenhum corpo de leis específico. Embora muitos estejam sediados nos Estados Unidos e recorram ao exército norte-americano para proteger seus interesses, não devem lealdade a país nenhum. Formam parcerias com os chineses e os taiwaneses, com Israel e as nações árabes, com brasileiros, australianos, russos, indonésios, congoleses – com qualquer um que disponha dos recursos que cobiçam.” E sua forma de agir é o suborno e a geração de dívida.

Nos EUA, na primeira década deste século (até 2008), o setor financeiro investiu mais de US$ 5 bilhões na compra de influência política em Washington (wallstreetwatch.org/soldoutreport.htm). Provavelmente uma cifra estimada ou subestimada, pois não estão explícitas nas contabilidades.

Em exemplo, no livro citado, vemos que não há uma contabilidade de custos reais. Custos ocultos como dos impactos ambientais e sociais, mortes e invalidez permanente de operários, persuasão a famílias, que acarretam ações e indenizações fora dos tribunais, além das corrupções não aparecem nas contas.

Perkins narra um encontro com militares de alta patente onde se discutiu os EUA. Um general, a respeito da expressão cunhada por Eisenhower “complexo industrial-militar”, afirmou que a base industrial estava perdida. O país era dos banqueiros de investimentos, dos “papéis” e, em breve, nem mesmo destes pois “tudo seria feito apertando botões, eletronicamente”.

A apropriação da indústria pelas finanças está amplamente documentada. Um caso emblemático é do símbolo industrial estadunidense – a General Electric, que pelas mãos de Jack Welch, em 1990, passou a ser mais uma “empresa do sistema financeiro”.

Com a banca vieram as desregulamentações e o aumento da corrupção. Segundo a Controladoria do Governo dos EUA, quase dois terços das companhias, pertencentes aos 335 bilionários estadunidenses, não pagam impostos, apesar da receita em torno dos US$ 2,5 trilhões.

As guerras localizadas tem sido um dos instrumentos de empoderamento e enriquecimentos da banca, que também controla a indústria armamentista que tem um dos maiores lobbies no Congresso dos EUA. Portanto, ao tratar de Estados Nacionais, sejam colonizadores ou colonizados, neste século XXI, estaremos tratando dos executivos da banca que se encarregam destes territórios.

A banca precisa ter um suporte teórico, ideológico para se firmar. O capitalismo industrial tinha o desenvolvimento – tecnológico, econômico e social. A banca se vale do velho liberalismo, sob a designação de neoliberalismo, com os motes da competitividade e do Estado mínimo.

No entanto é falsa a própria proposta liberal. O Estado deve servir como pressão, como intimidação para objetivos da banca. O Estado da banca tem funções policiais e militares, pagas pelos contribuintes, onde se excetua o sistema financeiro, que goza de isenções e privilégios fiscais.

Desde o capitalismo industrial buscou-se uma oposição entre democracia, entendida como corporações privadas, e o Estado, visto como ineficiente e corrupto. A banca aprofundou esta falsa dicotomia e fraude factual. Afinal são os interesses privados imediatistas e a ausência de fiscalização pública, os grandes motivos de corrupção, de exclusivo benefício dos capitalistas.

O que vai caracterizar o poder da banca é a concentração de renda. Não se tem notícias de tantas fusões, aquisições, incorporações quanto as efetuadas a partir dos governos Reagan-Thatcher. Apenas um exemplo: o Bank of America Corp se funde com o Nations-Bank Corporation e o novo Bank of America adquire o sétimo maior banco dos EUA, o FleetBoston Financial, e a gigante dos cartões de crédito MBNA.

As consequências políticas desta transformação econômica, no curto espaço de meio século, ainda não foram inteiramente percebidas e analisadas. Ainda estamos no processo de salvar do incêndio a perda dos empregos, a produção das indústrias e a própria sociedade como a conhecemos. Há uma verdadeira mudança de metas nesta face do capitalismo – o financismo.

Vejamos agora o segundo tópico: os engodos e a colonização das mentes.

A inexistência de países – com expressão territorial, demográfica e econômica, como a extinta URSS – vivendo no sistema socialista, dificulta o estabelecimento do confronto com o sistema capitalista financeiro.

Mas as premissas excludentes do modelo da banca e seu projeto de domínio universal por poucas famílias só podem prosperar e se manter mediante farsas e fraudes. O Senador Roberto Requião comparou as ações do governo golpista de 2016 às de um mágico. Excelente imagem.

