Entre a reunião do G20, que se encerrou em Toronto no domingo, 27 de junho, em um ambiente moroso e o plano de austeridade francês que deverá ser anunciado nesta quarta-feira, 30 d,e junho, na reunião do Conselho de Ministros, os economistas não disfarçam: sim, a crise está aí e ela vai durar.
Nada de surpreendente se observarmos o horizonte. O que está em jogo nestas primeiras décadas do século XXI? A convergência progressiva dos padrões de vida através do planeta. De fato, a unificação da cultura mundial e a lógica de uma equalização dos níveis de vida se impõe progressivamente.
A surpreendente emergência de potências como a China, a índia ou o Brasil não é outra coisa senão a manifestação desta mudança histórica.
Trata-se de reencontrar a situação anterior à revolução industrial quando um chinês ou um indiano tinha acesso mais ou menos às mesmas condições de vida que um europeu. Todavia, as restrições ecológicas fazem que esta convergência não possa ocorrer a partir de cima: os dirigente do G20, cujo comunicado é marcado por um economicismo deveras míope esqueceram-se disto, mas o meio ambiente bate à porta sem parar como demonstram neste momento a maré negra no Golfo do México, as chuvas impiedosas na China ou as inundações no Brasil.
A convergência não poderá ocorrer no nível no qual apreciam os ocidentais, porque o equilíbrio ambiental, que já está mal das pernas, não resistiria. Ela vai se estabelecer bem mais abaixo. Isto significa que americanos e europeus deverão reduzir seu consumo material. Empobrecer-se, para ser mais claro.
Isto é o que eles estão começando a fazer, querendo ou não, pelo fato de que a crise econômica, que nasceu de seu esquecimento do meio ambiente por um sobre-consumo que levou a um endividamento desmesurado. Como disse Angela Merkel em janeiro de 2009, em Paris: “os países industrializados devem entender absolutamente que temos vivido além de nossos limites”.
É isto que está se passando neste momento. Não podemos esquecer um dos dados vitais, sempre abafado pelos economistas na mídia: a imensa desigualdade que existe atualmente.
A redução do consumo material não poderá ser benéfica a menos que ela se dê equitativamente. Isto pressupõe uma redistribuição drástica da riqueza, a socialização do sistema financeiro e o investimento em bens comuns úteis socialmente e pouco prejudiciais ao meio ambiente: educação, cultura, saúde, agricultura e uma outra matriz de energia. Os mestres no poder fazem o inverso. E a crise continua.
Hervé Kempf (Ecologia)
kempf@lemonde.fr.
Tradução: Argemiro Pertence – engenheiro, ex-vice-presidente da AEPET e comentarista internacional do programa ‘Faixa Livre’ (Rádio Bandeiras 1360 kHz – AM – Rio de Janeiro, 8 às 10 horas.
Fonte: Le Monde – Paris, 26 de junho de 2010