A tragédia de Brumadinho é apenas mais um dos tristes exemplos do trágico fim do capitalismo como até então nós o conhecemos.
No capitalismo clássico um investidor ou Entidade gerava um patrimônio físico real para a produção de bens ou serviços visando atender necessidades da Sociedade. Com isso havia um compromisso do investidor com a sustentabilidade e perenidade do patrimônio, produtividade, sua função social, geração de empregos, respeito ao meio ambiente. Era de interesse do próprio investidor, pela baixa volatilidade do investimento, seu crescimento e desenvolvimento. Havia respeito pela Sociedade onde se instalasse e era mais controlável socialmente.
Hoje, o que existe, e aqui denominado de Neocapitalismo, é o puro financismo (ou rentismo… ou a banca), em que tudo virou aplicação financeira, gerando o rentismo, na qual toda a estrutura econômica é avaliada financeiramente pela sua capacidade de máxima distribuição de rendimento anual, sem consideração com os meios para alcançá-la e vinculação da gestão e dos aplicadores com eles.
Há que se diferenciar, portanto, o investimento produtivo da aplicação financeira. É absurdo tratá-los igualmente. Pela lógica financeira, a compra de ativos produtivos tem a única finalidade de extrair lucro anual. E para maximizá-lo, qualquer despesa que não impacte de imediato nesse resultado deve ser evitada, postergada ou, simplesmente não executada, inclusive arcar com as consequências disso.
Assim, investimentos para aumentar/melhorar a produção e gerar mais emprego, para repor riqueza finita açodadamente extraída, é evitado. Gastos na prevenção de acidentes, em segurança, qualificação de pessoal, preservação do meio ambiente e, em muitos casos, até na qualidade dos produtos, o que, dependendo das sanções reais, também são considerados redutores do lucro a distribuir.
No caso de pessoal é uma despesa a ser minimizada, até evitada, seja pela redução de contingente, robotização, redução de salários, sem considerar o tiro no pé de que os Recursos Humanos é que irão viabilizar e potencializar os resultados do patrimônio físico, ao tempo que se constituem no mercado consumidor se tiverem renda para tal.
As tragédias de Vila Mariana e Brumadinho são apenas exemplos dessa lógica financista. Outro ainda mais sério nas suas possíveis consequências é a barragem abandonada de rejeitos da extração de ouro em Nova Lima/MG, com contaminação por vários metais, inclusive arsênico, que corre o “risco máximo” de romper e atingir o Rio das Velhas, que apenas alimenta boa parte de Belo Horizonte. A mina pertence ao grupo australiano Mundo Minerals, que abandonou o local de dezembro de 2011. E o pior, os sócios responsáveis pelo empreendimento, simplesmente desapareceram desde então, deixando tudo entregue a própria sorte, e seja o que Deus quiser.
Tem inúmeros outros ocorrendo no Brasil e no mundo, como a explosão da plataforma de petróleo no Golfo do México.
Outro péssimo exemplo dessa lógica financista é que as grandes petroleiras privadas, controladas pelo Sistema Financeiro, dispõem hoje de baixíssimas reservas de petróleo, pois não assumem o risco de investir na pesquisa e lavra para descobrir mais petróleo visando a reposição do que extraíram. Para não falirem, usam de todo e qualquer meio para se apropriarem de reservas de petróleo já descobertas ou com baixo risco exploratório, como é o caso do Pré-Sal.
Sistema financeiro está destruindo a economia real
Os problemas sob essa lógica financeira apenas se iniciam, a começar pela relação capital e sociedade que mudou, e muito. A partir da abertura financeira imposta às nações com economia dependente e, portanto, com suas soberanias constrangidamente submetidas, em que a distribuição imediata do lucro é a prioridade sobre tudo, inclusive do reinvestimento. E o pior, suas influências chegam ao ponto de controlar governos, de terem benefícios legais e fiscais, sem nenhuma contrapartida para o País. No nosso caso a distribuição de lucros é isenta, desincentivando o reinvestimento produtivo, acarretando que o maior peso tributário fica na população consumidora.
