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A inadiável reforma para um Estado Nacional brasileiro

Data da publicação: 05/01/2022

Há algum tempo temos oferecido à discussão a nossa crítica à estrutura do Estado no Brasil. Acreditamos ter demonstrado sua imutabilidade, pois desde a Carta Régia, de janeiro de 1549, firmada pelo rei português Dom João III (1521–1557) – quando se estabeleceu o primeiro Estado no Brasil, com a nomeação do governador-geral Tomé de Souza – até hoje vem se mantendo inalterável.

O que significa esta invariabilidade? Que seus pilares não foram modificados; que as funções do Estado continuam basicamente as mesmas, que as tentativas de alterá-las têm acarretado golpes e mortes.

Vejamos as atribuições iniciais do Estado colonial: garantia da moeda, garantia da ordem, garantia da defesa. Ou seja, a provedoria de natureza tributária, fiscalizadora das receitas e despesas, administradora das alfândegas, gestora do caixa da colônia; a ouvidoria, de natureza jurídica e repressiva, para garantia da ordem e do cumprimento dos ditames da Coroa; e o capitão-mor da costa para defesa do Estado Colonial das agressões e invasões estrangeiras.

Este tripé se abre e se decompõe conforme a sociedade vai ficando maior e mais complexa, e a ele se agregam funções da autonomia formal de um Estado independente, como as relações exteriores, em 1822.

A primeira grande mudança na organização do Estado se deu com a Revolução de 1930. Havia não só a necessidade de atualização das funções do Estado às condições sociais e econômicas da época, fruto da industrialização, como a opção por um modelo mais afeito aos poderes dirigentes do Brasil, que eram as finanças inglesas e os ruralistas.

Porém dever-se-ia também atentar para as soluções militares, que, durante a década de 1920, haviam várias vezes se manifestado em rebeliões. Embora nossa generalidade possa ser contestada, assumimos designar esta solução militar de “inspiração positivista”.

É curioso, entre várias análises da estrutura político-administrativa brasileira, recordar o que José Carlos de Assis, economista, jornalista, professor, escritor, com ampla e diversificada experiência nos setores público e privado, escreve no Prólogo de seu livro Os Mandarins da República Anatomia dos Escândalos da Administração Pública: 1968-84 (Editora Paz e Terra, RJ, 1984): “O regime de 1964 se arrogou completar de forma cabal, na esfera administrativa, o objetivo esboçado pela Revolução de 30 no plano político: avocou constitucionalmente para o Estado, sobre as funções clássicas de supridor de Segurança e de Justiça (ouvidoria, nota nossa), as de orientador e de principal motor do desenvolvimento econômico e social. Para isso, promoveu reformas atualizadoras do sistema monetário e de intermediação financeira, no plano institucional da economia; em sua órbita direta, dotou a Administração pública de um poder sem precedentes de extração de recursos, com a Reforma Tributária de 1966, e rompeu a teia de entraves burocráticos que emperravam secularmente sua máquina operacional, através da descentralização executiva prescrita na Reforma Administrativa do ano seguinte” (provedoria lato sensu, anotamos).

Na reforma de Getúlio Vargas, além de atribuir ao Estado atividades nas quais estivera ausente, nestes 380 anos que separam a Revolução de 1930 da Carta Régia – educação e saúde – inovava ainda mais colocando o povo, com eletiva representação profissional (sindicatos), nas tarefas orientadoras e até controladoras das atividades que participavam.

Estas imensas e surpreendentes alterações valeram a este Estadista indevida alcunha de ditador, e sua deposição e morte em dois golpes: de 1945 e de 1954.

Um Estado Nacional se diferencia pela estrutura, adequada à cultura da população que abrange. Não sendo assim, o Estado será uma colônia ou um estado ideológico, como alguns islâmicos e neoliberais. A pretendida homogeneização, uniformização do mundo pelos neoliberais era, além de impossível, a extinção da enriquecedora diferença que, entre outras e mais significativas razões, atraia turistas, sociólogos e antropólogos.

Assim, a estrutura do Estado Nacional Brasileiro levará obrigatória, prioritária e primordialmente em consideração a cultura nacional brasileira.

Vejamos alguns casos de Estados Nacionais.

Era a China sob a dinastia Han um Estado Nacional? Claro, pois além da base confucionista, agia conforme a tradição e tinha os habitantes majoritariamente da etnia han. Porém, era a China sob a dinastia Yuan um Estado Nacional? Não, pois o Estado, embora não agredisse explicitamente o tradicionalismo chinês, adotava práticas e gestões dos mongóis, que então governavam a China.

O Irã é um Estado Nacional? Esta é uma questão bem mais complexa. O Irã é parte da antiga Pérsia. Ao longo da sua história teve o período mais “nacional” sob a dinastia sassânida, nos primeiros séculos da Era Cristã, mas sofreu as sucessivas invasões dos árabes islâmicos, dos turcos seljúcidas e dos mongóis até os primórdios da Idade Moderna. Em 1500, como o descobrir do Brasil pelos europeus, inicia no Irã o governo dos safávidas (dinastia xiita) que governará até 1722, e deixará a cultura xiita como base do novo Irã. Há historiadores que ligam os safávidas aos antigos persas. Os séculos 18, 19 e até o início do 20, encontraram o Irã sem condição de oferecer resistência ao Imperialismo Europeu.

Embora sem ocupação territorial, a economia e a própria cultura se viram invadidas especialmente pela Inglaterra. É emblemática a questão do petróleo. Em 1901, o Xá Cajar Maomé Ali concedeu ao britânico William Knox D’Arcy (1849–1917) o direito de explorar petróleo no Irã, posteriormente transferido para o governo britânico. Assim o Irã inicia um período de colonização inglesa sem os custos da ocupação e administração, que, com altos e baixos, só se extingue em 1979, com a revolução islâmica dos aiatolás.

Tendo sofrido vários tipos de ocupação, o povo iraniano se estruturou em torno da fé xiita e do orgulho ancestral persa para fundar um novo Estado Nacional. Esta é a maior razão de sua vitória contra os novos agressores: vizinhos geográficos, estadunidenses e as finanças apátridas.

Felipe Maruf Quintas é doutorando em ciência política.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Fonte: Monitor Mercantil

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