O Grupo Ultra, detentor da rede de postos de combustíveis Ipiranga, corre o risco de perder pontos da revenda da Alesat, quarta maior distribuidora do País, cuja aquisição em 2016 ainda está pendente de aprovação pelo Cade. O ato de concentração foi declarado complexo pela autarquia no mês passado, o que significa que o desfecho do processo pode demorar mais para acontecer.
Na análise, o Cade tem ouvido donos de postos de bandeiras diversas, concorrentes e empresas que são grandes consumidoras de combustíveis. Entre os mais resistentes ao negócio estão os empresários que possuem postos da bandeira Ale e ameaçam abandonar o grupo após o fim do contrato. Eles enxergam na ainda concorrente Ipiranga uma companhia que toma decisões de forma arbitrária, inclusive referentes a preços, e impõe contratos frequentemente desfavoráveis à revenda.
“Para a Ipiranga conseguir manter a revenda Ale, conforme os vencimentos de contratos firmados com os postos, vai ter que oferecer boas condições e praticar preços menores. Pelo que sei, os revendedores Ale não estariam dispostos a aceitar pagar os preços da Ipiranga”, disse um empresário que tem um posto da bandeira Ale e outro da Ipiranga.
Outro revendedor da Alesat avalia que a aquisição pelo Grupo Ultra, se for concretizada, será extremamente nociva aos interesses do revendedor e pode afetar também os consumidores. “Os postos embandeirados ficarão reféns das três (as três maiores empresas do setor – BR, Ipiranga e Shell, que pertence à Raízen), que ditarão as regras do mercado no que se refere a preços e condições”, afirma. “Temos atualmente a Ale como principal alternativa para mudar de bandeira e ainda ostentar uma marca.”
Esse empresário esteve em contato com o conselho de revendedores da Ale, que conta com donos de postos espalhados por todo o País, e concluiu que a aquisição não será bem-vinda pela revenda. “Enquanto a relação entre revendedores com a Alesat é espetacular, o relacionamento da Ipiranga com a sua revenda é, em alguns casos, ruim”, relata.
Em sua avaliação, a Ale se diferencia pelo bom relacionamento com a revenda, uma vez que tomadores de decisão da empresa são acessíveis no dia-a-dia, e pelos preços. “A depender do contrato, a Ipiranga tem um custo elevadíssimo para o revendedor”, diz. Uma saída para o impasse seria o Grupo Ultra garantir aos fornecedores a possibilidade de deixar a bandeira Ale sem penalidades, disse este revendedor. “É algo que depende do contrato”, explica.
O advogado Arthur Villamil, do escritório Neves & Villamil Advogados Associados e que representa a Fecombustíveis, entidade que reúne mais de 40 mil postos de todas as bandeiras e também aqueles sem bandeira, diz que a federação não se opõe à concretização do negócio, mas acredita que alguns remédios devem ser adotados pelo Cade em prol da livre concorrência. “A Ale é uma empresa jovem do segmento e tem as propostas de ser mais próxima do revendedor e oferecer modelos de contratação flexíveis. Isso significa multas menores para ruptura de contratos e contratos mais abertos, na comparação com os de BR, Shell e Ipiranga”, explica Villamil.
Um dos pontos centrais da questão é que o modelo de negócio da rede Ipiranga é bastante diferente do da Ale. Enquanto a primeira se esforça para oferecer postos completos, que além de combustíveis garante serviços de troca de óleo e conveniência, o que pode embutir custos maiores ao revendedor, a segunda chegou a ser classificada como uma espécie de empresa maverick, em estudo da LCA Consultores realizado a pedido da Fecombustíveis, que representa mais de quarenta mil postos de todas as bandeiras e também aqueles sem bandeira.
As empresas maverick têm como características o baixo custo de produção ou práticas e condutas que as diferenciam dos demais concorrentes no segmento em que atuam, afetando companhias com maior participação de mercado. O parecer diz que, com base em dados analisados, a Ale tem características de maverick, quando se considera a atuação diferenciada junto aos revendedores de menor porte, no que se refere à política de precificação; ao compartilhamento de bases; à rede de serviços complementares; à flexibilidade de contratação e à atuação junto a postos de bandeira branca, explica Villamil, o advogado da Fecombustíveis.
Publicado originalmente em 20/01/2017 em Jornal do Commercio.