A coisa irônica sobre a vitória (estreita) de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA é que o candidato “seguro” perdeu as eleições em prejuízo de democratas, Wall Street e os estrategistas do capital. Agora eles estão perdidos, com um canhão solto que eles devem tentam travar.
Trump ganhou porque um número (apenas) suficiente de pessoas está farto com o status quo. Aparentemente, 60% dos eleitores disseram nas pesquisas de boca de urna que o país “está no caminho errado” e dois terços estavam fartos e irritados com o governo de Washington – algo que Clinton personifica.
Como o voto dos britânicos pelo Brexit, contra todas as expectativas, um número suficiente de eleitores nos Estados Unidos (principalmente brancos, mais velhos e trabalhadores de pequenas empresas ou trabalhando em indústrias obsoletas dos estados centrais dos EUA) superou o voto dos jovens, dos de alta escolaridade e em melhor situação nas grandes cidades. Mas lembre-se que pouco mais de 50% dos eleitores aptos acabaram por votar. Uma grande quantidade de pessoas nunca vota nas eleições americanas e elas constituem uma parte considerável da classe trabalhadora.
Porém, a questão mais importante para os eleitores (52%), quando perguntados na boca de urna, foi o estado da economia dos EUA, com o terrorismo em seguida (mas bem abaixo de 18%) e a imigração (o trunfo de Trump, com índice ainda menor). Trump ganhou porque alegou que poderia melhorar as condições daqueles “que foram deixados para trás” pela globalização, quebrando indústrias domésticas e esmagando pequenos negócios. Claro, Trump é um bilionário e não tem nenhum interesse real ou ideia sobre como melhorar a partilha da maioria. Mas a raiva no establishment era suficiente para que esse egoísta, misógino, predador sexual, filhinho de papai para ganhar.
Mas ainda é a economia, estúpido. A Trump foi entregue um cálice envenenado que ele terá que beber: o estado da economia dos EUA. A economia dos EUA é a maior e mais importante do capitalismo. Ela tem o melhor desempenho entre as maiores economias, desde a grande recessão em 2009. Mas ainda é um desempenho pífio. O crescimento real do PIB por pessoa foi de apenas 1,4% ao ano, bem abaixo dos níveis anteriores ao crash financeiro global em 2008. É a história de recuperação econômica mais fraca desde a década de 1930.
O FMI espera, agora, que a economia americana cresça apenas 1,6% este ano. E os economistas do Banco Central dos EUA estão prevendo apenas 1,8% ao ano de expansão para o futuro próximo. E tudo isso não pressupõe nova recessão econômica.
A opinião da maioria dos economistas é que uma recessão nos EUA é improvável e que a economia vai pegar novamente no próximo ano. Na verdade, a presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Janet Yellen (cujo trabalho está agora em perigo), considera que a economia dos EUA “está em um caminho de melhoria sustentável”. O argumento é que o custo do empréstimo é quase zero, e o consumidor americano começa a comprar com mais robustez e as vendas de varejo estão aquecendo.
Mas o que é importante para a saúde de uma economia capitalista moderna não é a facilidade ou o custo do empréstimo, é o nível e a direção da lucratividade do capital, os lucros totais dos negócios e o impacto no investimento das empresas. Quando a rentabilidade cai, eventualmente, os lucros corporativos caem e, em seguida, algum tempo depois, o investimento empresarial vai contrair. Quando isso acontece, uma recessão econômica logo se segue. No período pós-guerra, uma queda sustentada do investimento empresarial levou a economia a cair em todas as ocasiões, enquanto o consumo pessoal permaneceu mais ou menos estável, caindo apenas quando era inevitável.
E os lucros corporativos dos EUA estão caindo. De acordo com economistas do banco de investimento JP Morgan, os lucros das empresas dos EUA caíram 7% em relação aos níveis do ano passado. Nessa base, eles consideram, “a probabilidade de uma recessão começando dentro de três anos em surpreendentes 92%, e a probabilidade disto acontecer em dois anos de 67%”. Além disso, o Banco Central está planejando aumentar sua taxa de juros após a eleição, porque afirma que a economia está voltando ao ‘normal’, aumentando o risco de desencadear uma queda no consumo – mas a vitória Trump pode impedir isto se o mercado de ações afundar.
Qual é a solução Trump para tudo isso? Suas propostas econômicas resumem-se à redução de impostos, à redução dos gastos governamentais e à tributação das importações para “proteger” os empregos americanos. Os principais beneficiários de seus cortes de impostos seriam os muito ricos. Sob Trump, a maioria das pessoas veria sua conta de imposto de renda reduzida em cerca de 7%, mas o ganho para o 1% mais rico seria superior a 19% de sua renda. Para equilibrar o orçamento federal, os gastos do governo teriam de ser reduzidos em cerca de 20%, atingindo bem-estar, educação e saúde. Aumentar as tarifas dos produtos estrangeiros e impor sanções punitivas à China e ao México, os dois maiores parceiros comerciais da América, elevaria os preços e provocaria retaliações comerciais.
De qualquer forma, o próximo presidente dos EUA enfrenta uma situação pior do que Obama enfrentou em 2009 na profundidade do crash financeiro global. Desta vez não há maneira de evitar uma queda imprimindo dinheiro ou cortando as taxas de juros; ou aumentando os gastos do governo, quando a dívida do setor público já duplicou para 100% do PIB. Esses instrumentos de política econômica já foram utilizados à exaustão. O cálice terá de ser bebido.
Publicado em 09/11/2016 em The Next Recession.