A Boitempo acaba de lançar o aguardado 17 contradições e o fim do capitalismo, de David Harvey, um dos marxistas mais influentes da atualidade. Considerada o escrito mais político de Harvey, a obra coroa um projeto de décadas dedicado à interpretação e difusão do pensamento de Marx em um período de mutação do capitalismo. Partindo da ideia de que Karl Marx desvenda o sistema capitalista como estruturado por contradições, David Harvey arregaça as mangas e destrincha cada uma delas da forma como elas aparecem tanto no texto da obra prima de Marx, O capital, quanto nas dinâmicas reais do capitalismo global de hoje. Confira, abaixo, a orelha do livro escrita pelo revisor técnico da edição brasileira, Pedro Paulo Zahluth Bastos.
Para David Harvey, 17 contradições e o fim do capitalismo coroa o “Projeto Marx”, que orienta sua obra há vinte anos, repensando Karl Marx em época de mutação e crise do capitalismo. Harvey começa pelo método: aborda a diferença entre a contradição nas lógicas formal (dualista e estática) e dialética (relacional e dinâmica) e explica seu foco nas contradições do capital, e não do capitalismo. Longe de afirmar que contradições políticas, religiosas, étnicas e sexuais são redutíveis ao econômico, demonstra que as contradições do capital devem ser explicadas porque são universais e perpassam as demais. Cabe entender as contradições fundamentais do capital porque ele cria abstrações reais: busca reduzir a diversidade da natureza e do humano a meros momentos de sua reprodução, a ponto de ameaçar a vida no globo.
Embora a análise principie dos mecanismos econômicos fetichizados pelos quais a relação social do capital destrói e refaz a natureza, controla, explora, aliena e descarta o trabalho, expande-se e contrai-se em crises, nela não há espaço para reducionismo. A exposição ganha complexidade à medida que parte para as contradições mutáveis, abrindo as contradições do capital para a interação com as do capitalismo e avaliando suas formas no tempo e no espaço. Como geógrafo, dá justo destaque ao desenvolvimento desigual das regiões. E aborda como o Estado legitima e apoia a acumulação por espoliação: a transformação de direitos coletivos à terra e a outros valores de uso (moradia, saúde, educação etc.) em propriedade privada, de acesso desigual e regulado pelo capital em mercados que, muitas vezes, foram criados mediante violência, corrupção ou legalização do que já foi ilegal. Sua forma atual é o neoliberalismo, que justifica “tecnicamente” a privatização e a austeridade.
As contradições perigosas tratam da ameaça de extinção que a mercantilização generalizada e o crescimento exponencial colocam para a natureza e para a experiência humana não alienada. Por isso, a luta social não pode se limitar ao mundo do trabalho, devendo se estender a cada esfera do mundo da vida que o capital busca colonizar. O livro termina com um manifesto humanista revolucionário, aberto a que movimentos antissistêmicos localizados se unam, sem perder autonomia, para superar as contradições do capital. Dos livros de Harvey, é talvez o mais totalizante e, como ele gosta de dizer, o mais perigoso.
Publicado em 27/09/2016 em Blog da Boitempo.