No Brasil e em países que têm economias dependentes, o financismo vem realizando aplicações financeiras via compra de ativos produtivos, sem nenhuma adição de tecnologia, aumento de produção ou de empregos. Buscam apenas e tão somente se apropriarem do lucro que estes ativos, via de regra, materializados com suados recursos do próprio País, e que se encontram em franca produção, e muitos já amortizados. Portanto transferindo apenas e tão somente o usufruto de um longo trabalho de muitos patriotas em detrimento do interesse nacional.
Assim estão sendo vendidos a preços vis, patrimônios reais e produtivos, como ativos da Petrobrás, Eletrobrás, Petroquímicas, Bancos Estatais, indústrias, minas, etc., que levaram anos e anos para serem construídos, tornados produtivos e sustentáveis, maturados e amortizados.
Enquanto isso, mesmo em países desenvolvidos, está ocorrendo um processo de reestatização de serviços essenciais como energia, transporte, educação, saúde e assistência social, água, saneamento, em que a população ficou refém da lógica financista, face ao aumento dos preços e queda de qualidade. Privatizar ou não é um falso dilema. A questão é definir o que é estratégico para a Sociedade e, em cada caso, o modelo que garanta para o País o controle sobre o atendimento das necessidades básicas da população. Se uma empresa pública se mostrar com baixa eficiência deve-se tentar entender o porque e resolver, antes de simplesmente mudar o modelo como impossível.
Este processo resulta em algo maior que a privatização: resulta na apropriação normalmente estrangeira do patrimônio nacional e sua capacidade de gerar riqueza, tecnologia e empregos no País, numa verdadeira perda de nossa Soberania.
Se os novos donos resolverem levar essa produção para o exterior, ficaremos com escritórios de importação ou embaladores de produtos estrangeiros, como já está acontecendo hoje, com medicamentos, eletrodomésticos, automóveis, etc. Basta uma ida a qualquer supermercado para ver como está essa dependência. Com isso liquidamos com nossa capacidade de produção, domínio tecnológico e de engenharia, capacidade técnica e competência dos nossos recursos humanos. Qualquer tentativa de retomada levará décadas e carecerá de uma união nacional muito forte.
Não havendo produção nacional, ficaremos a mercê de exportadores estrangeiros, que nos sujeitarão aos seus interesses, de preço, de disponibilidades, até geopolíticos como bloqueios comerciais, para nos ajoelharmos aos seus interesses.
Deve ser entendido que a importação de produtos significa exportação de competência técnica e empregos.
E se foi pelo ralo a nossa Soberania para comandar os interesses do País.
O financismo e as necessárias reformas institucionais do País
Esta lógica financista imediatista e de curto prazo está determinando as reformas estruturais que o País necessita urgentemente, mas sem nenhuma preocupação humanista com a futura realidade, cujo início já está sendo vivenciado, e que se não tratada agora, nos levarão, por via de consequência, a um caos social similar ao que países vizinhos, e do Oriente Médio e da África já estão vivendo.
A reforma trabalhista é meramente financista, pois não toca nas consequências das novas plataformas digitais, da robotização da produção, da uberização do trabalho, atingindo milhões de pessoas que ficarão indefesas frente a enorme concentração do poder financeiro, em contrapartida à miserabilização da Sociedade. Teremos uma incrível mudança na lógica trabalhista atual: não haverá mais local nem horário de trabalho, serão necessárias capacitações e especializações hoje incipientes ou inexistentes, menos recursos para o trabalhador estudar e se aperfeiçoar, e assim por diante.
A reforma da Previdência, proposta ainda no governo Temer, e agora, com Bolsonaro e Paulo Guedes, segue também a lógica meramente financeira de reduzir um déficit criado por transferência de contribuições previdenciárias para cobrir déficit no Orçamento Geral da União. Não está voltada para nova realidade do grande aumento da expectativa de vida da população, nem para a inversão da pirâmide etária do país nos próximos 40 anos, nem tampouco para as mudanças da lógica trabalhista que já está ocorrendo.
A finalidade da previdência social deve ser que a Sociedade dê condições vitalícias de vida para todos trabalhadores quando acaba ou fica reduzida sua capacidade laboral. Assim, a aposentadoria deveria ser a partir de idade definida atuarialmente para seu grupo com similaridade de desgaste no trabalho. O valor que receberá é que deverá guardar proporção com o tempo e montante de sua contribuição, inversamente sua expectativa de sobrevida pós aposentadoria, para um sistema mutualista de suporte à essa expectativa de sobrevida, e não à lógica perversa do sistema financeiro e suas regras para máximo lucro e mínimo risco, inclusive o atuarial da vitaliciedade. Deve-se salientar que hoje, com exceção de funcionários públicos e beneficiários de fundos fechados de previdência, os trabalhadores de um modo geral continuam necessitando trabalhar após sua aposentadoria, os fundos abertos não garantem a vitaliciedade.
