foi um tanto quanto amargo. Surpreendidos com um chamado de véspera para um intrigante evento de nome “Mais Valor Petrobras”, muitos de nós “sintonizamos” a WebTV para acompanhar o que está tramando a gestão subalterna de um presidente em aparente surto delirante. Aqui abrimos um parêntese considerando o título do evento. Curiosamente, “mais valor”, ou “mais valia”, é o nome que um velho filósofo alemão deu a uma categoria por ele descoberta, basilar para a compreensão do funcionamento do modo de produção capitalista. Trata-se da diferença entre a quantidade de valor produzido pela força de trabalho em seu esforço laboral por um período e o valor de retribuição por esse trabalho por parte do seu empregador. Aquilo que é surrupiado de quem trabalha para compor o lucro do patrão (ou acionista). Será que o título do evento significaria assumir, mesmo que inconscientemente, a irrefutabilidade dessa teoria?
Voltando ao evento, o que se viu foi um festival de sandices travestidas de jargões corporativos. Crenças da religião do mercado eram professadas sem qualquer pudor nem preocupação com a demonstração de correspondência com a realidade.
Afirmaram, por exemplo, que a Petrobrás deve se tornar mais e mais resiliente, assim como seus trabalhadores, em função de uma tendência geral de maior concorrência no mercado… uma grande inverdade, uma vez que a tendência geral da economia de mercado é exatamente oposta: concentrar mais e mais, reduzindo a concorrência. Um breve olhar sobre segmentos estratégicos da produção revela que o cenário mais comum é de monopólio, oligopólio e cartelização em quase todos estes. O que faria, então, gestores projetarem um cenário de concorrência no segmento de petróleo no Brasil a não ser a própria intenção destes mesmos de construírem esse cenário? Pois é exatamente isso. Recentemente, tivemos um presidente que torcia pela concorrência e o atual presidente da estatal que revelou sonhar com sua privatização. É o típico caso de tentativa de construção de uma profecia autorrealizável. Tudo a ver com a mentalidade desses últimos gestores, que querem nos convencer que os concorrentes são “parceiros” enquanto os colegas de trabalho são “concorrentes”. Na prática, a consequência seria substituir um monopólio estatal por monopólio privado dirigido pelo capital imperialista.
Nem disfarçaram quando afirmaram que concorrentes “adicionando valor” é algo bom para o país. Só não explicaram que quem adiciona o valor é o trabalhador, e quem o subtrai da nossa classe e do país são os acionistas e as megacorporações privadas, na maioria estrangeiros. A anedota ficou por conta da invencionice da figura do “pedreiro acionista”, que seria beneficiário de nossa corrida do ouro, ou melhor, da entrega do ouro.
Anunciavam que o feirão do Pré-sal deve ser feito pelo governo para que ele arrecade mais. Afinal, “é preciso vender o Fusca para consertar o telhado”. A comparação adequada para tal desatino, no caso, seria vender uma Ferrari para tal conserto. Será que foi por conta desse raciocínio esdrúxulo que eles agiram como um taxista que vende seu táxi por R$ 18 mil para pagar aluguel mensal de R$ 1 mil por esse mesmo táxi? Qualquer semelhança com a entrega da malha de gasodutos NTS por valor irrisório ante nossos gastos atuais com aluguel não é mera coincidência. Acredite, a proporção entre o valor da venda e do aluguel foi exatamente essa.
Alegam que a Petrobras não vai durar muito caso se comprometa com o desenvolvimento do Brasil. 66 anos de idade não é nada mesmo, não? Para que 8 refinarias e a distribuidora?
O falta de espírito público se revelou até em detalhes, quando se assumiu menor zelo por algo que não é seu, como um carro alugado, por exemplo.
No ápice das “revelações”, o que se viu foi um tom entre o messianismo e o cafona modismo coach (que podem ludibriar o senso comum, mas não o vivaz petroleiro). Uma profusão de citações de autores de best sellers anglófonos denunciavam a formação ideológica colonizada daquelas figuras. Recursos de oratória e de neuro linguística proliferavam em detrimento da argumentação lógica racional.
Quiseram nos convencer, por exemplo, que nós brasileiros devemos nos conformar com nossa vocação, que é de produzir novelas, sujar as mãos e queimar a mufa para extrair barris de petróleo… mas somente para exportação! Deixemos os desenhos animados, o refino, a petroquímica, a engenharia, as fábricas de fertilizante, a construção naval e a distribuição para quem sabe fazer… Algo dito sob encomenda e para deleite das lideranças e grandes empresários dos países que já dominam as atividades estratégicas no mundo (aquelas de maior valor agregado). E que faz gargalharem os governantes da nação que refutou essa diretriz e que por isso é a que mais cresce no planeta nas últimas décadas: a China.
Houve espaço ainda para uma descabida comparação de dívida da empresa com uma suposta situação de uma família endividada. E a conclusão de que o Pedro, chefe de família, deveria pagar as dívidas antes de qualquer coisa. Afinal, alimentar, abrigar, vestir, educar e medicar os familiares são questões secundárias, não é mesmo?
