Artigo

Uma breve história da Banca – 2ª parte

Data da publicação: 03/07/2019

Porém as antigas 13 colônias do norte da América, independentes desde 1783, cresciam, incorporavam novos territórios, pelas armas e pelo dinheiro, e colocavam o Estado para suportar os custos e as perdas da industrialização. Chegavam ao fim do século XIX avançando nas colônias asiáticas dos impérios europeus.

Politicamente, a banca estava na Inglaterra (terra mater) entre conservadores e entre liberais, na Câmara dos Comuns. As estatísticas fornecidas por Cain & Hopkins (obra citada), as classificações de Ellis Archer Wasson (The English Historical Review, vol. 106, no. 420, jul/1991) e dados obtidos na Wikipedia nos permitem montar o quadro evolutivo da banca e da indústria, da segunda metade do século XIX aos momentos que precedem a I Grande Guerra.

Em 1868, apenas liberais e conservadores, a representação – fundiária e mercantil financeira – da banca totalizava mais da metade da House of Commons, 316 assentos, estando a representação industrial com somente 58 eleitos.

Em 1910, além de liberais e conservadores, majoritários, e com representantes de partidos irlandeses e trabalhista, os fundiários e financeiros mercantis ainda somavam a maioria com 181 parlamentares, mas a indústria já avançara para 129 membros.

A queda da banca não está necessariamente associada ao encolhimento do Império Britânico, mas o acompanha, em grande medida, Os citados historiadores Cain & Hopkins consideram a chamada Crise Baring, de 1890, um ponto de inflexão.

Baring Bros, prestigiosa empresa da City, concedeu o substancial empréstimo de 17 milhões de libras esterlinas à Argentina. Lembro ao caro leitor que a Argentina prosperou, entre o fim do século XIX e início do XX, como informal colônia inglesa, fornecedora de bens primários. A Argentina não teve como honrar a dívida e este fato, na análise das autoridades inglesas, poderia gerar uma crise internacional de liquidez. A banca que vive das dívidas sofreria seriamente. Revelando os estreitos liames do mundo das finanças, o Banco da Inglaterra garantiu, com a subscrição total da dívida argentina, a solidez do Baring.

Coloco nas palavras dos já citados historiadores ingleses, em tradução livre, sua avaliação:

“As práticas do Banco (da Inglaterra) não eram conspiratórias: seu presidente (governor) realmente acreditava que a melhor maneira de enfrentar a crise era aumentando a força das redes informais que possibilitavam o cavalheiresco controle capitalista do financiamento”.

Nesta passagem dos séculos XIX para XX, ocorreu o “encilhamento” no Brasil. Este fenômeno de especulação financeira na bolsa de valores também eclodiu nos EUA, em Nova Iorque, em colônias inglesas, como a Austrália, e também foi causa do que se passou na Argentina. Estes fatos estão relatados em 3 Industrialistas Brasileiros – Mauá-Rui Barbosa-Simonsen, de Heitor Ferreira Lima (Editora Alfa-Omega, SP, 1976).

Chegada da Banca ao Brasil

A banca desembarca com a família real portuguesa em nosso território. A Inglaterra, suportando Portugal, terá no Brasil, a partir de 1808 e até 1889, uma colônia de segundo nível. Apenas como curiosidade perpassarei as Leis nº 3.396 e 3.397, ambas de 24/11/1888, que, respectivamente, orça a receita e fixa a despesa do Império Brasileiro, para 1889.

A receita geral do Império somou 147.200.000$000 e a despesa 153.148.442$297. Desta última se conhece que:

a) a família Imperial onerava o Tesouro, apenas com os gastos pessoais, em 1.091.900$000;

b) os senadores custavam 540.000$000 e os deputados 750.000$000;

c) a Marinha gastaria 11.313.619$125 e o Exército 15.031.706$173; e

d) os encargos financeiros (juros, amortizações, comissões e corretagens) somavam 47.504.111$000 (valores em moeda da época, apud Liberato de Castro Carreira, História Financeira e Orçamentária do Império do Brasil, Senado Federal, MEC, Brasília, 1980, 2 vol.).

Na citada obra de Castro Carreira, constatamos que, em 1885 e 1886, a despesa maior do Império estava na área financeira, sendo mais de quatro vezes a do Exército e mais do que o dobro de toda despesa com as Forças Armadas. É o inequívoco sinal da precedência da banca no orçamento brasileiro. E, sem surpresa, lemos no financista francês, liberal, Paul Leroy-Beaulieu (1843-1916) elogios à “sabedoria dos homens de Estado” que colocam as despesas financeiras com precedência às da saúde e da educação (P. L-B, De la colonisation chez les peuples modernes, Guillaumin, Paris, 1882).

