Artigo

Trump e os limites da globalização

Data da publicação: 04/11/2016
Autor(es): André Araujo

Como uma democracia que teve à sua testa homens como Lincoln, os dois Roosevelt,  Hoover, Eisenhower, pode ter como aspirante à Presidência uma figura do naipe de Donald Trump?

Várias podem ser as explicações, mas há grande consenso de que essa candidatura é a catarse de um ressentimento de boa parte da população americana, grandes fatias da classe média das fábricas e dos escritórios revoltados com os  maus resultados distributivos da globalização financeira e da globalização comercial e industrial.

A globalização teve início pelos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria, resultou em um grande redesenho das cadeias produtivas industriais pelo mundo, transferindo fábricas da Europa, dos EUA e da América Latina para a Ásia, com consequente macro desemprego e redução de renda dos então países centrais e suas periferias.

O coração da globalização é o sistema financeiro dos EUA e o processo conduziu a uma jamais vista concentração de renda, riqueza e poder financeiro em poucos bancos e grandes conglomerados. Para estes a globalização significou enorme aumento de eficiência no usos dos meios de produção, mas para o resto da população significou perda de renda e riqueza. O processo está chegando a um ponto de “caída de ficha” quando grandes segmentos das populações atingidas se perguntam o que ganharam com a globalização uma vez que todos os ganhos de eficiência do processo foram apropriados pelo capital e nada pelo trabalho com os Estados perdendo arrecadação pelo caminho.

Os governos não souberam, não conseguiram ou não perceberam o cataclismo a ponto de tentar controlar ou minimizar os danos desse processo para seus povos. Vendeu-se o processo como inevitável, quando na realidade ele é em boa parte controlável, no sentido de minimizar seus danos aproveitando seus ganhos.

Um dos mega erros dos governos foi não barrar FUSÕES E AQUISIÇÕES de empresas, processo cujo primeiro efeito é o CORTE DE EMPREGOS e o segundo é a DIMINUIÇÃO DE IMPOSTOS pagos pela empresa consolidada.

O terceiro efeito é a REDUÇÃO DA CONCORRÊNCIA com consequente perdas para os pequenos fornecedores, pequenos distribuidores e para os clientes finais, formando-se oligopólios de poder excessivo.

O que o mundo ganhou com a criação da AMBEV ? O que o mundo ganhou com a criação do truste das carnes, a JBS?

Não diminui o preço das cervejas, não diminui o preço das carnes, milhares de empregos foram cortados, as empresas cresceram de valor enormemente mas a AMBEV mudou-se para a Bélgica e os donos para a Suíça, a JBS está de mudança para a Irlanda. Nos dois casos o Estado brasileiro, que ajudou a criar esses  conglomerados, só perdeu com o processo e mais ainda perderá, a população em nada foi beneficiada. Um dos maiores objetivos das fusões é o planejamento tributário para reduzir impostos, é uma das formas de pagar a fusão, a outra é o corte da folha.

Não foi apenas o fenômeno TRUMP a indicar a doença da globalização.  O BREXIT, a saída do Reino Unido da União Europeia é uma reação à globalização. O terceiro sinal é o rebrotamento da extrema direita nacionalista na Europa, a ponto de Marine Le Pen ser hoje aspirante viável à Presidência da França com a plataforma de saída da União Europeia.

No Brasil a globalização arrasou com setores inteiros da indústria com enorme perda de empregos. A Volkswagen que chegou a ter em São Bernardo do Campo 41.000 empregados, hoje tem, nas mesmas instalações, 5.000 porque grandes conjuntos dos veículos vem prontos da Ásia e não precisam mais ser fabricados no Brasil.

Grandes setores da indústria brasileira perderam centenas de fábricas, no têxtil foram 600. Na indústria de máquinas, fábricas médias e pequenas, como de injetoras, fecharam as portas.

Como consequência, a arrecadação da União e Estados desabou levando o Pais à crise fiscal.

A GLOBALIZAÇÃO não é um processo neutro e afeta cada País de forma diferente. Cada País deve saber como lidar com esse processo de forma a defender seus ativos essenciais, seus mercados, seus empregos sem a ILUSÃO vendida por economistas de mercado, de que a “globalização é sempre boa e é inevitável”.

A crise financeira de 2008 e as tensões sociais na Europa e EUA mostram que o processo tem limites, está batendo no teto e um ciclo de reversão do etapas pode estar se aproximando.

TRUMP pode perder a eleição à Casa Branca mas sua aparição como concorrente sério na disputa mostra um termômetro de desconforto social imenso nos EUA, provocado pelo ciclo que eles mesmo desencadearam mas que agora a população vê como um engodo.

A GLOBALIZAÇÃO tem um outro efeito danoso aos Estados nacionais, a dependência excessiva de sua política econômica interna ao mercado financeiro internacional, a ponto do Brasil ter hoje no comando de sua economia dois elementos produzidos pelo sistema financeiro e dele dependentes, com isso manejando toda a política pelo viés de atender aos centros rentistas internacionais e não às necessidades da população brasileira.

A tese de que essa dependência é inevitável é falsa. Ela pode ser graduada para que o País tire proveito da inserção global na medida certa sem sacrificar os interesses essenciais de sua população. O Brasil, ao contrário de países europeus, tem independência alimentar, de combustíveis, de bens básicos, não é dependente absoluto de importação como é o Japão e quase toda a Europa. Essa vantagem natural não está sendo aproveitada, o Brasil hoje operando como se fosse cativo de agências de rating e Wall Street pela mentalidade viciada de sua equipe econômica.

A globalização e seus aspectos deve ser tema de debate essencial no meio político brasileiro acompanhando a discussão que se faz hoje em todo o mundo sobre esse fenômeno histórico, que como todos, tem vários lados.

Publicado em 31/10/2016 em Jornal GGN.