Houve uma alegação delirante de que a empresa em algum momento esteve quebrada… resta explicar como é essa mágica de “desquebrar” uma empresa. O endividamento de uma empresa que encontra reservas com potencial de dezenas de bilhões de barris de petróleo a milhares de quilômetros de profundidade em alto mar é algo aceitável, inevitável até. Obviamente, isso não redime os erros graves das gestões anteriores de se endividarem em ordem de grandeza tão crítica e em moeda estrangeira. Mas daí a dizer que a empresa “quebrou” há uma distância imensa.
Algumas declarações descoladas falavam do risco da perda de “bondes” de grandes oportunidades, que permitiriam saltos para o futuro, evitando-se morrer preso ao passado. Nessa hora, apontou-se a acertada necessidade de investimento em novas matrizes energéticas, preferencialmente renováveis, ao mesmo tempo que gerou-se um grande constrangimento pelo fato da gestão atual simplesmente relegar esse norte ao último plano. Um desalinhamento total entre o discurso e a prática.
Foi apresentado um diagnóstico feito por uma consultoria supostamente impoluta, desinteressada e de “cultura superior”, que apontou uma série de “defeitos” de nossa cultura. O nosso orgulho e capacidade ímpar até foram lembrados de passagem. Mas o foco mesmo era desconstruir a nossa História e nossa vocação. Eram tantos os defeitos apontados, que armaram um pretexto para a comparação com um doente, repleto de toxinas em seu corpo.
Vale lembrar que médicos charlatães dão remédios perigosos que podem ser, na verdade, venenos.
Além disso, como escreveu sagazmente o colega Sérgio Muniz: “A analogia da empresa com uma pessoa doente foi boa. No momento a Petrobrás sofre de anorexia, por exemplo: a cabeça acha que quanto mais magra melhor a aí vai matando o corpo por conta disso.”
A prometida presença do líder supremo não se realizou, frustrando alguns. O chefe hierárquico optou por se manter encastellado, restringindo-se a enviar uma singela cartinha à força de trabalho na sequência da pregação.
Castello dá as cartas sem dar as caras.
Em sua missiva, põe em dúvida a integração vertical praticada ou perseguida por todos os concorrentes do segmento do petróleo. Questiona um suposto monopólio nosso, que na realidade não existe por direito desde 1997, ainda que se reconheça que vigore de fato em alguns segmentos, por falta de competência e ousadia das concorrentes. Resta saber se esse senhor vai convencer empresas como a Coca-Cola e a Google a abrir mão de sua supremacia de mercado.
Mas a grande pérola do texto foi a seguinte: “(…) estamos abandonando falsos mitos, como o ‘bem maior’ e o dever de sermos o motor do desenvolvimento nacional (…)”. Eu conto para ele ou conta você do que se trata o verdadeiro falso mito? Na disputa geopolítica mundial, não há bondade desinteressada. Entregar nossa maior empresa para mera geração de valor privado faria quebrar a espinha dorsal de nossa economia. A despeito destes entreguistas, fomos, somos e CONTINUAREMOS SENDO indutores do desenvolvimento do Brasil! A Petrobrás só existe e chegou tão longe porque insistiu fortemente em contrariar interesses alheios, de nos manter uma nação anêmica e dependente. Não há meio termo, retirar da nossa missão o desenvolvimento nacional põe a nu a intenção da nova missão: Subdesenvolver ainda mais o país!
É fundamental o petroleiro compreender o momento pelo qual estamos passando. Dessa vez, deixá-los continuar avançando pode permitir ultrapassar o perigoso ponto sem volta. A cada recuo, derrota e entrega, nossa Petrobrás e o Basil saem menores e com menos capacidade de restabelecer um mínimo de soberania.
Estão buscando dar uma cartada final, com um movimento brusco. Movimentos bruscos sempre carregam algum risco de tomada de contragolpes. Percebam que tanto se falou da necessidade de entregas, mas o chefe dessa gente, Paulo Guedes é quem falha mais miseravelmente. Prometeu mundos e fundos, mas a economia não para de patinar, ainda com milhões de desempregados e desalentados. Nosso povo está prestes a perder a paciência…
Cedo ou tarde, castellos de cartas sempre caem!
E já que um dos eloquentes porta-vozes citou Nando Reis, que tal lembrarmos aquela canção dos Titãs famosa em sua voz?
“(…) Dos cegos do castelo me despeço e vou
A pé até encontrar
Um caminho, o lugar
Pro que eu sou
Eu não quero mais dormir
De olhos abertos me esquenta o sol
Eu não espero que um revólver venha explodir
Na minha testa se anunciou (…) “
Definitivamente, é hora de reagir, ou poderá ser tarde demais. Afinal, dentre tantas balelas proferidas, uma citação corresponde à mais pura verdade: “Os petroleiros se dividem em dois grupos: os que entregam e os que não entregam”. Resta saber, você está conosco entre aqueles que não entregam a Petrobrás?
Gustavo Marun é Diretor do Sindipetro-RJ, FNP e membro do Conselho Fiscal da AEPET