Artigo

Tentando desfazer o nó

Data da publicação: 27/06/2016

“Minhas antigas agitações, más companhias” (Shakespeare, em As alegres comadres de Windsor, na tradução de Millor Fernandes).

O golpe de maio de 2016 levou à luz solar a profunda crise institucional brasileira. Mas não estamos diante de mais uma jabuticaba. O modelo institucional que o Ocidente construiu e quase todo mundo adotou, por imposição colonial ou alguma conveniência, formou-se da conjugação de ideias do século XVIII, expostas nas obras de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Adam Smith (1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804).

Observando os acontecimentos na Europa, terra dos formuladores deste modelo, das Américas, onde a colonização europeia o implantou, e mesmo nas mais resistentes culturas asiáticas, constatamos que ele não dá respostas às questões das sociedades deste século XXI. O que deve ser visto como uma demonstração da força deste modelo, a sobrevivência por mais de dois séculos, enfrentando revoluções econômicas e sociais do porte das industriais e do marxismo.

Não me capacito à crítica teórica. No caso brasileiro, como discorre com aguda objetividade o sociólogo Jessé Souza, há um amálgama de vertentes econômicas e psicossociais, cuja singularidade deve ser observada no “contexto simbólico inarticulado e opaco que acompanha a expansão do capitalismo mundial” (A construção social da subcidadania, Editora UFMG, 2012, 2ª edição).

Inicio assim pelo estágio do capitalismo no século XXI. De certo modo ele restaura o capitalismo inglês do século XIX, onde o poder se concentrava nas finanças, credora das economias industriais e comerciais. Creio que poucos, se algum analista, contestariam a precedência do sistema financeiro internacional, que abreviadamente chamo “banca”, sobre todos demais atores econômicos. As decisões deste provisório governo, bem como as do segundo mandato da Presidente Dilma, nada mais faziam e fazem do que assegurar vantagens à banca, em detrimento dos demais setores econômicos e mesmo dos segmentos sociais. Sinteticamente diria ser a política do endividamento, ou seja, toda ação quer do Estado quer do mercado se dirige ao pagamento da “dívida”, sem crítica ou questionamento sobre sua formação e relevância para a Nação. No manifesto do Senador Roberto Requião à rejeição dos projetos limitadores dos gastos públicos do atual governo está a clara contestação a esta sujeição à banca.

A banca, em meu entender e de muitos mais gabaritados analistas, domina hoje os governos do Atlântico Norte e do Japão, que a linguagem comum midiática denomina “ocidente”. Este domínio, por si só, já desfigura as instituições que deveriam representar o conjunto do leque social.

Passo a um segundo ponto que designarei “demandas intersubjetivas”. Delas participariam o que Jessé Souza apreende das reflexões do filósofo canadense Charles Taylor e constituiriam “os estímulos não econômicos” da ação humana.

É amplo, vasto e complexo este domínio, onde estão as questões ecológicas, de gênero, de raça, de religião etc. Nelas, para ficarmos na nossa realidade nacional, estão o fundamentalismo de pastores evangélicos políticos e as demandas do reconhecimento das diversidades sexuais propostas pelo Deputado Federal Jean Wyllys.

Nem as básicas instituições da sociedade, Estado e mercado, nem suas operacionais estruturas foram e continuam não sendo capazes, no Brasil e em outros países colonizados e colonizadores, de responder à sociedade contemporânea.

Sem o entendimento mais profundo da “crise”, as respostas poderão aplacar um momento, mas explodirão logo adiante. As soluções que pedem plebiscito, novas eleições, acordões diversos podem afrouxar o nó que estrangula nosso País e a sociedade brasileira. Mas terá a vida tão breve quanto a insatisfação de qualquer segmento e o reiniciar das pérfidas campanhas midiáticas.

Este artigo não pretende ser apenas mais uma reflexão sobre o tempo presente mas uma conclamação à busca por todos pela difícil e complexa resposta da reforma institucional.