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Petrobrás, conteúdo local e emprego

Data da publicação: 10/02/2017

Convidar para licitação de retomada das obras do COMPERJ apenas empresas estrangeiras é o mesmo que chamar empresas nacionais?

O presidente da Petrobrás, Pedro Parente, defendeu a posição tomada pela empresa em artigo [i] na Folha de São Paulo no último dia 1 de fevereiro. Entidades de engenharia e fabricantes contestaram a decisão, num momento de alto desemprego e recessão.

A AEPET comentou [ii] que o argumento do impedimento da Lava Jato, para a retirada das nacionais era contraditório, pois as empresas estrangeiras apresentavam registro de corrupção em outros países, para obter contratos e vantagens.

Segundo o presidente do Clube de Engenharia [iii], Pedro Celestino, ” Estão querendo trocar um modelo bem sucedido, inspirado pela Noruega, por um desastre econômico e social, cujo símbolo entre estudiosos é a Nigéria…  Embora este país esteja entre os maiores produtores de petróleo do mundo, 70% da sua população vive abaixo da linha de pobreza e a taxa de desemprego é superior a 20%. Este país é um barril de pólvora. É o que acontecerá conosco, se a Petrobrás deixar de cumprir o seu papel histórico, o de âncora do nosso desenvolvimento industrial.”

Para Parente, a Política de Conteúdo Local teria causado prejuízos de 33 bilhões de reais em três anos aos governos federal, estaduais e municipais pelos atrasos nos investimentos e início de produção, devido à demora na entrega de 12 plataformas de petróleo compradas no país. Considerou também uma discriminação contra as empresas estrangeiras aqui instaladas, pois a Constituição brasileira não faz distinção entre as empresas de capital nacional e estrangeiro.

A Abimaq (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos) rebateu a crítica ao conteúdo local [iv] afirmando que na gestão Graça Foster os controles internos mostraram “atrasos enormes nos empreendimentos, principalmente nos importados como foi o caso das 12 sondas de perfuração, que atrasaram em média dois anos e não tinham conteúdo local, e o total descolamento dos orçamentos iniciais em percentuais inimagináveis que chegaram a mais de 500%.”

José Velloso [v], presidente da Abimaq, informou “Desde o primeiro leilão de blocos exploratórios, em 1999, as exigências de conteúdo local têm sido empregadas como ferramenta de desenvolvimento nacional conduzida com sucesso pela Petrobras. Àquela época a Petrobras adquiria mais de 65% de suas demandas de bens no Brasil. Portanto a Política de Conteúdo Local não nasceu no governo anterior e sim no Governo de FHC.”

É importante lembrar que a Constituição de 1988 fazia a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras, que foi  retirada em 1995, na mesma reforma constitucional que abriu para as empresas privadas nacionais e estrangeiras o exercício do monopólio do petróleo da União Federal, exercido até então apenas pela Petrobrás, desde a Lei 2004/1953 e incorporado à Constituição em 1988.

Nos EUA, entretanto, seus dirigentes são mais ciosos na defesa dos interesses de seu país. Em 2006 o Congresso americano impediu a venda da empresa de petróleo Unocal à China que concorria com a americana Chevron, embora fizesse uma oferta maior. Segundo Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia e prêmio Nobel de Economia em 2001, “Os EUA pregam a importância dos mercados livres, mas negaram essa mensagem ao rejeitarem a oferta chinesa. Sem querer, demonstraram que os interesses nacionais estão acima do funcionamento do mercado”. (O Estado S. Paulo, 01/01/2006)

O Brexit, saída do Reino Unido da União Européia e a recente eleição de Donald Trump nos EUA também mostram que os eleitores em todo o mundo estão em busca dos empregos perdidos e  contra a concentração de riqueza em poucas empresas e conglomerados financeiros, principais beneficiados da globalização.

Conteúdo local

A defesa do conteúdo local é praticado pelos países preocupados em desenvolver suas indústrias e tecnologia. Foi assim com a Inglaterra, os EUA, Alemanha,  Japão e outros. Em seu livro, “Chutando a escada”, o professor Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, relata como estas e outras nações romperam a barreira, fazendo o que recomendam que não façamos.

