Há mais de 50 anos cursava minha segunda graduação universitária. Na primeira, à época ainda em andamento, já aprendera sobre o Estado, sua origem e princípios. Era o curso de Ciências Jurídicas na Universidade do Brasil (UFRJ).
Nesta nova graduação, estudava Administração de Empresas.
Era uma recém constituída unidade na Universidade do Estado da Guanabara (UERJ). Para ela, professores com formação no exterior estavam sendo contratados. Um destes, pessoa amigável, que gostava de conversar com os alunos, me expôs sua perspectiva para nossa profissão. No futuro, as empresas não seriam os gigantes industriais como conhecíamos: General Motors, General Electric, IBM. As empresas detentoras das patentes e do capital financeiro, localizadas em “ilhas”, pois os paraísos fiscais ainda não estavam em voga, onde não se cobrariam tributos, financiariam e concederiam, com várias salvaguardas, direito de produção e comercialização dos seus produtos. A sede, digamos assim, manteria os centros de pesquisa e desenvolvimento, cujas patentes seriam objeto das concessões. Nos financiamentos estaria um dos controle destas concessionárias. A fabricação descentralizada manteria o marketing comum à marca, mas toda logística estaria sob a responsabilidade destes “terceirizados”. Na sede trabalhariam poucos e especializados profissionais.
Apenas recordando, a informática, então denominada processamento de dados, engatinhava no Brasil. Seus grandes feitos viriam com a conquista espacial.
Na época, perguntei-me por que os Estados aceitariam tal esbulho? Hoje tiro o chapéu para a visão prospectiva daquele professor.
Os Estados Nacionais estão se decompondo sob o domínio do sistema financeiro internacional. Veja a recente eleição na França. A candidata Marine Le Pen foi extraordinariamente feliz e cáustica, no debate do segundo turno, ao afirmar que, qualquer que fosse o resultado, a França seria dirigida por uma mulher: ou ela ou a premier alemã, Angela Merkel. Porque para o sistema financeiro internacional, ou Nova Ordem Mundial (NWO) ou, de modo simplificado, a banca, já estava determinado que seu gestor, para parte ocidental da Europa Continental, estaria na Alemanha. O outro gestor é a Inglaterra. Mas não seria correto denominar Alemanha, nem Reino Unido, uma vez que todos os países, conscientemente ou impositivamente, são Departamentos da Banca.
Faço uma atualização do pensamento, ainda industrial, do meu professor. A indústria, como o comércio, a logística e o marketing são hoje subordinados à banca, a quem cabe o planejamento e as decisões estratégicas. Também a banca tem seus centros de pesquisa e desenvolvimento sob a forma de conselhos. São diversificados, mas cito alguns: o Grupo Bilderberg, com cerca de 300 membros, a empresa Steele&Holt, em princípio de assessoramento estratégico da qual os únicos clientes conhecidos são ligados ao Grupo Rotschild, a Société du Mont-Pèlerin, publicamente um centro de estudos do liberalismo, mas também se serve de instituições mais conhecidas como o Forum Econômico Mundial, que se reúne na cidade de Davos, na Suíça, e o próprio Fundo Monetário Internacional, cuja Presidente atual frequenta as reuniões do Grupo Bilderberg. A estrutura da banca não está desvendada; vemos que suas ações, alguma vezes, parecem desconectadas. Temos também que ter clareza que apesar de poderosa, não é infalível. Suas tentativas de alterar o poder no Irã, na Síria e mesmo na Turquia, que pertence à OTAN, não foram bem sucedidas.
Mas a banca trás uma superestrutura de dominação, que submete os Estados Nacionais. Às vezes, ao chamar a área de espionagem e informação dos Estados Unidos da América (EUA), de estado profundo, se está esquecendo que o que lhe dá força, o que verdadeiramente o mantém, é o interesse financeiro. Manuel E. Yepe, escrevendo para o diário mexicano “Por Esto!” afirma que “com Bush ou com Obama, era o Goldman Sachs sempre o vencedor”. No filme “Não sou seu negro”, cujo roteiro foi elaborado sobre textos do escritor James Baldwin, há uma frase esclarecedora (em tradução livre): “O mundo nunca foi branco. Branco é uma metáfora para o Poder, o qual simplesmente é um modo de se referir ao Chase Manhattan Bank (”The world was never white.White is a metaphor for Power, and that is simply a way of describing Chase Manhattan Bank”).
À banca, como então parece óbvio, se contrapõem os Estados Nacionais. O Estado forte e soberano é o inimigo da banca. Assim, os que se apresentam com o discurso nacionalista são logo etiquetados pela mídia – que é um dos instrumentos do sistema financeiro – como nazistas ou fascistas, como ocorreu com Marine Le Pen, ou como comunistas, “bolivarianos”, como Evo Morales, ou se não cabem rótulos ideológicos, sempre se tem os ditadores cruéis e sanguinários, Bashar Al Assad e Fidel Castro.
Retomando o início deste texto, em meio século observamos o sistema produtivo se subordinar ao capitalismo estéril. E este último está nos levando a guerras. No Atlas dos Conflitos Mundiais, de Dan Smith (Companhia Editora Nacional, SP, 2007) estão relacionados mais de uma centena e meia de conflitos, envolvendo 88 países, apenas entre 1990 (quando fixo como o início do poder financeiro sobre os demais) até 2006. E sabemos que este número só aumentou na década seguinte.
É o que nos está ocorrendo, debaixo do véu diáfano da fantasia colocado sobre nossos olhos.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.