1ª Parte: INFORMAÇÕES
Pathé Diagne: “A oposição entre idealismo e materialismo é uma alienação própria do pensamento europeu, da mesma maneira que a angústia da morte ou a fatalidade divina. Estes conceitos não traduzem necessariamente as preocupações do Asiático ou do Negro Africano” (P. Diagne, “Renascimento e Problemas Culturais em África“, em Meyer Fortes e Edward Evans-Pritchard, “African Political Systems“, 1940, traduzido por Teresa Brandão para Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981).Pathé Diagne, Senegal, 1934.
Xi Jin Ping: “A consciência política persiste ao aumentar a perspicácia e a capacidade de distinção; manter a lucidez e determinação política, aumentar o estudo e pensar com critérios políticos são nossos deveres” (Xi Jin Ping, extratos do discurso, em 29 de janeiro de 2016, ao Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China, em “Palavras-chave para conhecer a China“, edição bilíngue, FGV Editora, RJ, 2019). Xi Jin Ping, China, 1953.
Nos próximos 50 anos a África, provavelmente, se transformará no continente mais populoso do Planeta. Este fato provocará, por si só, imensa transformação no poder mundial. O Continente, que abriga povos árabes e descendentes dos primeiros homens na Terra, necessitará muito mais energia e áreas cultiváveis do que hoje. E, para que isso seja possível e satisfatório, os africanos deverão se libertar dos resíduos coloniais europeus e de seus sucessores, os estadunidenses. Esta deverá ser a nova realidade geopolítica: a emergência africana.
Do ponto de vista organizacional, as instituições, comuns aos sistemas atuais de poder: a financeira-administrativa, a judicial e a militar, terão novas estruturações. Elas possivelmente estarão sob a mesma autoridade, parental ou étnica ou política, isto é, pela união que mantenha algum acordo para o exercício do poder. Mas precisarão refletir as diferentes culturas africanas.
Meyer e Evans-Pritchard, já citados, chamam a atenção para o fator demográfico e o ambiente físico, fatores territoriais que condicionam a ordem econômica e os modos de vida.
No correr deste artigo submeteremos alguns elementos da geografia, da história e da contemporaneidade africana, com os adequados confrontos, à inteligência dos leitores.
ÁFRICA E BRASIL – ASPECTOS GEOGRÁFICOS
O Brasil possui muitas identidades com a África, sendo aquele continente quase quatro vezes maior. Tem-se aqui 8.514.876 km², a África, com as ilhas oceânicas, 31.440.319 km². Se constituímos um único país, no espaço africano se encontram 55 Estados, continentais e insulares.
A África Continental é dividida pela faixa de 5.400 km de extensão por 500 a 700 km de largura, próxima ao Trópico de Câncer, atravessando 16 países: o Sahel.
Acima, também tocando o Sahel, encontra-se o Deserto de Saara, com 9.200.000 km², verdadeiro divisor de duas Áfricas. Atravessando o Deserto e ao seu norte têm-se oito países, com maioria da população de língua árabe e religião islâmica: Argélia, Egito, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Saara Ocidental, Sudão e Tunísia, congregando quase nove milhões de km².
Ao sul do Saara está a África Subsaariana, ou Sul saariana, com 47 países e 22 milhões de km².
É dessa África Subsaariana que vieram os povos que fizeram do Brasil o país miscigenado, em termos de mistura de etnias e de culturas. Portanto, conhecer a África faz parte do conhecimento do próprio Brasil.
Na África do Norte há cerca de 262 milhões de pessoas, conforme as estimativas oficiais dos países para 2022. Considerando que se estima em 930 milhões a população do Continente, na África Subsaariana têm-se 668 milhões de habitantes, que se comparariam com os 207,8 milhões do IBGE, para o mesmo ano, no Brasil.
Os minerais existentes na Terra são classificados em três grupos: os energéticos, os metálicos e os não metálicos. A civilização humana precisa de todos eles para sua existência e conforto.
Na África estão 25% das reservas mundiais de urânio. Esse material é de fundamental importância para a produção da energia nuclear. Os maiores produtores são a África do Sul e o Gabão. A África do Sul também possui grandes reservas de antimônio, diamante, ouro (maior produtor mundial), manganês, platina, cromo, carvão mineral, ilmenita, rutilo, zircônio, terras raras, entre outros.
