Artigo

Uma agenda para destruir um País

Data da publicação: 13/03/2017
Autor(es): Esther Dweck

O governo Temer tem se aproveitado de diversas medidas dos governos Lula e Dilma. A transposição do Rio São Francisco é talvez o exemplo mais emblemático. Outro exemplo é o “Conselhão”, criado por Lula em 2003, para dialogar com a sociedade brasileira, com academia, trabalhadores e empresários, foi reconfigurado pelo governo Temer.

Ontem, houve uma apresentação do ministro Meirelles para o “Conselhão”. A apresentação poderia se chamar como destruir um projeto de desenvolvimento inclusivo, mas segundo ele é a pauta para retomada do crescimento. Os pontos apresentados por ele deixariam os ideólogos do Consenso de Washington com inveja: como não pensaram em tanta maldade junta?

O neoliberalismo começou em 1973, com um golpe de Estado no Chile. No Brasil, ele entrou por via eleitoral e, justamente por isso, foi mais tímido do que em outros países. A memória do regime militar e toda a agenda defendida na Constituição Cidadã ainda estavam muito frescos durante os governos Collor e FHC para que fossem destruídos os pilares básicos da Constituição. Não faltaram tentativas, mas os instrumentos não foram destruídos.

Com a vitória de um projeto inclusivo nas urnas, em 2002, os instrumentos foram utilizados para promover, pela primeira vez na história do Brasil, um projeto de crescimento inclusivo. Podem existir várias críticas e muitos podem achar que faltou aprofundar em algumas áreas-chave. Mas é difícil não reconhecer todos os avanços dos 13 anos que terminaram com mais um golpe.

Ontem, foi apresentada a destruição desses mecanismos pelo Sr. Meirelles.

Em primeiro lugar, ele propõe o ajuste fiscal permanente como condição necessária para retomada do crescimento, tendo como os elementos centrais dois pontos. A EC95/2016 (teto declinante dos gastos), que promoveu uma redução dos mínimos constitucionais de saúde e educação e irá impor diversos cortes nas despesas sociais. E o segundo ponto é a reforma da Previdência, uma reforma que irá excluir diversos brasileiros do sistema e que destrói o sistema como o pilar de distribuição de renda e da proteção social no Brasil.

Eu não sei em que mundo eles vivem, mas há um movimento mundial para demonstrar que ajuste fiscal só aprofunda a crise econômica.

Na apresentação, ele chegou a afirmar que o crescimento está sendo retomado. Eu não sei em qual país, porque os últimos números divulgados pelo IBGE mostram que, na margem, nos últimos dois trimestres de 2016, a economia voltou a piorar. O carryover para o crescimento de 2017, que é o crescimento da economia se esta ficar onde está, é de -1,1%. Ou seja, se nada acontecer, teríamos uma terceira queda do PIB. Algo visto apenas em países com grandes catástrofes.

Depois, ele apresentou a tal Agenda de Produtividade e Crescimento no Longo Prazo. O início é uma agenda de desburocratização, sem impactos concretos e com alguma penalidade aos consumidores. O mais interessante é que apresentou reformas relacionadas ao crédito, sem fazer o básico, que era aumentar o crédito dos bancos públicos. O BNDES tem acumulado caixa ao invés de contribuir para retomada do crescimento. Os números são de mais de R$100 bilhões em caixa, fora a devolução antecipada de R$ 100 bilhões ao Tesouro.

Em seguida, vem o receituário de abertura comercial, com destaque para a liberação da venda de terra para estrangeiros. Consolidam assim a agenda entreguista imposta desde maio de 2016.

Mas a cereja do bolo é o slide onde apresenta as “Várias Reformas Liberalizantes”, como se as anteriores não fossem ingredientes típicos das agendas mais fundamentalistas do liberalismo econômico.

Os pontos principais dessas reformas liberalizantes são três. O primeiro é a destruição da legislação trabalhista, com terceirização geral e irrestrita, a prevalência do negociado versus o legislado e a flexibilização da jornada. O mais interessante é que o Brasil tinha, em 2014, a menor taxa de desemprego da história, sem que tivessem sido necessárias quaisquer dessas mudanças.

As outras duas medidas demonstram a falta total de compromisso com o desenvolvimento do país. A proposta é a reversão de medidas essenciais para garantir que recursos públicos ou recursos naturais do país sejam utilizados para gerar desenvolvimento tecnológico e emprego industrial no Brasil. Fim da margem de preferência nas compras governamentais e a “reforma” do conteúdo nacional do setor de óleo e gás, com a proposta de “horizontalização” e globalização dos requisitos de conteúdo nacional, que na prática elimina a exigência.

Mesmo que por uma questão estatística e pelos atuais estabilizadores automáticos a economia pare de cair e até encontre um crescimento positivo, se todas as propostas forem efetivamente implementadas, será o fim de um modelo de crescimento inclusivo e para todos.

Publicado em 09/03/2017 em Vermelho.