Os territórios, suas águas territoriais, seu espaço aéreo, em todo planeta, podem ser classificados como Nações ou Colônias, conforme desfrutem ou não de soberania.
Por quais espaços se exerce a soberania e que critérios devemos adotar na sua definição são algumas questões decorrentes da existência dos Estados. No Fundamentos do Poder Nacional, editado pela Escola Superior de Guerra (ESG) em 2019, lê-se: o “Brasil como Nação livre e soberana está alicerçado em três componentes:
– a integridade do Território, envolvendo o Mar Territorial, a Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma Continental, bem como o espaço aéreo sobrejacente:
– a integridade dos bens público, dos recursos naturais e do meio ambiente, preservando-os da exploração predatória; e
– a integridade do patrimônio histórico-cultural, representado pela língua, costumes e tradições.”
Alexandre Herculano, em sua fundamental História de Portugal (Livrarias Aillaud & Bertrand e Livraria Francisco Alves, Paris, Lisboa, Rio de Janeiro, S. Paulo, Belo Horizonte, 1914, 8 volumes), discorre na “Introdução” sobre como considerar as origens de Portugal. Busca aquele escritor nos cronistas que, se expressando em “latim bárbaro”, narraram a infância da história, o período decorrido desde a separação da monarquia leonesa dos habitantes daquele espaço que viria constituir Portugal.
Nossa origem está nos primitivos habitantes do que constitui o Brasil de hoje, mas que infelizmente apenas deixaram registros antropológicos, cuja datação ainda se discute, mas podemos considerar o trabalho da arqueóloga Niède Guidon, no Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí), como o “latim bárbaro” de Herculano. Nossa população originária pode ter ocupado o Brasil há 25 mil anos.
Temos então dois momentos do nosso início histórico. O mais antigo, o antropológico, que será tratado mais adiante. E aquele que constitui nosso registro escrito, desde a “Carta de Caminha”, para o qual faremos algumas considerações neste artigo.
A chegada dos portugueses no Brasil pode ter sido a fortuita consequência da calmaria oceânica ou do propósito colonizador, resultado das informações já disponíveis pela realeza portuguesa. É necessário, preliminarmente, conhecer como era Portugal e quais objetivos tinham os reinados europeus no século XV.
Portugal, de 1385 até 1580, foi governado pela dinastia de Avis. Assim, nosso descobrimento é fruto dos trabalhos de João I (1385–1433), fundador da dinastia e pai de Dom Henrique (1394–1460) o principal impulsionador da expansão portuguesa, denominada “descobrimentos”; de Duarte (1433–1438), que concluiu a compilação das leis conhecidas como “Ordenações Afonsinas”; de Afonso V (1438–1481) e João II (1481–1495), que se empenharam na conquista da África; e de Manuel (1495–1521), quando se dá a chegada dos portugueses ao Brasil.
“A atividade comercial e marítima, que marcou a existência lusitana na Idade Moderna, tem seus fundamentos em uma tradição histórica dos últimos séculos medievais”, afirmam Antônio Mendes Júnior, Luiz Roncari e Ricardo Maranhão (Brasil História 1 Colônia, Editora Brasiliense, SP, 1976). Este período pós-medieval é denominado mercantilismo.
Pierre Deyon (1927–2002), historiador francês, em seu livro O Mercantilismo (Gradiva, Lisboa, 1983, tradução do original de 1969 por Margarida Sérvulo Correia), polemiza afirmando que “o mercantilismo foi definido e batizado pelos seus adversários. Não é de espantar que lhe tenham dado o nome errado. Para melhor o desacreditarem, fingirem não reparar senão no seu aspecto comercial e conseguiram atribuir ao adjetivo mercantil um tom pejorativo”. E “do século XVI ao século XVIII ninguém se declarou mercantilista”.
Mas, na definição usual do mercantilismo, estão as características da ação portuguesa no Brasil: intervenção do Estado, balança comercial favorável, pacto colonial e protecionismo.
