Artigo

A Petrobrás está treinando técnicos para as concorrentes

Data da publicação: 16/03/2010

Em entrevista ao programa ‘Debate Brasil’ (353, 1ª semana de fevereiro de 2010), o vice-presidente da AEPET, Pedro da Cunha Carvalho, falou sobre a atual política de Recursos Humanos da Petrobrás. Corroborando com diversas lideranças de petroleiros, ele manifestou muita preocupação com a área de RH da Petrobrás, nos moldes atuais. Tal política está transformando a Empresa em ‘treinadora de mão-de-obra especializada’ para as empresas concorrentes, notadamente as multinacionais, que estão oferecendo salários superiores aos da Petrobrás. Não bastando, a petrolífera brasileira vem achatando as remunerações dos seus técnicos, bem como comprometendo os benefícios dos atuais e futuros aposentados. Com a descoberta do Pré-Sal pela Petrobrás e a concorrência pela exploração da área, tal política de RH precisa ser corrigida o mais breve possível. Nesse sentido, Pedro Carvalho sublinhou que os brasileiros, além dos petroleiros, precisam implementar esforços para mudar tal situação, notadamente por se tratar de uma Empresa estratégica para o desenvolvimento do País, que foi agraciado pela natureza com a riquíssima área petrolífera Pré-Sal. A Petrobrás é a oitava empresa mais importante do mundo, sendo reconhecida e premiada sucessivamente por diversos fóruns internacionais. ‘A descoberta do Pré-Sal pela Empresa, em 2007, foi graças aos esforços dos seus abnegados técnicos e dos pioneiros defensores do monopólio estatal do petróleo e da criação da Petrobrás, na década de 1950. A sociedade brasileira deve começar a se manifestar em defesa do que é nosso’, enfatizou Pedro Carvalho. O ‘Debate Brasil’ é produzido pela AEPET e transmitido para uma grande rede de televisões comunitárias, em diversos estados brasileiros, pela NET. O programa tem como apresentadores o jornalista José Augusto Ribeiro e a poetisa Suzana Vargas, da ‘Estação das Letras’, que dirige a editoria de literatura do programa.

José Augusto Ribeiro – A política de Recursos Humanos da Petrobrás, que foi imposta por sucessivos governos, está degradando os padrões salariais dos empregados da Empresa. Com isto, a Empresa está perdendo os seus melhores técnicos de nível superior para grupos privados nacionais e estrangeiros. Como está esta situação no momento?

Pedro Carvalho – Embora alguns colegas digam que não, que está tudo bem, nós sabemos que, principalmente agora com o advento da exploração do Pré-Sal, as empresas multinacionais, sobretudo as que conseguirem entrar a exploração da área – após a conclusão do novo marco regulatório pelo Congresso Nacional. As multinacionais têm um poder de cooptação muito grande, pagam salários muito mais elevados do que hoje se pratica na Petrobrás. Na Petrobrás, só ganha bem quem tem cargo de gerente ou consultor. Os demais cargos de carreira, inclusive de nível superior, estão muito mal remunerados, principalmente quando não tem promoções sucessivas, como deveria ocorrer dentro dos prazos. Hoje, as promoções são feitas por critérios um tanto quanto abstratos, de acordo com a vontade do gerente imediato dos profissionais. Assim, torna-se um perigo para a Empresa tal política de RH. Profissionais de alto gabarito, com experiência e conhecimentos técnicos adquiridos na Petrobrás, estão indo para empresas multinacionais, levando consigo todo este conhecimento e recebendo três vezes mais ao que ganhava na Petrobrás. O pior é que ela, com a atual política de RH, está criando, com as mudanças [‘repactuação’] que ela adotou no Plano Petros, ela está criando a seguinte mentalidade entre os técnicos mais novos: ‘Eu estou aqui por algum tempo, até eu pegar experiência e conhecimento, que me permitam procurar uma outra empresa que me pague um salário maior, pela experiência adquirida aqui’.

