Através do vice-presidente Fernando Siqueira e dos diretores Silvio Sinedino e Francisco Soriano, a AEPET se fez presente nos funerais da grande brasileira Maria Augusta de Toledo Tibiriçá Miranda, ou mais simplesmente Maria Augusta Tibiriçá, incansável batalhadora das causas políticas e médico-sociais deste país, falecida na última terça-feira (7), como ressalta o texto produzido por Edson Teixeira de Queiroz, que publicamos em seguida.
AEPET e Petrobrás enviaram coroas de flores
“Cabe-me o triste dever de comunicar o falecimento às 14 h do dia de hoje da nossa amiga Maria Augusta de Toledo Tibiriçá Miranda, ou mais simplesmente Maria Augusta Tibiriçá, incansável batalhadora das causas políticas e médico-sociais deste país. Nascida em 6 de maio de 1917 em São Paulo, desde cedo acompanhou, nos anos 30 e 40, sua mãe Alice nas lutas sociais, como, por exemplo, a Campanha Nacional contra a Lepra (hoje dita hanseníase), campanha que historiou em seu primeiro livro, ‘Alice Tibiriçá: suas lutas e ideais’.”
Transferiu-se para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 1937, vindo a se diplomar como médica em 1941 na antiga Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, atual UFRJ. Fazia questão de participar dos jantares anuais de confraternização com seus colegas de turma ainda vivos, eventos que ela tomava a iniciativa de organizar. Trabalhou durante muitos anos no Hospital dos Servidores do Estado (HSE) e fez inúmeros cursos em sua área de atuação: organização e administração hospitalar, higiene do trabalho, serviço social, parto sem dor, saúde mental e psiquiatria dinâmica, participando de congressos e conferências médicas. Em 1962, passou a se dedicar exclusivamente à psiquiatria, abrindo consultório no largo do Machado, onde exerceu a profissão até os 80 anos. Há tempos Maria Augusta, sempre previdente, entregou-me um “curriculum vitae” seu que relaciona todos os cursos que fez, mas julgo descabido transcrevê-lo neste registro apressado. Ficará para outra ocasião.
Dedicou-se também, ainda antes que o tema se disseminasse pela sociedade, à defesa dos direitos da mulher. Nesse sentido, participou ativamente da redemocratização política do Brasil após a queda do Estado Novo, em 1945. Atuou na União Feminina do Flamengo, Catete e Glória (RJ), do Instituto Feminino do Serviço Construtivo e das lutas sociais do Instituto Carlos Chagas. Em 1949, envolveu-se, ao lado de sua mãe, na criação da Federação de Mulheres do Brasil, até hoje atuante, que promovia debates em torno de questões de interesse das mulheres e buscava mobilizá-las em defesa dos seus direitos, da proteção à infância e da paz mundia. Para sua tristeza, Alice Tibiriçá viria a falecer logo no ano seguinte, aos 67 anos.
Sua participação mais importante, porém, ocorreu como militante da Campanha “O Petróleo é nosso!”, na qual se empenhou visceralmente e da qual resultou a instituição do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás em 1953. Cerca de 50 anos depois (1982), narrou a histórica campanha com riqueza de detalhes no melhor livro já publicado sobre o assunto, reeditado em edição revista e aumentada em 2004, por ocasião dos 60 anos de criação da Petrobrás. Nesta nova edição, distribuída gratuitamente ao povo, Maria Augusta criticou veementemente a quebra do monopólio estatala do petróleo, levada a cabo durante o governo FHC.
Encerrada a campanha pela criação da Petrobrás nos anos 50, militou na Liga de Emacipação Nacional até sua extinção e nunca deixou de defender a Petrobrás contra seus inimigos dentro e fora do país, razão pela qual foi reconhecida oficialmente como “madrinha da Petrobrás”.
Atuou também em várias entidades médicas, entre as quais a Comissão em Defesa e pelo Desenvolvimento da Indústria Farmacêutica Nacional, ao lado do médico Mário Vítor de Assis Pacheco. Coroando esta campanha, lançou, no início dos anos 60, pela coleção “Cadernos do Povo”, da Editora Civilização Brasileira, um pequeno, porém consistente opúsculo intitulado “A nacionalização da indústria farmacêutica”, em que, com base em sua experiência de profissional médica, denunciou as mazelas dos cartéis dos laboratórios farmacêuticos multinacionais e propôs sua estatização.
Por causa deste livro e graças ao espírito tacanho dos militares que promoveram o golpe de 1964, que em tudo viam ameaças de comunização, teve sua casa invadida e foi presa logo em seguida ao golpe, sob a acusação de ser subversiva. Tendo em vista que jamais exerceu qualquer atividade partidária, o inquérito que a arrolou não deu em nada e o próprio coronel que o presidiu elogiou o livro, declarando, ao final, que “este é um livro que se pode ler”.
