Artigo

O xadrez do empate vitorioso de Gilmar e Janot

Data da publicação: 24/08/2016
Autor(es): Luís Nassif

Capítulo 1 – o grande mestre Gilmar Mendes

Nos jogos do poder, o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) é grande mestre. Ousaria compará-lo ao imortal Raul Capablanca, o campeão cubano que encantou o mundo no início do século, com seu estilo claro, lógico, linear e fulminante.

Seu grande adversário foi o russo Alexander Alekhine, com um estilo complexo, cheio de nuances, que acabava embaralhando o adversário. Só depois do jogo terminado, os adversários encontravam saídas para as complexidades colocadas por Alekhine.

No primeiro tempo, a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato conseguiram o feito histórico de terem derrubado uma presidente da República. Julgaram-se os reis da cocada preta.

Parcerias com a mídia não são institucionalizadas, mas pontuais, obedecendo aos interesses de ambas as partes. Além disso, a mídia – e a opinião pública – movem-se por eventos, alimentados por fatos reais ou factoides. E Gilmar e José Serra sempre foram mestres na arte de criar factoides jornalísticos.

Capítulo 3 – a delação da OAS

O que está em jogo é a delação da OAS.

Há duas empreiteiras na fila. As delações da Odebrecht apontarão preferencialmente o financiamento de campanha através de caixa 2. Delatarão Paulo Preto. Se a Lava Jato quiser pegar José Serra e Aloysio Nunes, terá que apertar Paulo Preto.

Já as delações da OAS visariam apontar corrupção explícita dos políticos, especialmente de José Serra – isto é, dinheiro para enriquecimento pessoal.

Capítulo 4 – o xeque de Gilmar

Aí entra em cena Gilmar, com toda sua maestria e atrevimento.

Conforme explicado no Xadrez de ontem, o suposto vazamento  contra Dias Toffoli se autodestruía em 30 segundos. Na própria denúncia já se fazia a defesa de Toffoli e os próprios blogueiros de Veja se incumbiam de defendê-lo. Trata-se de um factoide similar ao grampo sem áudio da conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, com ambos se auto-elogiando.

Mesmo assim, tinha tudo para se tornar o mote para um xeque pastor em Janot e na Lava Jato. A sucessão de declarações dos procuradores da Lava Jato, os abusos, o carnaval em torno do decálogo de Moisés e outros atrevimentos foram criando ressentimentos cada vez maiores no STF. Nenhum Ministro se manifestava com receio de se tornar alvo de campanhas infames, como a que vitimou o Ministro Luís Roberto Barroso. É uma tarefa para Gilmar, o destemido.

Ele espera o momento, encontra o álibi na capa da Veja, e cai matando sobre a Lava Jato.

Xeque-mate de Gilmar em Janot? Não. Xeque duplo nas investigações, e explico.

Capítulo 5 – o xeque duplo

Há várias hipóteses sobre os autores e a motivação da denúncia:

Hipótese 1 – foi um membro da Lava Jato, aliado a José Serra e Gilmar Mendes, interessado em melar o depoimento da OAS.

Hipótese 2 – foi vingança de procuradores contra decisões recentes de Toffoli.

Hipótese 3 – partiu dos advogados da OAS.

As duas primeiras são hipóteses verossímeis. A Hipótese 3 é a única absolutamente inverossímil. Primeiro, pela constatação do próprio Janot, que não havia nenhum anexo nas preliminares da delação versando sobre a tal reforma na casa de Toffoli. Janot diz que seria impossível ao MPF vazar essa informação, porque não existia. Se não existia, como atribuí-la aos advogados da OAS? E a troco de quê eles divulgariam uma informação contra um Ministro do STF, que qualquer amador saberia que poderia comprometer a delação?

E, no entanto, Janot tratou rapidamente de difundir a tal versão, anunciando a suspensão das negociações com a OAS.

Não havia lógica. Era evidente que a tal capa foi um factoide visando anular a delação da OAS. A troco de quê o ladino Janot, que dispõe de vários oficiais generais analisando a conjuntura, não captaria as intenções do factoide?

Há duas hipóteses para explicar a decisão de Janot:

Hipótese 1 – Janot piscou. Assustou-se com a possível reação do Supremo e saiu acusando os advogados da OAS, mesmo sem provas, antes mesmo de iniciar qualquer investigação, seguindo o padrão Lava Jato.

Hipótese 2 – Janot aproveitou o carnaval em torno do episódio para afastar de si o cálice da delação da OAS.

Aposto fechado na segunda hipótese.

Tem-se, enfim, um jogo em que Capablanca e Alekhine combinam a resultado final: Janot e Gilmar trocam tiros entre si, simulam um combate entre Darth Vader e Luke Skywalker e ambos conseguem chegar ao mesmo resultado: a anulação da delação da OAS salvando Serra, Aécio e, democraticamente, possivelmente algumas cabeças do PT.

O jogo termina empatado com Gilmar e Janot vitoriosos. E, em um arremate elegante, Gilmar declara que a delação não deveria ser suspensa, para permitir a Janot o ultimo lance do jogo.

De fato, um clássico do xadrez político.

Publicado em 24/08/2016 em Jornal GGN.