A reforma tributária segue a mesma lógica de atacar o déficit financeiro, sem nem tocar nas causas de sua geração, como:
– dívida pública nunca auditada e seu exorbitante juro;
– desonerações, evasão e elisão fiscal sem finalidade de desenvolvimento e por prazo indefinido;
– impunidade na grande sonegação;
– complexidade e injustiça da carga tributária, etc.
Não há preocupação com a diminuição da desigualdade, com a injusta tributação regressiva sobre a população, com a importante função da tributação para fomentar o desenvolvimento socioeconômico, etc. Pelo contrário, se espreme o gasto público que beneficia a sociedade, mas não se toca do nababesco montante destinado aos pagamentos dos juros, escancarando a face perversa da lógica financista de se preservar, mesmo à custa da saúde, educação, segurança e qualidade de vida população.
A reforma política é primordial para todas as demais. A Sociedade Brasileira há anos vem dando demonstração de que não suporta mais esse processo político que levou à falta de representatividade da Sociedade, com o legislativo e demais poderes visando apenas seus próprios interesses, controlado por bancadas corporativas, aprovando todas as medidas financistas sem nenhuma contra partida com o País e seu futuro, gerando boa parte da crise econômica e ética que vivemos e que somente se agravará a um nível do insuportável.
Essas reformas devem visar à construção de um País Soberano, com desenvolvimen-to sustentado para uma qualidade de vida digna e justa de toda sua população, retomando o foco no Ser Humano.
Financismo concentrador de poder sem base real
Não bastasse a inversão de valores, o patrimônio financeiro é algo questionável em um cenário onde a emissão de moeda não tem mais lastro. O financismo, por sinal, tem como origem justamente num dinheiro sem valor real, em que a moeda passa a ter um fim em si mesmo, e não mais um meio para viabilizar a troca entre bens e serviços reais. A emissão de trilhões de dólares, como fez os EEUU na crise de 2008, permite a quem detém esse poder mandar no mundo, pois, afinal, tudo está sendo decidido pelo enfoque financeiro. Transações bancárias são virtuais, sem falar nas criptomoedas. Cada vez mais estamos descolados da economia real, fixando-nos em coisas que as pessoas não precisam para viver. E aqui vale citar o raciocínio feito pelo empresário Antonio Ermírio de Morais, no auge das especulações financeiras em “overnight” na década de 80, quando afirmou: “Eu quero ver se as pessoas irão comer ORTNs”… A ideia continua valendo. É só tirarmos da frase a expressão ORTNs e colocar dinheiro.
O resultado é um elevadíssimo grau de concentração da riqueza – e do poder. É fato que o 1% mais rico divide ao meio com os demais 99% da população mundial toda a riqueza produzida. Vale lembrar o trabalho dos pesquisadores Stefania Vitali, James B. Glattfelder e Stefano Battiston, da Universidade de Zurique (Suíça) Universidade de Zurique, intitulado “A Rede de Controle Corporativo Global”, que revelou que um pequeno grupo de 147 grandes corporações transnacionais, financeiras e mineradoras-extrativistas, controla a economia global, formando uma “super-entidade”, administrada por cerca de 20 bancos e apenas 660 indivíduos.
Além do problema da concentração, há também a elevação manipulada do risco e da incerteza, já que as empresas são interligadas, facilitando a propagação das crises. Isso nos permite entender porque os paraísos fiscais continuam a existir e porque os mercados financeiros não foram regulamentados.
A valorização do patrimônio nacional real e do investimento produtivo, tarefa que cabe aos governos soberanos, pode restringir a enorme volatilidade na economia, que provoca recorrentes crises mundiais e, no momento da fuga de capitais, resta para a sociedade local o bagaço e o passivo ambiental. Ou seja, não há compromisso com a sociedade quando termina a alta geração de dividendos.