Este predomínio da banca sofre o revés da Revolução de 1930 e do empoderamento industrial com a supremacia estadunidense sobre a inglesa.

No período denominado os 30 gloriosos, onde o mundo conheceu progresso econômico e social – de 1945 a 1975 – a banca não foi parte do poder, mas da oposição.

Reconquista do Poder

A banca usou a especulação e a farsa para conquista do poder. No entanto, até sua nova máscara no século XX, ela usava a dívida como principal arma. Vejamos, por exemplo, as ferrovias na Índia e, também, no Brasil. Foram construídas com o objetivo de fazer chegar aos portos os produtos primários para exportação e internalizar os produtos industriais importados. Estas ferrovias foram financiadas pela banca de modo a manter estes países sempre sob seu jugo.

A economia industrial, desenvolvida com maior proficiência pelos Estados Unidos da América (EUA), tem sua expansão na demanda dos produtos. Criação e conquistas de mercado, pesquisas tecnológicas para novos produtos passam a ser os objetivos, substituindo a imposição de dívidas do período da banca.

Surge então, como oposição ao desenvolvimento industrial, o ambientalismo. Colocam a poluição como responsável pela degradação da qualidade do ar, por doenças e, como ameaça máxima, pelo fim do homem na Terra.

Recentes pesquisas antropológicas evidenciam que civilizações da costa oriental do México foram destruídas por acidentes naturais que ocorriam, aproximadamente, a cada seis séculos, após a passagem de El Niño ou La Niña. O volume e velocidade com que surgiam as mega inundações não tinham qualquer relação com a ação humana, inclusive por ocorrerem antes da época cristã. Ver, a propósito, o programa do Discovery Civilization “Civilização Inundada”.

A grande fraude que a banca irá usar para voltar ao poder está ligada à ecologia.

Tanto que as crises econômico-financeiras que provocará a partir da segunda metade do século XX começam como o que denominaram “crises do petróleo”, o poluidor motor da industrialização.

As “crises” foram, na verdade, instrumentos da banca para causar estragos na civilização industrial, retroceder a economia até o ponto em que poderiam administrá-la e, um objetivo que surge aliado à ideologia neoliberal, destruir os Estados Nacionais.

Esta será a nova máscara da banca, a defesa do meio ambiente, do Estado mínimo, e de questões transcorrentes e identitárias que a identifiquem com a liberdade, sendo por isso muito conveniente aliar-se a outra farsa: a ideologia neoliberal.

Sumário das Crises

As crises terão três propósitos, não necessariamente simultâneos, ao longo de suas eclosões: combater a economia industrial, empoderar a moeda escolhida pela banca – o dólar estadunidense (USD) e promover, inclusive internamente, isto é, dentro do sistema financeiro, a concentração de renda.

Identificamos dois caminhos construídos pela banca. Um de natureza psicossocial que tratará das questões ecológicas, ainda hoje permanentes. Outro de natureza econômica e política, que servirá para as datações que se seguem.

Mas é importante deixar registrado que a banca, usando suas múltiplas máscaras, confundiu a política partidária de tal sorte que conservadores ingleses e socialistas franceses adotavam as mesmas propostas econômicas e sociais. Governo e oposição, no domínio da banca, não terão mais divergências de conteúdo, ambos atuarão em consonância com os interesses do sistema financeiro internacional. E as mídias tem sido, desde o primeiro momento, o instrumnto da vocalização das palavras de ordem e dos interesses rentistas.

1971 – Fim do acordo de Bretton Woods. Alguns analistas atribuem aos gastos excessivos dos EUA no exterior e especialmente com a Guerra do Vietnã. Mas a fixação de um imutável padrão monetário nem mesmo salvou a Inglaterra da derrocada de seu imenso Império. É uma das teorias econômicas que desdenha a realidade da vida e dos interesses sociais. Na sequência Richard Nixon desvalorizou o USD, aumentou a taxa de juros e criou um cenário para crises. Mas é sempre importante lembrar que o dólar estadunidense passou a ser a “moeda oficial” das transações petroleiras, graças aos acordos dos EUA com países árabes exportadores, em especial a Arábia Saudita.

Para o Brasil, estas crises dos anos 1970 irão desembocar na “crise da dívida”, uma das armas da banca para definir a sucessão do Presidente Ernesto Geisel.

1973 – Primeira crise do petróleo. Há duas considerações relevantes sobre 1973.