O que seria a concorrência, a competitividade no sistema concentrador em que dois ou três conglomerados, talvez apenas um, controla todo um segmento econômico?
O domínio da comunicação de massa – cuja intensa repetição de inverdades acaba convencendo ou colocando dúvidas nas mais céticas mentes – foi ainda mais facilitado pelo reduzido número de proprietários. Apenas nos EUA, como exemplo, em 1983 havia 50 corporações controlando as mídias. Em 2004 apenas seis – Time Warner, Disney, Murdoch’s News Corporation, Viacon, Bertelsmann e General Electric (NBC) – decidiam o que e como você se informará. Em termos objetivos, uma única família tem, no Brasil, esta decisão.

Assim, uma ação típica da banca – a corrupção – é erigida como o principal mal do Brasil, como se fosse uma exclusividade nacional e de uma classe: a política.

Qualquer trabalho com um mínimo de consistência técnica vai demonstrar: primeiro que o grande mal do País é o abismo social entre os poucos que detém muito e os muito que quase nada possuem; segundo, que o poder judiciário é o mais classista dos poderes e, por conseguinte, o que maior número de injustiças sociais comete (como exemplo, lembre que até 1919 os juízes alemães eram aristocratas ricos, nomeados pelo Imperador, que defendiam sua classe social, dispensavam remuneração e impediam o acolhimento dos direitos de trabalhadores e do povo em geral); terceiro, que são os interesses estrangeiros, não só de agora mas de toda nossa história, que mais promoveram a corrupção; quarto, que não há corrupto sem corruptor.

Mas de tal forma este assunto vem sendo tratado pela mídia que o brasileiro passa a ter vergonha de sua nacionalidade. E aí entra a pedagogia colonizadora.

Reflita, caro leitor: a abolição da escravidão foi um ato de bondade de Abraham Lincoln ou da Princesa Isabel? ou o resultado de uma pressão socioeconômica da evolução capitalista? Os 25 anos que separam estes dois atos (1863-1888) representam a distância, então existente, entre os processos civilizatórios nas duas nações.

E quantos fatos de nossa história são omitidos e deturpados no ensino curricular, para que você enalteça os que se colocaram contra o povo, os nosso algozes. Quem foram o Cônego Batista Campos e Eduardo Angelim? Quantas mortes resultaram da Cabanagem e quais os objetivos daquele movimento popular? Não se humilhe, por não saber. Você, como tantos outros, eu mesmo somos vítimas do que denomino pedagogia colonial. Ensinaram-nos a louvar o estrangeiro, europeu e depois estadunidense, e depreciar o nacional, a jabuticaba. Disto resulta o novo sonho de consumo da casa em Miami ou de se mudar para Portugal, e lá gastar o que economizou aqui, no Brasil (!).

Finalizemos com o terceiro tópico: em que bases poderemos nos libertar das escravidões do capitalismo financeiro e da mente colonizada.

Tenho escrito sobre os dois movimentos conjuntos que nos permitiria respirar livremente e erigir uma nação de brasileiros e para brasileiros: a soberania e a construção da cidadania.

São temas que merecem, cada um, seu artigo próprio. Mas em resumo trata-se de desenvolver a economia com nossos próprios recursos: humanos, financeiros, tecnológicos, pois os temos em quantidade e qualidade. Apenas as farsas e fraudes não nos permitem enxergar.

Ricardo Bergamini, liberal econômico convicto, assinala em seus informes, que, em agosto de 2017, o Banco Central do Brasil teve um saldo devedor, em moedas estrangeiras, correspondente a US$ 296,9 bilhões. E conclui, “o Brasil talvez seja o único país do planeta que regula a sua moeda (comprando e/ou vendendo moedas estrangeiras no mercado) com dívidas, e não com reservas”. Apenas deixou de apontar que o governo dos golpistas de 2016, os CEOs da banca, tem a incumbência de gerar dívida. Como bem demonstra John Perkins, um “assassino econômico”, a dívida é a força do sistema financeiro, o poder da banca.

A construção da cidadania é um projeto político permanente que permitirá sermos a Nação de pessoas livres e conscientes de si e dos outros. É a Nação da Paz, pela qual clama o ex-Senador Saturnino Braga, pois terá desenvolvido em sua formação o respeito humano.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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