Dentre os países da África Subsaariana que detém importantes reservas mundiais de minerais estão: Zâmbia (cobre), Zimbábue (ouro e lítio), Guiné (bauxita e ferro), Gabão (manganês, petróleo e ferro), Namíbia (urânio), Uganda (cobre e cobalto), Sudão (ouro, prata, zinco, ferro), Gana (diamante) e Moçambique (carvão mineral).
O Congo, 4° maior país da África, é conhecido no meio científico como “aberração geológica”. Por ter “absolutamente tudo”, no que se refere a riquezas minerais, dentro de seu território, disse o diplomata André Luiz Azevedo dos Santos durante sabatina no Senado brasileiro. E, acrescentou: “Além de lítio e cobalto, lá tem terras raras, ouro e diamantes em quantidades admiráveis, além de minério de ferro, que é mais comum. Mas acima de tudo eles têm urânio e metais nobres e raros, fundamentais no mundo de hoje no que se refere à produção de energia elétrica, medicina nuclear e também para questões de segurança” (Fonte: Agência Senado).
As reservas de petróleo (óleo e gás) na Líbia levaram os Estados Unidos da América (EUA) a inventar pretexto para invadir aquele país da África do Norte. Mas há petróleo em outros países como Nigéria, Angola, Gabão e Guiné Bissau. Os pouco menos de 10% das reservas mundiais de petróleo, apontadas pelas estatísticas internacionais para África, ocultam a falta de investimentos, para manutenção dos preços, como se vê, claramente neste século, na Guiné Bissau.
A riqueza mineral africana, como ocorre com a brasileira, não tem servido para a população dos países onde elas se encontram. É sobretudo uma questão colonizadora que será a seguir tratada.
CONTINENTES COLONIZADOS
Berço da humanidade, a história da África começa em torno do VIII milênio antes da Era Cristã. Gamal Mokhtar, arqueólogo, nascido em Alexandria em 1918, autor de diversas publicações sobre a história do antigo Egito, na “Introdução Geral”, Volume II da “História Geral da África” (“A África Antiga”), trabalho patrocinado pela UNESCO, em português pela Editora Ática, divide em quatro zonas geográficas a história do período que vai de 8000 a.C. a 700 d.C.:
1. o corredor do Nilo, Egito e Núbia;
2. a zona montanhosa da etiópia;
3. o Magreb e o interior saariano; e
4. o restante da África, incluindo as ilhas oceânicas do Índico.
Na explicação do critério para esta narrativa histórica, Mokhtar aponta a diferença das pesquisas arqueológicas, a ordenação dos dados, refletindo o passado dos povos em limites arbitrários, introduzidos pelos interesses e acordos colonizadores, e estes nove mil anos “mais de suposições do que de dados”, que resultam em “zonas nebulosas nas quais (os europeus) escondem a evolução da civilização africana”.
Como exemplo, desconhecem-se as densidades populacionais deste passado africano, responsável pelas culturas que mais tarde se diferenciariam. “A originalidade do antigo Egito, em relação a outras áreas da África, talvez resida na alta densidade populacional ao longo das margens do rio Nilo, entre a Primeira Catarata e a porção meridional do Delta, tornando necessário o uso da escrita, para coordenação e sobrevivência dos povos ali fixados”.
Não muito diferente é a História do Brasil, e dos primitivos povos que habitaram as Américas, inclusive com teorias de continentes desparecidos, migrações de diversas etnias e até origem autóctone.
O médico e antropólogo alagoano Arthur Ramos (1903-1949), na “Introdução à Antropologia Brasileira“, volume II, “As culturas indígenas” (Editora da Casa do Estudante do Brasil, RJ, s/data), escreve: “embora o Homem Americano não seja autóctone e tenha provindo de troncos mongoloides, as suas culturas apresentam características tão afastadas das culturas asiáticas, que se podem considerar na realidade como autóctones”. E acrescenta: “suas línguas, sua cultura material, suas instituições foram experiências acumuladas ao sol do Novo Mundo”. Para dar sustentação a esta tese, cita José Imbelloni (1885-1967), italiano que ensinou na Argentina (Universidade de Buenos Aires), e levantou a hipótese de migrações sucessivas, sem contudo delimitar uma cronologia.
Tornou-se fundamental, para a apropriação europeia das riquezas africanas e americanas, retirar as bases das suas identidades culturais, tanto dos povos africanos quanto dos americanos. A exceção está nos EUA que se transformou num europeu colonizador, com os mesmos espíritos supremacistas e bélicos, associando-se na pilhagem globalizada.
