A tese de que é cedo para ajuste faz sentido aos EUA, Reino Unido e Alemanha; não para o resto da Europa
O G20 DEIXOU EM ABERTO a questão central que dividia seus membros ricos. A Europa defendia o ajuste fiscal, enquanto os Estados Unidos afirmavam que a crise de demanda não foi ainda resolvida e, portanto, que é necessário continuar a política de expansão fiscal ou de déficit público.
Além disso, os Estados Unidos propunham que a Alemanha adotasse uma política expansiva e, assim, passasse a exportar mais, enquanto esta reafirmava sua decisão de aprofundar seu ajuste fiscal.
Quem estará com a razão neste debate? Sugiro que os europeus, com exceção da Alemanha, precisam promover o ajuste fiscal. A tese de alguns companheiros keynesianos de que é muito cedo para iniciar o ajuste faz sentido para os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Alemanha; não para o resto da Europa.
Em relação a este último país, o motivo desta distinção é claro. Desde que os problemas da sua unificação foram resolvidos, a Alemanha adotou uma política de redução de salários para enfrentar a concorrência externa.
Assim, enquanto a produtividade aumentava, os salários permaneciam estagnados. Grandes superavit comerciais inclusive em relação aos demais países europeus resultaram dessa política – o que levou a Grécia à crise e vários outros países europeus à situação de alta fragilidade financeira.
Logo, os alemães podem e devem mais. Os seus grandes superavit comerciais não têm lógica econômica para a própria Alemanha.
Os demais países europeus estão obrigados a promover forte ajuste fiscal. Seus credores externos promovem ataques especulativos contra seus títulos públicos. Para garanti-los não basta a decisão de apoio da União Europeia.
É necessário, adicionalmente, que reduzam seu déficit público e principalmente sua dívida pública que está acima de 100% do PIB. Esse ajuste não contribuirá para uma retomada forte do crescimento europeu, mas é inevitável.
Já os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não estão obrigados à mesma austeridade. Não porque tenham grande superavit, mas porque dispõem de sua própria moeda nacional, o que lhes permite fazer duas coisas: primeiro, desvalorizá-la – o que já aconteceu com o dólar e a libra -; segundo, imprimi-la através do financiamento do tesouro de cada país pelo seu banco central (o chamado ‘quantitative easing’).
Como diz a ‘Economist’ (26.jun), os países que fazem parte da zona do euro’renunciaram às desvalorizações e à impressão de dinheiro’. Algo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não fizeram.
Em uma conjuntura de demanda insuficiente, o seu tesouro pode se endividar junto ao respectivo banco central para financiar a expansão dos seus gastos sem que isto implique aumento de sua dívida pública líquida e sem pagar o preço da inflação porque a demanda está desaquecida.
Além de criarem liquidez para salvar seus bancos (algo que os europeus também fizeram), esses dois países, discretamente, têm praticado moderadamente a política de emitir moeda para financiar seus gastos. Os países europeus não podem fazer a mesma coisa, e são obrigados à austeridade fiscal. Contam com o euro, mas pagam dois preços:não podem desvalorizar e não podem emitir dinheiro.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de ‘Globalização e Competição.
Fonte: Folha de S.Paulo, 4.7.2010.