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Venda dos gasodutos da NTS: um prejuízo maior do que o revelado pela Lava-jato?

Data da publicação: 27/01/2017
Autor(es): Rogerio Lessa

Foi anunciada no edital de convocação para a Assembleia Geral Extraordinária de 30 de novembro de 2016 a reestruturação societária da TAG para permitir a venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) para o consórcio de investimento liderado pela firma canadense Brookfield Infrastructure Partners (BIP). Desde que foi anunciada pela atual administração da Petrobrás a intenção de vender nossa principal malha de dutos, por onde escoará a totalidade do gás do Pré-Sal, a um agente estrangeiro, diferentes questionamentos foram levantados em relação à conveniência desta operação. Em Nota de Esclarecimento ao investidor de 31/10/2016[1], a Petrobrás tenta esclarecer alguns pontos escuros desta negociação, porém sem dar os detalhes necessários para a justa avaliação das condições acordadas com o comprador escolhido para assumir o transporte do gás natural da maior província produtora de óleo do Brasil. A seguir, reforçamos os seguintes questionamentos que deveriam servir de suporte para órgãos externos de controle e para o próprio Conselho de Administração da Petrobrás interromper esta operação até que sejam devidamente esclarecidos os contratos e condições da negociação com a BIP, sob risco de expor o Sistema Petrobrás a danos patrimoniais irreparáveis. Despesas com capacidade não utilizada 1) A Petrobrás afirma que os cinco contratos para transporte de gás (GTA) com a NTS continuarão vigentes. Ora, se olharmos para o 2015[2], o próprio “balanço da TAG estabelece que apenas 43% da capacidade contratada com a NTS foi efetivamente utilizada”, segundo se mostra na Tabela abaixo.

2015 2014 (tomando 2015 como base)
Malha Capacidade Firme Tarifa Transportado Não Utilizada
(MM Nm3/dia) R$/MMBtu MM Nm3/dia MM Nm3/d MM Btu/dia R$/dia
Sudeste 43,8 1,83 34,0 35,6 9,8 365573 668998
Gasduc III 40,0 1,38 16,0 13,7 24,0 895280 1235487
Paulinia-Jucu 5,0 1,60 0,3 0,4 4,7 174990 279984
Gastau 20,0 2,40 14,2 11,4 5,8 216359 519263
Sudeste II 49,4 1,97 3,3 2,4 46,1 1719684 3387778
Total 158,2 6091510
2,22 R$ bilhões/ano