Se restasse qualquer dúvida desta colonização profunda, que não admitisse qualquer libertação, os idiomas falados na África e nas Américas são europeus, e o falar faz parte do pensar.
O líder político beninense Albert Tévoédjrè (1929-2019) inicia seu livro “L’Áfrique Révoltée” (Presénce Africaine, Paris, 1958) com a seguinte estrofe de uma balada de autor desconhecido:
“Si tu es blanc, tu es parfait,
Si tu es métis, on pourrait te supporter,
Mais si tu es noir, va-t-en! va-t-en!”
Em tradução livre:
“Se você é branco, você é perfeito,
Se você é mestiço, podemos aguentá-lo,
Mas se você é negro, suma! vá embora!”.
A África teve mais cedo a presença europeia, quando o Mar Mediterrâneo se transformou, com a destruição de Cartago africano, no “mare nostrum” romano.
Porém foi na transição da Idade Média para a Moderna, com o fim daquele sistema econômico e a adoção do capitalismo (séculos XIV/XV), que a África e, logo a seguir, a América caíram sob domínio dos impérios europeus e assim se mantiveram até o século XX.
Em 1911 e 1912, com a partilha franco-espanhola do Marrocos e, quase simultaneamente, a anexação da Líbia pela Itália, restou apenas a Etiópia como nação não ocupada pelas europeias na África.
Ainda hoje, século XXI, as Ilhas Canárias (Espanha), Tristão da Cunha (Reino Unido), Açores (Portugal) são formalmente territórios europeus em águas africanas. O mesmo ocorre nas Américas e, especialmente, no Caribe, onde Reino Unido, Países Baixos e França têm territórios.
O Produto Interno Bruto (PIB) de toda África, conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2008, pela Paridade do Poder de Compra, foi US$ 3,18 trilhões. Em 2010, apenas 12 países europeus – Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Suécia e Suíça, também com dados do FMI, somavam US$ 15,64 trilhões. Anos do início e do término da crise financeira, iniciada nos EUA, denominada “subprime”.
Para onde vão as riquezas das nações?
Na continuação serão tratadas as contemporaneidades africana e brasileira e os movimentos para as efetivas independências, ou seja, para a soberania dos Estados Nacionais na África e do Brasil.
2ª Parte: Conclusões
Ruy Duarte de Carvalho: “Cheguei há pouco da onganda (1) do Tchimutengue (2) onde, a convite do José, participei nas últimas cerimônias da festa da puberdade da sua filha mais nova. Sentado com os demais à volta do elao (3) principal, fui aceite como filho da casa, comi da sua carne, bebi do seu leite azedo. Devo-lhe a minha definitiva votação a uma geografia e a um povo. Pela primeira vez me foi permitido sentir desfeitas as barreiras da raça, da cor e da cultura” (R. Duarte de Carvalho, “As águas do Capembáua“, em “Como se o mundo não tivesse leste“, União dos Escritores Angolanos, Luanda, 2ª edição, impressa na República de Cuba, junho de 1985).
Ruy Duarte de Carvalho nasceu em Portugal (1941) e faleceu na Namíbia (2010). (1) o centro habitacional mais importante onde o grupo familiar vive ao longo dos anos. É definido por grande anel de ramos de espinheira, em seu interior se abrigam os animais e as pessoas. Existe na onganda um círculo menor para os vitelos. As habitações dispõem-se em meia lua, respeitando preceitos comunitários. A onganda é elemento fundamental no contexto cultural dos povos pastores do sul de Angola. (2) provavelmente em Huambo. (3) conjunto de paus e pedras que, em frente do fogo, são revestidos de caráter sagrado. Ali se realizam os sacrifícios, se depositam oferendas e se celebram as festas e oficiam cultos.
Jofre Rocha: “Nessa hora mais sossegada, o barulho dos jipes e das carrinhas fez saltar o coração de muitas pessoas e não passou muito tempo, os brancos começaram a partir as portas das casas e todo musseque (1) ficou cheio de tiros, de gritos, de choros. Eram comerciantes e outros brancos cheios de raiva que tinham fugido dos Dembos (2) e do Uíge (3), que tinham deixado as fazendas de café, as lojas e até a roupa, só para escapar à guerra que tinha começado e que não estava poupar ninguém. Eram eles que estavam desforrar nos negros, aproveitar ali no musseque onde não tinham armas, nem catanas, nem só mesmo mocas. Foi na confusão dessa madrugada que mataram Afonso Moisés e levaram preso Neves Bendinha, Kapakassa, Santana e outros que nunca ninguém viu mais” (J. Rocha, “História dos Casos que tiraram o sono de Kalupeteka numa madrugada de 1961 no musseque Rangel“, em “Textos Africanos de Expressão Portuguesa“, Ministério da Educação, Gráfica Makutanga, Luanda, 1983).
