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Cármen Lúcia não será chamada de presidenta porque não merece

Data da publicação: 12/08/2016

Pilar Del Rio, viúva de José Saramago, que preside a fundação que leva o nome de seu marido, insiste em ser chamada, quando se referem ao seu cargo na instituição, de presidenta. No documentário “José e Pilar” tem uma cena em que expõe os motivos desta opção e entra num embate com um jornalista que a entrevistava. Quando eu o assisti estávamos no auge da mesma polêmica surgida aqui no Brasil com a posse da PresidentA Dilma, que no meu ver era um assunto insignificante, coisa para pessoas pequenas e rancorosas se preocuparem, aonde, na falta de críticas mais pertinentes, se atinham a isto.

Quando questionada sobre o erro no português, Pilar argumenta que a língua é um reflexo da sociedade, como a mulher sempre foi posta numa posição inferior, não chegava a cargos elevados como o de presidente, isto é muito recente e poucas ainda chegam lá, por isso a palavra não era usada, mas a língua também é viva e deve incorporar seus novos usos. Dilma não fez desta questão algo menor, sempre insistiu em assim ser denominada sem se importar com as alfinetadas, que ao longo dos seis anos que ocupa o cargo, nunca ter cessado. A palavra Presidenta, com A no final, vem carregada de simbolismos importantes e tem a pretensão de demarcar o papel que a mulher vem conquistando e deve ter na sociedade, o de igualdade em relação aos homens. Portanto, a eleição da primeira mulher para ocupar esta posição tem grande significado para construção de uma nova postura que a civilização deve ter em relação ao seu lugar. Já o problema da grafia ser correta ou não se torna desprezível perante a função dada à palavra, só perdendo tempo com isso pessoas obtusas.

Porém, como ainda insistem tanto com a questão da correção do português, embora saibamos que isso se trata apenas de uma desculpa de críticos sem argumentos, é preciso que fique claro que a grafia é correta, então estão duplamente errados os que levam a discussão para este âmbito. Isso é confirmado em um artigo assinado por José Sarney na página da Academia Brasileira de Letras – cujo fundador, Machado de Assis, usou a palavra presidenta em sua obra – onde explica o uso da palavra e exalta a opção de Dilma pelo seu tratamento, escreve que é uma questão de escolha pessoal e ela quem deve decidir como quer ser chamada. Passados tantos anos e depois de muitas discussões, ainda tem pessoas que remoem este assunto, agora foi a vez da Ministra Cármen Lúcia.

Ao ser eleita para presidir o STF, a Ministra pede para ser chamada de “presidente”. Como disse Sarney, é ela quem escolhe, porém Cármen Lúcia não fez esta opção por preferência pessoal, isto ficou bem claro, o fez para destilar rancor contra a Presidenta Dilma. Neste momento ela deveria estar orgulhosa por estar neste posto, de ter sido escolhida por seus pares, enxergar a indicação como prestígio devido às suas competências, de ter chegado aí por seus méritos, mas ela prefere usar este momento para propagar hostilidades. A Ministra é a segunda mulher a ocupar o cargo, num meio predominantemente masculino, numa época em que as mulheres ainda não venceram definitivamente as barreiras para ocupar os mesmos cargos e receber os mesmos salários que os homens. O fato dela ocupar uma cadeira no STF ainda é extraordinário e ao chegar à sua presidência prefere atacar a grafia de uma palavra com tanto peso político e significado na busca da mulher por uma posição mais favorável na sociedade do que valorizar a importância do fato em si e ainda ignora a correção do português.

A Ministra Cármen Lúcia, no ímpeto de remoer rancores e desferir uma agressão gratuita, contribui para a retificação de um status quo dominante masculino ao debochar do uso da palavra presidenta, despreza a simbologia de afirmação feminina nela contida tão importante para a luta por direitos, parece ignorar estatísticas alarmantes em relação à condição de desigualdade em que a mulher ainda se encontra. Isto se torna mais grave quando vindo de uma mulher cuja posição que ocupa lhe exige sapiência e uma incessante busca por justiça, por isso ela não será chamada de presidenta, porque não merece.