José Augusto Ribeiro – Então, o jovem de hoje faz concurso para a Petrobrás com vistas a posteriormente sair da petrolífera brasileira?

Pedro Carvalho – Essa é a mentalidade que verificamos hoje entre os profissionais da Empresa. Eles não querem se vincular a ninguém. Não querem se vincular às associações e aos sindicatos, pois eles pretendem sair da Petrobrás para ganhar um salário melhor em outras empresas.

José Augusto Ribeiro – Quer dizer, o profissional entra na Petrobrás para adquirir conhecimento, experiência, e saltar fora. Podemos falar da sua geração dentro da Petrobrás, pois a Empresa quando começou o profissional que fazia concurso pensando em trabalhar na Petrobrás para a vida inteira. Como era na sua época?

Pedro Carvalho – No início da vida da Petrobrás, eu ingressei em 1955, a Empresa procurava avidamente por engenheiros novos, por químicos novos, e demais profissionais de nível superior para formar os quadros de empregados da Empresa. Na época, a Empresa adotou o seguinte chamamento: salário bom para os padrões da indústria naquela época, pois ela precisava de pessoal para se desenvolver. Nesse sentido, ela visou pegar os melhores profissionais que havia no mercado, principalmente os novos, recém-formados. Em seguida, ela preparava esses profissionais nas áreas de refino, geologia, exploração, e assim sucessivamente. A Empresa adotava outros atrativos. Além do salário bom, ela tinha também um plano de benefícios e um benefício adicional, ou seja, um plano de assistência médica para os profissionais e seus dependentes. Tais medidas faziam com que aqueles os novos profissionais planejassem um longo período de trabalho na Empresa. Esses benefícios, além de atrativos, eram medidas que somavam, pois nem todas as empresas ofereciam tais benefícios. Após os concursos, os profissionais recebiam um treinamento bastante puxado, com duração de um ano. Eu, por exemplo, entrei como engenheiro civil recém-formado e fui convidado a fazer o concurso e, posteriormente, um curso na área de refino. Esse curso durou cerca de um ano. Os cursos eram ministrados por professores universitários brasileiros e norte-americanos. As aulas eram em inglês. Nós fizemos um treinamento bastante forte. Na turma que ingressei, se não me engano, dos cerca de vinte e um candidatos, chegaram ao final do curso onze alunos que conseguiram ser aprovados naquela verdadeira ‘guerra’. Em seguida, esses aprovados foram distribuídos nas unidades – a sede no Rio de Janeiro, as refinarias de Cubatão e Mataripe. Eu fui para a Refinaria de Mataripe, onde seria construída uma nova refinaria e eu, como engenheiro civil, queria ver uma refinaria ‘sair do chão’. Foi uma grande experiência.

José Augusto Ribeiro – Em vista de que governos sucessivos impuseram a atual política de Recursos Humanos ruinosa, é uma questão de interesse nacional que o governo imponha uma nova política de RH?

Pedro Carvalho – Com certeza. E mais: existe a parte de treinamento que no momento me parece até bastante boa. Recentemente visitei o prédio da Universidade Petrobrás, na Cidade Nova, que é de primeiríssima ordem, muito moderno e que permite o treinamento dos novos empregados. No entanto, resta resgatar esse espírito de dedicação à Empresa.

José Augusto Ribeiro – E como se pode fazer isto?

Pedro Carvalho – Primeiro, com uma política de Recursos Humanos adequada, diferente do que vem sendo feito hoje. Uma política de RH que valorize o maior bem que uma empresa pode ter, que é seu corpo de empregados. Sem o seu corpo de empregados, uma empresa não vai produzir e não vai crescer.

José Augusto Ribeiro – E como valorizar?

