Notícia

Fidel, por Eduardo Galeano

Data da publicação: 28/11/2016

Em 2016, aos 90 anos de idade, morreu Fidel Castro. Sua morte foi anunciada pela televisão estatal de Cuba por Raul Castro, seu irmão, companheiro de guerrilha e presidente do país caribenho:

“Querido povo de Cuba
Com profunda dor compareço para informar a nosso povo, aos anmigos da nossa América e do mundo, que hoje, 25 de novembro de 2016, às 10h29 da noite, faleceu o Comandante em Chefe da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz. Em cumprimento a vontade expressa do companheiro Fidel, seus restos serão cremados”

A seguir, reproduzimos trecho livro Espelhos, uma história quase universal, de Eduardo Galeno, traduzido por Eric Nepomucemo.

Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade.
E nisso seus inimigos têm razão.

Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo.

E nisso seus inimigos têm razão.

Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes.

E nisso seus inimigos têm razão.

Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo.

E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho.

E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde ser e não o quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia a la cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia, que para cada solução tem um problema, os argumentos que necessitava para se justificar e perpetuar.

E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.

E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha.

Publicado em 26/11/2016 em Outras Palavras.