Adam Smith desenvolveu seu pensamento calcado no enriquecimento das nações graças ao comércio exterior, encontrando saída para os excedentes da produção. O Estado adquire assim papel primordial no desenvolvimento da riqueza nacional, ao contrário do que propugnam os liberais dos séculos XX e XXI (vide Felipe Maruf Quintas, “Adam Smith contra o liberalismo: o capital produtivo”, Monitor Mercantil, 29/9/2020).
Ignácio Rangel (“Dualidade e Escravismo Colonial”, in Encontros com a Civilização Brasileira nº 3, Civilização Brasileira, RJ, 1978), após distinguir os dois patamares da sociedade feudal – do rei e barões e dos barões e servos da gleba – escreve que não se podem excluir condições objetivas para que surjam, em momentos diferentes, estes patamares. E foi o que ocorreu no Brasil, afiança. “Para isso concorreram as condições objetivas de nossa nascente economia colonial e da economia da Europa, nos quadros da economia mercantilista, da qual Portugal era um exemplo acabado”.
Portugal, pelos séculos XIV e XV, foi tomado por pestes e fome, tendo em 1500 por volta de um milhão e cem mil habitantes. O que se pode considerar como Brasil é a parte oriental da linha de Tordesilhas, comumente estabelecida de Belém, ao norte, a Laguna (Santa Catarina), ao sul. No entanto, meia dúzia de meridianos diferentes foram traçados até o século XVI, por diferentes geógrafos, como sendo o de Tordesilhas.
Na Europa, Portugal disputava a expansão marítima e a tecnologia náutica com os reinos de Castela e Aragão. Qual a realidade se impunha a Portugal para colonizar um vasto território que Cabral, Gonçalo Coelho, Américo Vespúcio e Martim Afonso de Souza fizeram conhecer até 1531? E cuja riqueza de pau-brasil já despertava a cobiça para exploração de diversos navegadores?
Não foi a presença do Estado, o mercantilismo, mas a privatização, com a entrega a 12 membros da pequena nobreza de Portugal das 14 capitanias hereditárias criadas em 1534.
Portugal não teve a experiência do feudalismo. Sua nobreza foi constituída pelos favores da realeza de Henrique de Borgonha e sucessores, primeira dinastia de 1095 a 1383, na luta contra os mouros, e consolidada posteriormente pela dinastia de Avis. Faltavam, a esta gestão privada, experiência e recursos, daí apenas duas das 14 capitanias tivessem sucesso.
O Estado assume então o governo da colônia, em 1549, por decreto da Coroa Portuguesa que nomeava Tomé de Sousa como o primeiro governador-geral do Brasil. Mas Portugal também não dispunha de pessoas e recursos financeiros. É uma das razões que o Estado, desde Tomé de Souza até 1822, só cuidará das finanças e das seguranças nacional e pública, como se vê nos auxiliares do governador-geral: o provedor-mor (Antônio Cardoso de Barros), responsável pelos negócios da Fazenda, o ouvidor-mor (Pero Borges), responsável pela justiça, ou seja, a segurança interna; e o capitão-mor da Costa, cargo ocupado pelo ex-donatário da capitania de São Tomé, Pero de Góis. A inexistência de promotor de manufaturas pode ser vista como característica mercantilista, assim como a exportação de produtos primários.
A educação, a comunicação e a integração com a população originária foram entregues aos religiosos jesuítas que vieram com Manuel da Nóbrega.
As expedições coloniais e defensivas e os estabelecimentos de missões jesuítas aumentaram o Brasil de Tordesilhas, sendo, em 1709, constituído das seguintes províncias: Grão-Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande de São Pedro, com a conformação atual e abrangendo parte de todas cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul como se vê no mapa do Brasil Colonial em pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_colonial_do_Brasil#/media/Ficheiro:Brazil_in_1709.svg
Constata-se, assim, que o território brasileiro foi se constituindo pelas ações públicas e privadas, ao longo da colonização, estando plenamente conformado em sua independência. É este o território cuja integridade nos cabe defender.
Felipe Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
Fonte: Monitor Mercantil