Operário da palavra, como se dizia antigamente, tive, na minha vida profissional, e, principalmente, política, a oportunidade de colaborar com alguns presidentes da República, todos, graças a Deus, patriotas e honrados.
Na maioria das vezes o fiz na condição de “ghost-writer”, mas como os “fantasmas”, mesmo que eventualmente se divirtam, devem ser preferencialmente discretos, não esperava agora nesta minha vestustíssima idade, ser citado seis vezes, quase sempre devido a essa condição, nas memórias de outro ex-presidente, com o qual tive a honra de não trabalhar quando ocupava o comando do executivo, em um governo no qual, segundo estatísticas do Banco Mundial, o Brasil andou para trás, do ponto de vista de PIB nominal, salário mínimo e renda per capita em dólares, e muitíssimo mais no âmbito da erosão da soberania, da desnacionalização da economia e da subalternidade geopolítica.
Procurado por uma revista semanal para comentar o acontecido, confesso que meu primeiro impulso foi retornar a ligação e dizer que, há tempos, atendendo à recomendação do próprio, esqueço ou ignoro qualquer coisa que esse senhor já escreveu, escreva ou venha a escrever no futuro.
Também me passou pela cabeça usar uma frase muito em voga nos anos sessenta – dos quais ainda não saímos historicamente – e responder, de chofre: – Não li e não gostei… os senhores vão me desculpar mas tenho mais o que fazer do que ficar dando importância ao tal de fulano.
Mas refreei, no entanto, a grosseria, já que a frase, independente da intenção e do contexto, poderia parecer rasteira e leviana, e decidi declinar de ouvir o que queria ler-me o repórter ao telefone, dando a entender que preferia esperar que a “obra”, devidamente impressa, chegasse às livrarias.
Não pretendo responder ao que foi escrito, nem declinar, em contexto pessoal, o nome do autor, neste texto, embora às vezes seja obrigado a usá-lo em um ou outro trabalho jornalístico.
Da mesma forma que também não falo dele – sequer em pé de página – em minhas lembranças, que descansam, sem nenhuma ansiedade, na gaveta, esperando a hora de vir a público.
Não o farei agora, nem muito menos – se ele vier a partir primeiro – depois que o personagem em questão entrar naquela idade póstera e escura, da qual não escapam nem os príncipes nem os faróis, que, em sua arrogância, estão condenados a se misturar aos mendigos e às paredes esfareladas das choupanas, no barro anônimo e humilde que será cultivado, pisado, cuspido e marcado, etologicamente, com urina, por aqueles que vierem, no futuro, quando as lápides – por mais caras sejam, ou mais brilhantes ou mais duras – já tiverem se transformado em pó e em esquecimento.
Não tenho por hábito praticar o esporte feio, fácil e indigno de atacar os mortos – impossibilitados que estão de defender-se pela rigidez de suas mandíbulas – mesmo com a desculpa de dar a entender que os insultos foram escritos entre paredes – como as cantadas no velho fado de Amália Rodrigues – quando os alvos ainda estavam vivos, respirando.
Publicado em 04/04/2017 em Jornal do Brasil.