Pedro Carvalho – Com uma política salarial e de promoções adequada, diferentemente do que existe hoje. Uma adequada política de benefícios, que hoje é bem diferente da Petrobrás de antigamente. O plano de previdência [Petros] deve dar garantias aos empregados e seus familiares de tal forma que assegure uma aposentadoria digna, ou seja, que dê condições do aposentado manter a sua família. Essa questão do plano de previdência, eu me lembro que foi no governo Collor que se iniciou uma campanha de desmoralização de planos de previdência das empresas estatais. O argumento de então era que os funcionários das estatais eram marajás, devido aos benefícios conquistados.

José Augusto Ribeiro – O que é uma mentira…

Pedro Carvalho – Exatamente. A Petrobrás criou a figura da ‘repactuação’ do Plano Petros, em que vários colegas desavisados foram cooptados por uma oferta de dinheiro para alterar o teor dos seus contratos com a Petros, em troca de um novo contrato que só beneficiaria o Plano Petros e a Petrobrás. Quem repactuou teve a ilusão de que estaria ganhando – recebeu os recursos para pagar algumas dívidas, comprar carros, entre outros bens. Mas e o futuro? Se eles fizerem as contas verificarão que estão ganhando menos. Os repactuantes perderam uma série de direitos. Essa política prejudicou, também, os petroleiros que não repactuaram, pois a Empresa não quer dar aumento salarial ao pessoal da ativa, em vista de que teria de reajustar os salários dos empregados aposentados que não repactuaram. Nesse sentido, a Petrobrás está usando o seguinte artifício: ao pessoal da ativa, a Empresa oferece adicionais que não serão incorporados ao cálculo da aposentadoria. Os acordos coletivos dos últimos oito anos, por exemplo, vêm sendo bastante prejudiciais ao pessoal da ativa, pois no futuro a aposentadoria desses petroleiros será muito pequena. O empregado que atualmente recebe um salário baixo, ganha adicionais que não serão computados nos cálculos da aposentadoria, os salários deles serão muito pequenos. Nesse sentido, os profissionais que hoje não querem sair da Empresa procuraram uma aposentadoria no INSS, como alternativa de acrescentar mais recursos ao seu salário. Assim, eles preferem continuar trabalhando na Petrobrás e se aposentando pelo INSS. O quadro de empregados da Empresa vai envelhecendo, mas os novos empregados não estão vendo uma possibilidade de progredir em vista de que os mais antigos estão ocupando os cargos que os novos almejam. Assim, não está havendo uma renovação adequada do quadro de profissionais. Esse é um outro prejuízo que a atual política de RH está trazendo para a Empresa.

José Augusto Ribeiro – Quais seriam as primeiras medidas para começar a corrigir essa situação que torna a oitava empresa do mundo, tão bem-sucedida, mas que vem sofrendo uma hemorragia permanente no seus quadros técnicos?

Pedro Carvalho – Os governos Collor e FHC venderam ações da Petrobrás, as ADRs, na bolsa de valores de Nova Iorque. Assim, uma significativa quantidade de acionistas estrangeiros conseguiram comprar tais ações passaram a influenciar as decisões do governo brasileiro e da direção da Petrobrás, no âmbito da administração desta. Os acionistas estrangeiros, em última instância, visam tão somente o lucro com a Petrobrás. Assim, eles se empenham pela retirada de todos os direitos que eles consideram supérfluos e onerosos. Procuram se livrar dos aposentados e pensionistas, dos planos de pensão, dos planos de assistência médica, entre outros. Esta política é resultado da estratégia de privatizar a Petrobrás. Com a privatização, eles querem que a Empresa vire uma máquina de fazer dinheiro – mais do que já é. Então, no momento temos uma Petrobrás mal administrada na sua política de RH, resultando em perda do seu corpo técnico [conhecimento] para companhias estrangeiras. A Empresa ao alimentar a visão do pessoal novo de que ‘estou aqui para depois conseguir um emprego melhor…’, realmente é um prejuízo para a Empresa e para o Estado Brasileiro. Nós temos que ter uma visão de Brasil e de povo brasileiro, pois governos passam.