Pretendo mostrar que é mais que isso. Há requintes de sadismo.
Ignacio Ramonet, ex-editor do “Le Monde Diplomatique”, escreveu o memorável artigo intitulado “Angleterre, crise totale”, na edição de abril de 2001 do jornal. Nele, Ramonet dizia que a epidemia de febre aftosa que se espalhava, naquela época, pelos campos britânicos, como toda epidemia, era consequência de um momento histórico preciso e não era por coincidência que estava acontecendo dentro de uma Inglaterra que foi utilizada, durante mais de vinte anos, como laboratório do ultraliberalismo.
Ele dizia, também, que as decisões que permitiram, além de febre aftosa, a doença da vaca louca, inundações, regiões bloqueadas sobre a neve sem eletricidade, catástrofes ferroviárias e outros acidentes ou eventos funestos foram tomadas conscientemente e se basearam em dogmas neoliberais precisos, como a desregulamentação. Segundo ele, nos anos 80, em governos da Sra. Margaret Thatcher, deu-se as costas ao princípio da precaução, aniquilando-se, por exemplo, a rede nacional de atendimentos veterinários.
Além disso, no dia 9/1/2018, o jornal “The Guardian”, um dos mais respeitados jornais da Inglaterra, publicou artigo sobre a atual opinião dos britânicos sobre privatizações e mostrando como a opção estatal está na moda novamente. “Transferir os ativos públicos da Grã-Bretanha para a propriedade privada e confiar apenas na regulação para garantir que eles fossem gerenciados para oferecer um interesse público mais amplo foi sempre uma aposta arriscada. Essa aposta não valeu a pena”, explica o artigo de Will Hutton, diretor do Hertford College, em Oxford, e presidente do Big Innovation Centre.
No artigo, o autor explica que não são apenas os números das pesquisas que representam uma queda geral na confiança dos serviços privatizados, mas há uma visão generalizada de que os exigentes objetivos de lucro anularam as obrigações de serviço público. O Estado mínimo se mostrou uma bomba-relógio social e os números da pesquisa na Inglaterra confirmam isso: 83% dos entrevistados são a favor da estatização da água, 77% a favor da estatização da eletricidade e gás e 76% a favor da estatização das linhas férreas.
Na edição de 18/01/2018 do jornal “O Globo”, pode-se ler na manchete principal: “Pais reduziu em 33% verba para prevenir epidemias”. Claramente, há uma relação causal entre os cortes de verba nos projetos culturais, científicos e sociais do governo neoliberal de Temer e o retorno da febre amarela, de doenças que há tempo não acometiam os brasileiros, a redução do ritmo das pesquisas científicas e tecnológicas, além do incêndio do Museu Nacional.
Não vamos nos comportar como a nossa mídia, que busca culpado pelo incêndio do Museu Nacional nos bombeiros, nos próprios administradores do Museu, na burocracia do BNDES, contudo, sem identificar o principal culpado. O culpado nunca identificado pela mídia, por esta ser desonesta, é quem assumiu o modelo neoliberal de gestão do país, no caso específico, os integrantes do atual governo neoliberal, encabeçado por Temer. Este modelo prega desregulamentações, privatizações, o Estado mínimo, o término das compras locais, ou seja, um mundo ideal para empresas, principalmente estrangeiras, terem o máximo lucro e os indivíduos terem atendimentos de baixa qualidade, patrimônio coletivo usurpado ou incendiado etc.
Assim, pode não ter sido explicitado que o Museu iria pegar fogo, mas providências para que desgraças acontecessem foram tomadas. As próximas poderão ser o aumento da incidência de Aids, a queda de uma ponte, um surto de doença animal etc. Basta analisar onde os cortes orçamentários mais incidiram. Mas, estas desgraças foram providenciadas para poder sobrar recursos para pagar juros aos rentistas, o que é confortante. Finalizando, o que mais me estarrece é que, hoje, dos treze candidatos a presidente, seis são conhecidos neoliberais ou seus ministros da Fazendo, já escolhidos, são e algumas pessoas do povo os acham bons candidatos.
* Conselheiro do Clube de Engenharia e vice-presidente do CREA-RJ