As empresas estrangeiras aqui se instalam, quando são forçadas ou estimuladas, para ter acesso ao mercado local. Fecharão a fábrica quando entenderem ser mais conveniente importar  da matriz ou de outra filial.

Os empregos com os melhores salários e o desenvolvimento dos produtos se dão em centros de pesquisas e universidades localizados na matriz, onde estão o centro de decisão e os acionistas.

Você já se perguntou porque não temos uma fábrica nacional de automóveis, com o tamanho do nosso mercado interno? Veja a história da Gurgel e dos boicotes sofridos para tentar viabilizar uma montadora nacional. Mesmo em setores como o agrícola, apesar de sermos o maior produtor, exportador e o segundo maior consumidor mundial, das seis maiores indústrias de café do país apenas uma é nacional.

Mas, o presidente da Petrobrás deixa de tocar em abordar duas questões fundamentais nesta discussão: o planejamento energético nacional e o ritmo de exploração do nosso petróleo e a modalidade de contratação dos empreendimentos.

Planejamento energético nacional

Apesar de não termos uma estimativa confiável das reservas do pré-sal, descoberto pela Petrobrás em 2006 e que deu início ao processo de mudança da legislação para garantir a propriedade da União sobre o petróleo extraído, os leilões tem sido anunciados para produzir no maior ritmo possível.

A justificativa é que temos que exportar o petróleo o mais rapidamente possível, enquanto alguém ainda o quer, gerando royalties e riqueza. O petróleo e o gás natural continuarão sendo os principais responsáveis pelo abastecimento energético mundial nas próximas décadas [vi]. Pelas dimensões do país e de sua economia, a melhor forma de utilizá-lo é no abastecimento de nosso mercado interno, criando indústrias e capacitando pessoas.

Um planejamento adequado permitirá garantir encomendas para estaleiros, fábricas de equipamentos, empresas de projeto de detalhamento, de construção e montagem, estaleiros, etc. Certamente não no ritmo que temos visto desde a descoberta do pré-sal, com a construção de várias refinarias ao mesmo tempo e plataformas, num ritmo impossível de ser atendido pelas empresas nacionais e, em alguns casos, até por internacionais referências em suas áreas.

Mas este ritmo se deve aos leilões da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) com prazos exíguos, sob pena de ter de devolver o campo licitado. Por trás, é claro, há uma intensa pressão de políticos para que os royalties e impostos jorrem em suas regiões eleitorais e dos lobistas e pressões de outros países para ter acesso à esta riqueza.

Ao contrário da Noruega, onde o petróleo é considerado um bem não só da geração atual, mas também das futuras, gerando um fundo soberano e usando apenas seus rendimentos para equacionar problemas atuais. Aqui, apesar de proibido, dispõe-se dos royalties para gastos correntes, contando com  um recurso de preço e produção  incertos. A situação do Estado do Rio de Janeiro é a demonstração pronta e acabada desta má utilização.

Contratos globais (EPC)

Esta questão tem sido tratada exaustivamente pela AEPET há mais de dez anos, em cartas [vii] à direção da empresa. Nas décadas de 1960-70, quando a companhia construiu as refinarias REPLAN, REVAP, em São Paulo; REPAR, no Paraná; REFAP, no Rio Grande do Sul e REGAP, em Minas Gerais, os contratos eram divididos exatamente para não permitir a cartelização e o direcionamento na compra de equipamentos e serviços. A REPLAN, entrou em operação em fevereiro de 1972, dois meses antes do previsto. A indústria nacional era muito mais incipiente e os prazos e custos foram cumpridos.

Nos últimos anos tem-se decidido pelos contratos globais, tipo EPC(Engineering, Procurement and Construction), onde uma empresa fica responsável pelo projeto de detalhamento (em alguns casos, até pelo projeto básico), compra de equipamentos, construção e montagem. É claro que não tem pessoal capacitado em todas estas áreas e subcontrata outras empresas ou profissionais. Como não há um projeto de detalhamento, o nível de incertezas é grande, elevando os preços para se proteger e, mesmo assim, a quantidade de aditivos contratuais é abusivo.