Nesse contexto, a mídia é desinformadora e deseducadora, ao supervalorizar o valor de mercado de uma empresa, pelo valor manipulável das expectativas de ganhos e perdas de suas ações, sem vinculação com o valor real de seu patrimônio, propiciando uma volatilidade financeira em detrimento da economia real. Lógico que nada disso é de graça, e evidentemente bancadas pelos seus beneficiários.
Importância do controle do financismo
E não se trata apenas de defender o trabalhador, mas a Sociedade e o capital produtivo. Com o domínio do financismo, o Empreendedor, seja de pequeno, médio ou grande porte, se dispuser de recursos acabará preferindo a aplicação financeira, com menos riscos, responsabilidades e alto rendimento, e se não tiver recursos ficará a mercê desse poder financeiro e seus altos juros, que na linha do tempo o sufocará e quando não o expropriará de seu empreendimento se conveniente for ao banco.
É bom estarmos cientes de que, no momento em que acabarmos com o capital produtivo, com a geração de trabalho e tecnologia, não haverá mais necessidade de profissionais e trabalhadores, e estaremos acabando com o consumidor e produzindo uma população miserável. Qualquer semelhança com outros países, inclusive detentores de reservas de petróleo, em que a população está sendo empurrada pela miséria para emigrar, seguramente não é por mera coincidência.
Como exemplo, enquanto no Brasil estamos desnacionalizando irresponsavelmente as Empresas Nacionais, produtoras de riquezas e geradoras de empregos, sejam privadas ou estatais, a Alemanha adota política industrial protecionista para garantir a qualidade de vida de sua população:
Ao apresentar a Estratégia para a Indústria Nacional alemã de 2030, seu ministro da Economia, Peter Altmaier, disse que: “Ela representa o fim de uma Alemanha que assiste passivamente um acontecimento que já está a todo vapor nos EUA, Japão e China”. E completou dizendo: “Se países individuais ou empresas tentam assumir a liderança e ampliar suas posições de mercado, também temos o direito e o dever de nos defender“.
Ou seja, em outras palavras, se é bom para os que querem comprar nossas riquezas, é bom para nós alemães também. Vamos defender o que é melhor para o nosso País.
Por esse tipo de cultura e visão estratégica, um País que saiu falido da 2ª. Guerra Mundial hoje é uma das maiores economias do mundo, mesmo sem as riquezas naturais que possuímos.
E nós no Brasil estamos fazendo o quê?
– Desregulando o mercado financeiro, permitindo sua incrível concentração e a prática de juros e spreads para lá de abusivos;
– Desnacionalizando o patrimônio que temos de bom e o que nos resta de riquezas;
– Entregando, de mão beijada, todas nossas riquezas em troca de nada, quando muito de papel impresso, enquanto o mundo vive um processo de reestatização humanista estratégica;
– Acabando com a Soberania Nacional, retornando a País colônia, mero exportador de commodities e importador submisso por falta de alternativa nacional;
– Retrocedendo na estruturação de Direitos e Deveres, em lugar modernizá-los para as realidades que se avizinham;
– Aumentando a desigualdade social e a proliferação da miséria;
– Adotando o falido conceito do Estado Mínimo, quando precisamos do Estado Adequado para com a nossa soberania, que promova o desenvolvimento sustentado e justo da nossa Sociedade, não só para esta geração, mas também as vindouras;
– Abrindo mão de uma Estrutura Política que realmente seja a construtora de uma Organização Social Soberana, que fomente o nosso desenvolvimento econômico e humano sustentado, com qualidade de vida para toda a população.
A situação em que estamos hoje, qual seja, da predominância do financismo, de crise econômica e ética e suas consequências, de falta de políticas estratégicas para a nova realidade que o futuro está a indicar, mostra que não só os nossos sistemas de mediação dos interesses e conflitos sociais, como também nosso arcabouço institucional para termos um País Soberano, sustentavelmente desenvolvido com justiça social e qualidade de vida digna para sua população estão se mostrando superados, insuficientes e/ou submissos ao poder financista. É o que os fatos cotidianos estão a nos dizer, e exemplos para isso temos em profusão.
Se não forem mudadas as lógicas de organização e controle social, buscando um pacto social que retome o Humanismo como valor essencial, somente agravaremos a situação em que estamos, e aprofundaremos o abismo criado.