O valor estimado para 2015 de pagamento por essa capacidade firme não utilizada é de 2,22 bilhões de reais. Sendo a NTS 100% da TAG e a TAG 100% da Petrobrás, o balanço consolidado não seria totalmente prejudicial para a Petrobrás, fora os tributos pagos sobre aquele montante. Diante disto, questionamos quais foram os fundamentos técnicos sobre a disponibilidade futura de gás natural usados para justificar a manutenção dos contratos vigentes, tendo em vista que (1) se prevê um aumento de apenas 27% na produção de gás no período do PNG 2017-2021 que não será suficiente para cobrir a capacidade dos gasodutos não utilizada atualmente e (2) que a construção da unidade de processamento de gás (UPGN) da Rota 3, que efetivamente aumentará a capacidade de transferência de gás dos nossos campos do Pré-Sal, foi suspensa e ainda não foi iniciada a licitação para continuidade da obra. Isto posto, é necessária a transferência de semelhante lucro a um operador estrangeiro? Não afeta isto os interesses da Petrobrás? Quando se refere aos seus “direitos de cessão dos contratos”, quem seriam esses agentes interessados? Saiba-se que a Petrobrás produz a nível nacional mais de 81% do gás natural [5]; proporção maior ainda na área de concessão da NTS? Dívidas da TAG 2) Do balanço da TAG [2] observa-se que ao final de 2015, sua dívida (visão controladora) aumentou a um valor de R$ 24,5 bilhões, enquanto a visão consolidada com as subsidiárias (NTS + NTN) era R$ 28,3 bilhões. Quanto destas dívidas correspondem à NTS? Será esta dívida assumida pela BIP? Quem assumirá a dívida da TAG, constituída basicamente pelos financiamentos para a construção dos dutos que estão sendo alienados? Na taxa de câmbio de hoje (3,41 R$/USD) o valor pago pela NTS (USD 5,19 bilhões, equivalentes a R$ 17,7 bilhões) não cobre as dívidas da controladora TAG, logo a afirmação da Petrobrás de que “representará, integralmente, uma entrada de caixa para o sistema Petrobrás” é dúbia. Estamos diante da entrega dos ativos com retenção da maior parte do passivo financeiro. Bilhete premiado para a BIP 3) A “Lei do Gás” (Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009) garante ao transportador remuneração suficiente para seu investimento (lucro) mediante reajuste tarifário periódico. Trata-se de um negócio de retorno garantido, sem riscos para o proprietário dos gasodutos, tanto que a NTS apresentou um lucro líquido de R$ 275 milhões em 2015, enquanto a TAG amargou um prejuízo de R$ 2,19 bilhões decorrente do encarecimento da sua dívida [2]. A própria BIP transmite esta tranquilidade aos seus acionistas no seu site [3]: “Stable and growing cash flows with no volume risk” “NTS is entitled to continue to earn a return on and return of capital remaining in the business, plus recovery of all operating and maintenance costs until the end of the concessions in 2039 through 2041” Por que a Petrobrás deve sair de um nicho de negócios sem riscos e entregar lucro garantido à BIP, para assumir ela própria os riscos da mudança na regulação? A ANP manifestou sua intenção de “atualizar” o marco regulatório da tarifação de transporte de gás, passando do valor fixo para um valor variável segundo a distância transportada [4]. Isto afeta diretamente os interesses da Petrobrás que deverá pagar mais para integrar o gás do Pré-Sal à malha remanescente da NTN. Este cenário foi avaliado ao longo da transação? Asfixia financeira da Transpetro 4) A Transpetro, subsidiária integral da Petrobrás, é a operadora dos gasodutos da NTS e NTN. Ao todo, esta atividade representa 78% da receita operacional líquida da Transpetro e contribui para o lucro do Sistema Petrobrás. Porém, anunciou-se que o contrato de O&M da BIP com a Transpetro está garantido apenas por cinco anos [6], sendo que os contratos da Petrobrás com a NTS se estendem até 2030 e 2031. Estas negociações são simples extensões dos contratos atuais? Elas não apresentam desvantagens para a Transpetro? De qualquer forma, a BIP poderá optar pela contratação de outro operador após os primeiros cinco anos de contrato, como manifesta aos seus investidores no seu site [3]: “Initially, the pipelines will be operated by a subsidiary of Petrobrás under a multi-year operations and maintenance contract. Over time, Brookfield Infrastructure will have the flexibility to transition NTS to a fully stand-alone operating business and internalize all management and operating functions, if desired.” Lembrando que a BIP é o principal acionista da mais extensa malha de dutos dos EUA (NGPL), operada pelo seu sócio KM Inc. possuindo experiência de O&M em mais de 135.000 km de gasodutos na América do Norte. O que impediria a renegociação dos contratos de O&M com a Transpetro, reduzindo sua margem de lucro, tendo um sócio com tamanhas credenciais no negócio? A ANP (Resolução 39/2014) não estabelece requisitos técnicos para o operador além de “experiência atestada nas atividades de projeto, construção, ampliação, operação e manutenção de gasodutos de transporte no Brasil ou no exterior”. Isto causaria um sério golpe à Transpetro, limitando seu caixa, e para a Petrobrás um entrave à otimização da operação da malha de acordo com os planos futuros de expansão da produção de óleo e gás no Pré-Sal. Perder-se-á toda a expertise operacional da mais estratégica malha de dutos do Brasil. Obscura transparência 5) Por fim, devemos salientar a absoluta falta de transparência por parte da Petrobrás durante o processo de alienação de ativos. Trazemos a público conhecimento os fundamentos da liminar concedida pela Juíza Federal Telma Maria Santos Machado da 1º Vara Federal de Sergipe para suspensão da venda dos campos de Baúna e Tartaruga Verde. A liminar desestima a interpretação da Petrobrás sobre a dispensa de processo licitatório para alienação dos seus ativos e sustenta que o art.29 da Lei 13.303 não inclui venda de ativos de sociedade de economia mista como caso para dispensa de licitação pública. Segundo esta interpretação, a venda sem licitação pública da NTS fere a Lei 13.303 e seria objeto de contestação na Justiça. Conclusões Diante do exposto consideramos que a venda da NTS ao consórcio liderado pela BIP constitui gestão temerária de ativos estratégicos para o desenvolvimento econômico da Petrobrás e poderá trazer prejuízos para o Sistema Petrobrás que não foram devidamente esclarecidos pela Administração da Companhia. Diretoria da AEPET [1] http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/comunicados-e-fatos-relevantes/esclarecimentos-adicionais-sobre-venda-de-participacao-na-nova-transportadora-do-sudeste [2] http://files.investidorpetrobras.com.br/conteudo/RA-e-Demonstracoes-Contabeis-TAG-2015.pdf [3] https://bip.brookfield.com/press-releases/2016/09-23-2016-115242937 [4] http://www.valor.com.br/empresas/4707241/anp-propoe-nova-forma-de-tarifar-transporte-de-gas-partir-de-2018 [5] http://www.anp.gov.br/wwwanp/noticias/3138-anp-divulga-anuario-estatistico-2016 [6] https://www.portosenavios.com.br/noticias/geral/36274-transpetro-esta-negociando-novo-contrato-de-operacao-e-manutencao-com-a-nts [7] http://dd924avassjqi.cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/11/LIMINAR-AP-BAúNA-E-TARATARUAGA-VERDE.pdf