Notícia

O patrimonialismo corporativo

Data da publicação: 10/08/2016

Um “fenômeno moderno” parece estar tomando conta de instituições e corporações públicas no país e mudando o perfil do serviço público e seus servidores. Patrimonialismo corporativo é o termo queusamos para nomeá-lo. Trata-se de um certo desejo de se apropriar de partes do Estado.

Até bem pouco tempo, esse desejo soava como algo quase pueril, motivo de pouco caso entre servidores mais comprometidos com a coisa pública. Em 2015, ele começou a ganhar forma em pautas reivindicatórias de algumas categorias de servidores.

Auditores fiscais da Receita Federal, por exemplo, passaram a reivindicar o reconhecimento em lei do título de “autoridade tributária e aduaneira”, com prerrogativas tão impensáveis quanto a de “desfrutar” de prisão especial em sala de Estado Maior e cumprir pena separados de outros presos caso condenados.

Em outro exemplo, delegados da Polícia Federal tentaram emplacar norma que obrigava outros servidores da corporação e o público a tratá-los por vossa excelência.

Até aqui ainda se poderia argumentar que estamos no campo das vaidades desmedidas e inconsequentes. Acontece que desde a última semana alguns desses desejos ganharam forma de Projeto de Lei. No caso da Receita Federal, o Projeto de Lei 5864/2016, já enviado ao CongressoNacional, prevê que auditores fiscais recebam o título de autoridade (art 2º, § 1º) e tenham prerrogativas como a de prisão especial em sala de Estado Maior (Art 4º, V e VI).

Outros pontos do Projeto de Lei ainda merecem análise mais técnica devido a implicações que podem levar ao abuso de poder. Caso do art 4º, IV.

As questões que nos ocorrem: a quem serve tanta autoridade? À sociedade, ao Estado? Qual a distância entre essas declarações legais e prerrogativas e o abuso de autoridade?

Outra questão ainda, de ordem prática. A Receita Federal tem mais de 500 unidades em todo o território nacional. São quase 11 mil auditores fiscais. Como a instituição conseguirá gerenciar 11 mil autoridades agindo de forma autônoma, do Acre ao Chuí? Que milagre de gestão conseguirá fazer o órgão atuar de forma coordenada, seguindo algum planejamento central?

Em matéria do jornal Folha de São Paulo de ontem, 31/07, o jornalista Janio de Freitas fala da oposição de juízes e procuradores ao projeto contra abuso de autoridade que tramita no Senado. Certamente alguns pontos do projeto merecem revisão, mas a oposição desses altos servidores públicos a um projeto que tenta coibir o abuso de autoridade, certamente está inserida no mesmo contexto – e tem as mesmas motivações corporativas e pessoais – do projeto que trata dacarreira tributária da Receita Federal.

Patrimonialismo corporativo

Coibir o abuso de autoridade é questão civilizatória em qualquer sociedade. Quando, ao contrário, agentes do Estado, como auditores fiscais, delegados de polícia, juízes e procuradores se mostram tão ávidos por um quinhão de autoridade, o alerta da barbárie deve ser ligado.

FONTE: Observatório do Analista / Jornal GGN