Os subcontratados e fabricantes são pressionados a reduzir preços, mesmo às custas de qualidade, elevando o lucro do consórcio. Basta você se imaginar contratando uma obra em sua casa e pagando para alguém ser responsável do projeto à decoração, recebendo a obra pronta, em vez de contratar cada profissional e fazer você mesmo o acompanhamento diário.

A justificativa interna dos gerentes era de redução de interfaces, prazos e custos. Foi exatamente o contrário do que ocorreu.

A repetição desse modelo, ao longo dos últimos dez anos, reduziu drasticamente a competitividade dos processos licitatórios e tornou a Petrobrás refém da atuação de e do interesse de cerca de 10 a 12 grandes empresas, nas quais foi concentrada a alocação de mais de 80% dos recursos contratados pela Engenharia.“, dizia carta [viii]  da AEPET encaminhada à empresa em dezembro de 2015.

O ex-diretor Paulo Roberto, réu confesso na Lava Jato, apontou os contatos EPC como o caminho para facilitar o sobre faturamento, conseguir aditivos contratuais e facilitar a corrupção.

A solução é retornar aos contratos com empresas especializadas, comprando diretamente dos fabricantes e só colocar uma licitação na rua após ter um projeto básico elaborado pelos técnicos da companhia e um projeto de detalhamento executado, com todos os quantitativos requeridos definidos. O responsável pela integração do projeto deve ser a própria Petrobrás.

Estimularemos a criação e fortalecimento de pequenas e médias empresas, garantindo um mercado contínuo, sem altas e baixas como nos últimos anos.

COMPERJ

Infelizmente, apesar de todos os alertas [ix], o novo contrato para o COMPERJ está sendo feito na modalidade EPC, contra a posição contrária de seu corpo técnico e de entidades de engenheiros e empresários do setor.

O empreendimento da UPGN (Unidade de Processamento de Gás Natural) da Rota 3 é um caso exemplar. Seu projeto básico original foi executado pelos técnicos da Petrobrás. O ex-diretor José Figueiredo preferiu contratá-lo com projeto, equipamentos, construção e montagem de um consórcio EPC liderado pela Queiroz Galvão. O consórcio entregou a obra sem concluí-la, após tentar um reajuste contratual não concedido.

Com a equipe desfeita, o grupo da Engenharia Básica do CENPES e da Engenharia, elaboradores do projeto original, foram chamados a validar o projeto do consórcio para permitir sua conclusão. Até porque, como é praxe nestes contratos, a equipe é desfeita e qualquer problema tem que ser resolvido pela própria Petrobrás.

Em conclusão, pode-se dar o nome que se quiser às idéias e pensamentos diferentes, mas sempre vale a pena olhar para o passado e aprender com o que deu certo e funcionou.

Com a recessão e o desemprego, os leilões do petróleo devem ser revistos, à luz de um planejamento energético de longo prazo, independente de quem esteja no poder, priorizando a utilização do petróleo para movimentar nossa economia, possibilitando a contratação com empresas nacionais de pequeno e médio porte especializadas, garantindo emprego e a formação de profissionais.

Diomedes Cesário da Silva
Ex-presidente da AEPET

[i] http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/02/1854701-ranco-ideologico-e-vida-real.shtml

[ii] http://exame.abril.com.br/negocios/petrobras-chama-estrangeiras-para-retomar-obras-no-comperj/

[iii] http://portalclubedeengenharia.org.br/info/reacao-na-petrobras-querem-trocar-a-noruega-pela-nigeria

[iv] http://portalclubedeengenharia.org.br/info/as-falacias-da-petrobras-e-a-vida-real

[v] http://portalclubedeengenharia.org.br/info/opiniao-da-abimaq-acabar-com-conteudo-local-e-crime-de-lesa-patria

[vi] https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2016

[vii] AEPET Notícias 381

[viii] Carta AEPET 010/16

[ix] Carta AEPET 010/16

Acessar publicação original:

aepet.org.br