A mais evidente é a solidez do acordo EUA-OPAEP (Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo). A outra é a viabilização da exploração no Mar do Norte. A aventura petroleira offshore já ocupa extensa literatura. Vou me referir apenas ao que se vincula a esta crise. O preço do petróleo cru, em moeda constante, estava praticamente imutável, igual ou inferior a 1 USD, desde antes da II Grande Guerra. Era consequência do modelo colonial de exportação de matérias primas. Os preços dos derivados, por outro lado, variaram extraordinariamente. Em 1959, descobriu-se gás natural no litoral holandês. E, no ano seguinte, os países do Mar do Norte traçaram entre si as fronteiras para exploração dos recursos naturais. Em 1968, com dois anos de perfurações, foram descobertos sinais de hidrocarbonetos e logo após uma descoberta comercial. Os custos da produção eram muito altos para justificarem a produção aos preços pagos pelas grandes petroleiras (majors). A Guerra do Yom Kippur foi usada para explicar o aumento de US$ 2,50 para US$ 11,50, o barril.

1979 – A derrocada do títere estadunidense no Irã, Reza Pahlevi, e a nova República Islâmica, serviram como pretexto para novos aumento que chegaram ao preço nominal de USD 50/barril.

Podemos então concluir que estas crises, dos anos 1970, abriram as portas para o grande feito da banca nos anos 1980: a desregulação das finanças, começando na Inglaterra de Margaret Thatcher, passando pelos EUA de Ronald Reagan e tomando todo mundo, com a simbólica queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Gosto de definir o ano de 1990 como do surgimento da nova banca.

Se a banca fora formada pelos capitais da aristocracia inglesa, e a aqueles vieram se somar às bilionárias famílias estadunidenses, belgas, holandesas, suíças, japonesas e outras ao longo do século XX, agora, com as desregulações, os capitais ilícitos, do narcotráfico, dos contrabandos de armas e órgãos humanos, de toda corrupção internacional, encontraram a porta aberta para lavarem e investirem legalmente os ganhos do crime.

Se a gestão da banca fora dos Rothschild, dos Morgan, Rockefeller, Grosvenor, Walden, Rothermere e outros bilionários, hoje está entregue a executivos (Chief Executive Officers – CEO) que são mais sensíveis aos argumentos marginais. Esta é, entre diversas outras mazelas, uma das razões do aparente desconcerto que frequentemente nos deixa perplexos com decisões da banca. Se houve, em certo momento, uma insegurança internacional que poderia gerar Estados Narcotraficantes, hoje é o mundo que vive sob suas prioridades.

Passemos rapidamente pelas crises da consolidação do poder da banca.

Crise de 1987 – Em 19 de outubro de 1987, a Bolsa de New York despenca e os ativos são depreciados em 22,6%. Atinge também a Europa e a Ásia. Penso que foi um teste para o mecanismo que transferiria bens públicos para cobrir os déficits especulativos pela via das privatizações. As consequências não cabem neste artigo mas merecem uma cuidadosa análise as falhas e os erros que vem sendo cometidos neste novo gerenciamento voltado unicamente para o lucro. Os casos Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, poderiam ser incluídos como exemplares.

Crise de 1990 – Da bolha imobiliária japonesa.

Crise de 1992 – Sistema Monetário Europeu

Crise de 1994 – “El Horror de Diciembre” no México

Crise de 1997 – “Crise dos Gigantes Asiáticos”

Crise de 1998 – Finanças da Rússia

Crise de 1999 – Crise da reeleição de FHC

Crise de 2000 – Ponto com ou da Bolha da Internet

Crise de 2001-2002: “A crise argentina”. O Governo não possuía fundos para manter a paridade fixa do peso ante o dólar e, perante a saída de capitais, impôs restrições à retirada de depósitos bancários, uma medida conhecida como Corralito. Em dezembro de 2001, Buenos Aires suspendeu o pagamento da dívida, de quase US$ 100 bilhões. Em janeiro de 2002, o presidente Eduardo Duhalde se viu obrigado a terminar com a paridade e transformou em pesos os depósitos bancários em dólares. Uma boa lição para o Roberto Campos Neto.

Todas estas crises, de 1990 a 2002, surgiram, na realidade, dos dois únicos objetivos permanentes da banca; sob máscaras diversas foram transferidos ativos públicos e privados em todo mundo para o sistema financeiro e, como óbvio, promovendo concentração de renda.

As crises de 2008 a 2010, tendo como epicentros os EUA e a União Europeia (Grécia, Espanha, Itália), em meu modesto entender, representam o rearranjo interno da banca pela ascendência do capital marginal. Esta nova configuração ainda não se completou o que nos indica o eclodir de uma nova “crise”.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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