Notícia

O impacto da crise do preço do petróleo na Venezuela e na Noruega

Data da publicação: 29/08/2016
Autor(es): Pedro Argemiro

A crise do petróleo trouxe à tona cenários distintos do xadrez geopolítico global, mostrando a realidade atual de dois países que mantêm importantes laços econômicos com o Brasil. Um deles, a Venezuela, vizinho e parceiro comercial de longa data – dona das maiores reservas de petróleo do mundo – e o outro a Noruega, país da Escandinávia que, como o Brasil, retira do mar o insumo que serve de base para a sua economia. O petróleo é também o principal sustentáculo da economia venezuelana e ambos os países têm estatais do setor – Statoil, no caso norueguês, e PDVSA –, mas as semelhanças entre eles param por aí. Enquanto a nação sul-americana se vê mergulhada numa crise sem precedentes, em que faltam até artigos de primeira necessidade nas gôndolas dos supermercados, o país europeu – embora sentindo os abalos decorrentes do baixo preço da commodity – ainda consegue manter-se na linha de frente das nações desenvolvidas, graças, principalmente, à criação de um fundo soberano logo após as primeiras descobertas no Mar do Norte, em 1969.

País com o mais alto índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo e com a terceira maior renda per capita do planeta (US$ 59,3 mil), a Noruega só agora começa a sentir os efeitos da queda do preço do petróleo, hoje em menos de US$ 50 o barril Brent. Depois de ter passado quase incólume pelo vendaval que fustigou as economias européias e jogou no ralo o planejamento de países como França, Itália, Espanha, Portugal, Grécia e outros durante a crise financeira de 2008/2009, a Noruega já vê um cenário diferente diante da queda de 72% no preço do petróleo em 18 meses.

Embora ninguém no país fale abertamente em crise para designar o atual momento, o fato é que a queda continuada do petróleo fez a taxa de desemprego passar de 2,7% em 2009 para 4,1% no ano passado. Grande parte das demissões veio justamente do setor de exploração dos vastos recursos energéticos noruegueses, cujas companhias – a começar pela Statoil – despediram cerca de 30 mil empregados desde que o preço da commodity começou a cair, em meados de 2014. Numa economia em que mais de 10% dos postos de trabalho dependem diretamente do petróleo, o número é alto e é neste ponto que cresce a importância do fundo criado cerca de um ano após as primeiras descobertas.

Em seu pico, o fundo contava com US$ 900 bilhões e a previsão era de que, em 2020, atingiria US$ 1,1 trilhão, quando o país começaria a buscar alternativas para o setor. Os planos mudaram e com o freio na economia, cuja expansão prevista para este ano é de apenas 1,2%, o fundo será usado pela primeira vez para cobrir o déficit do Estado desde que foi criado. Não por acaso, o historiador Ake Moe, contratado pelo Conselho de Tecnologia da Noruega, disse recentemente que o país precisa buscar formas de diversificar sua economia pois, segundo ele, “num certo sentido, o petróleo já acabou e só deve garantir renda por uns 50 anos”.

Embora pouco provável, o maior temor é que o país volte a viver uma época da qual os mais jovens só ouviram através de relatos ou por meio de pesquisas e do ensino escolar. Até o fim da década de 1970, a economia norueguesa tinha pouco peso na balança mundial e suas finanças dependiam, quase exclusivamente, da exportação de peixes e de minérios de baixo valor. Tal cenário fazia do país o segundo mais pobre da Europa, segundo lembrou o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, Fernando Leite Siqueira, situação que já havia sido agravada pela invasão da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Com a descoberta do petróleo, porém, não demorou muito para que o placar fosse amplamente revertido. Atualmente, 3 milhões de barris de petróleo são tirados diariamente do Mar do Norte, o que torna a Noruega o maior produtor da Europa e o terceiro maior exportador da commodity e de gás natural do mundo. A “gerência” desse patrimônio é feita basicamente por duas empresas – a gigante Statoil, da qual o governo detém 62,5% das ações, e a Petoro, 100% estatal, que funciona como administradora da riqueza do petróleo.

A Statoil é a operadora direta dos campos e tem ações na Bolsa e investimentos em outros países. Um deles é o Brasil, no qual a “Petrobrás norueguesa” foi notícia recentemente ao adquirir participação no campo de Carcará, no pré-sal da bacia de Santos por US$ 2,5 bilhões. O valor da transação é amplamente contestado pelo vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Fernando Leite Siqueira. Considerando as reservas estimadas de Carcará, o preço, segundo ele, representa US$ 2 por barril, quando só o custo de produção sai por US$ 10, valor que duplica se forem somados os custos de exploração, financeiro, de investimento e de amortização. “É um completo absurdo. Só uma colônia faz isso”, assinala Siqueira. O vice-presidente da Aepet também contesta os motivos pelos quais a Venezuela enfrenta severas dificuldades, da forma como são apresentados pela grande imprensa. Membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e dono das maiores reservas da commodity do mundo, a Venezuela padece com os baixos preços do produto no mercado internacional e um dos reflexos disso é uma desordem econômica que atinge amplos setores da população, de pouco mais de 31 milhões de habitantes.

Prateleiras vazias nos supermercados, inflação que corrói rapidamente o valor da moeda, cortes freqüentes de energia elétrica – consequência de uma severa seca, que reduziu em muito a geração hidrelétrica no país –, sistema de saúde em colapso e alta criminalidade são relatos recorrentes publicados na mídia internacional e de oposição ao governo de Nicolás Maduro, o sucessor de Hugo Chávez, morto em 2013.

“A Venezuela está sendo sabotada pelos Estados Unidos. Há incitamento a greves para derrubar o governo do presidente Maduro, assim como fizeram com João Goulart, aqui no Brasil; com Salvador Allende, no Chile; e na Nicarágua. Também está havendo a repetição de uma estratégia que Estados Unidos e Arábia Saudita fizeram na década de 1990 para desestabilizar a antiga União Soviética, ante a ameaça à hegemonia norte-americana formada pelo Brics (grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que tenta criar uma moeda alternativa ao dólar”, afirma Siqueira.

Quanto aos preços do petróleo, Siqueira observa que a derrubada atinge principalmente a Rússia – o “mais tecnológico” dos países afetados – o Irã e a própria Venezuela, mas também “torna o pré-sal brasileiro menos importante no mercado internacional”.

O fato é que, no caso venezuelano, o baixo preço da commodity torna-se ainda mais grave, já que as receitas do país chegam a depender até 96% da venda de petróleo bruto e, com elas, Caracas financia as importações de quase todas as outras mercadorias. A situação talvez fosse menos grave se a Venezuela dispusesse hoje de um fundo soberano gerado a partir dos lucros do petróleo, tal qual seu concorrente na Europa.

FONTE: Surgente/Sindipetro-RJ