Voltaria, entretanto, a transitar pelos porões da ditadura em 1968, desta vez na tentativa de localizar e libertar seu filho Carlos Henrique (Caíque), estudante secundarista que participava das manifestações estudantis contra a ditadura, inclusive da Passeata dos Cem Mil. Nesta ocasição, Maria Augusta defrontou-se com o temível general Adyr Fiúza de Castro, um renomado torturador, que, ao recebê-la teve o desplante de afirmar “eu sou um militar, fui educado para matar”, ao que Maria Augusta respondeu “pois eu sou médica, fui educada para salvar vidas”. O jovem Caíque foi libertado, mas não resistiu aos abalos psicológicos sofridos na prisão e acabou por pôr termo à vida.
Durante a Constituinte de 1986, integrou a Comissão em Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo e contra os contratos de risco, que resultou na inserção de cláusulas nacionalistas no capítulo da Ordem Econômica na Constituição de 1986.
Em 1989, sob a liderança de Barbosa Lima Sobrinho, presidente da ABI, uniu-se a Euzébio Rocha (autor da lei da criação da Petrobrás), deputado Osvaldo Lima Filho, brigadeiro Ruy Moreira Lima, general e escritor Nélson Werneck Sodré, jornalista Heráclio Salles, ex-deputado Severo Gomes, ex-governador e vice-presidente Aureliano Chaves, ex-deputados Renato Archer e Neiva Moreira (editor da revista “Cadernos do Terceiro Mundo”) e outros, para fundar o Movimento de Defesa da Economia Nacional – MODECON, que, ao lado de entidades como a Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET), do Clube de Engenharia, sindicatos e movimentos sociais, se notabilizou por intensa luta contra a política de privatização de empresas estatais conduzida pelo governo Collor e, depois, pelo governo FHC, bem como pelo combate aos leilões de blocos da bacia sedimentar brasileira para exploração do nosso petróleo por empresas estrangeiras.
Como vice-presidente do MODECON mostrou-se ferrenha ativista na permanente defesa da democracia, dos direitos humanos, da soberania e interesses nacionais, e do desenvolvimento econômico com justiça social. Por todos estes motivos, seu nome foi incluído no “Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade”, de Schuma Schumacher (org.), RJ, Editora Jorge Zahar, 2000.
Em setembro de 1986, recebeu a medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foi também homenageada pela Câmara Municipal de São Paulo, sua terra natal, por iniciativa da vereadora Lídia Cunha. Anos depois (a memória me falha, mas creio que foi em 2002) recebeu a Medalha do Mérito do Conselho Regional de Medicina-RJ (Cremerj). Em 2010, aos 93 anos, foi a Brasília receber uma homenagem no Dia Internacional da Mulher.
Após o falecimento de Barbosa Lima Sobrinho, foi eleita por unanimidade para sucedê-lo na presidência do MODECON. Ao longo de toda sua vida, Maria Augusta jamais deixou de participar de atos de defesa da Petrobrás e, ultimamente, do Pré-Sal, bem como combateu a desnacionalização de empresas como a Vale do Rio Doce, a Usiminas e a Cia. Siderúrgia Nacional (“privatizada” com mais de US$ 70 milhões em caixa, que reverteram em favor do comprador, Grupo Vicunha).
Em meados de 2013, aos 96 anos, sentindo que lhe faltavam forças para prosseguir na luta, afastou-se voluntariamente da presidência do MODECON, do qual se tornou presidente de honra, afastando-se igualmente das atividades políticas como um todo e recolhendo-se a um merecido descanso, sem, porém, deixar de acompanhar a vida política e econômica do país.
Nos últimos doze meses o Alzheimer avançou cruel e rapidamente, causando-lhe dificuldades de concentração. Talvez o destino, como dizem, escreva certo por linhas tortas e Maria Augusta não chegou a tomar conhecimento da campanha de destruição conduzida pelos inimigos internos e externos da Petrobrás, a empresa que ajudou a criar e que pode-se dizer que amou mais que tudo na vida. Isto, com certeza, a teria mortificado.
Nossa grande amiga estava relativamente bem nos últimos dias, sendo ainda capaz, embora com eventuais ausências, de manter conversação, inclusive por telefone, com amigos e familiares. Falei com ela pela última vez no dia do meu aniversário, em que me telefonou e desejou felicidades. Não quis alongar a conversa para não cansá-la e lhe prometi que faria uma visita logo que pudesse caminhar sem os atuais incômodos. Preferi não lhe dizer que farei uma nova cirurgia em breve. Infelizmente, não houve tempo para cumprir a promessa.
Maria Augusta completaria 98 anos no próximo dia 6 de maio. É frustrante que seus amigos e familiares não tenham podido comemorar mais uma vez esta data.
Fica, neste registro sumário, um histórico incompleto de suas atividades, muito abaixo de seus méritos e de suas realizações.