Jofre Rocha, pseudônimo de Roberto António Victor Francisco de Almeida, político e escritor angolano, nascido em 1941, foi Presidente da Assembleia Nacional de Angola de 1996 a 2008. (1) em kibundo, língua local, são bairros periféricos de Luanda, ocupados por população com menos recursos. (2) município da província do Bengo, Angola. (3) uma das 18 províncias de Angola, localizada na região norte.
A história da África foi construída de fora para dentro, buscando justificativas para a exploração que, desde antes da Era Cristã, os europeus promoveram naquele Continente.
Pode-se, portanto, concluir que séculos de imposições ideológicas, contrárias à liberdade de pensar e para agir, influenciaram muito negativamente os povos africanos e, em especial, da África Subsaariana que, a toda esta opressão, ainda teve agravada a cor da pele, como exemplificada no artigo anterior.
Muitos trabalhos de autores ocidentais poderiam exemplificar esta ação colonial, mas traz-se um, relativamente recente, 2014, do estadunidense Frederick Cooper (1947); uma coletânea, na tradução de Bárbara Direito para o português (Edições 70, Lisboa, 2016), com título “Histórias da África. Capitalismo, Modernidade e Globalização“.
Deste, na “evolução das histórias da África” que constitui o trabalho inicial, fica evidente que os pensamentos autônomos, fora das imposições ideológicas ocidentais, eram descartados pela origem, sem mesmo discutir suas bases de sustentação e consequências desejadas.
Tome-se a década de 1960. A ideologia ocidental via a transição da tradição para modernidade, e isso deveria pautar as ações políticas e intelectuais africanas. Transcreve-se de F. Cooper, citado:
“Os modernizadores acreditavam que as principais variáveis de uma sociedade evoluíam juntas: as transições de economia de subsistência para economia de mercado, de famílias alargadas para famílias nucleares, de sistemas de estatuto hierárquico para sistemas de estatuto baseados no desempenho, de visões sagradas do mundo para visões seculares, de sistemas políticos de atribuição para sistemas políticos participativos. A modernização era possível na África porque o domínio colonial se tinha desmoronado”.
Ora, a redução à colonização como domínio territorial político-militar era a simplificação que permitia a continuidade colonial principalmente centrada na econômica.
Porém esta condição de pequena autonomia permitiu ao líder tanzaniano Julius Nyerere (1922-1999) promover revolução única, rejeitando modelos estrangeiros, com ênfase na cultura especificamente africana, inclusive por ser o único Estado Nacional que tem o idioma oficial africano: suaíli. Idioma banto da família nigero-congolesa, falada como primeira língua na costa oriental e em ilhas da África. Nyerere conduziu a união política entre o Tanganica e Zanzibar, que levou à constituição da República Unida da Tanzânia em 1964. Exemplo que, na melhor hipótese, ocupa um pé de página nas descrições sobre a história da África.
A série “Revoluções do Século 20“, da Editora UNESP, no volume “As Revoluções Africanas Angola, Moçambique e Etiópia“, faz uma única referência ao processo de libertação da Tanzânia, “a China Popular exerceu um papel progressista apenas na Tanzânia, em Moçambique e no Zimbábue”, que é também impreciso. Demostrando a profundidade da influência colonizadora, deformando as realidades facilmente observáveis, como do idioma, o modo de pensar do ser humano. África e Américas, incluindo obviamente o Brasil, mantiveram os idiomas dos colonizadores, o que sem dúvida tem sido um entrave para as efetivas independências.
Não se veja nessa Questão Nacional qualquer “quaresmasismo”, leia-se, a propósito, a análise de Nicolau Sevcenco (“Lima Barreto: A consciência sob assédio“, in “Lima Barreto Triste Fim de Policarpo Quaresma“, edição crítica, organizada por Antonio Houaiss e Carmem Lúcia Negreiros, ALLCA XX, Scipione Cultural, Madrid, Paris, México, Buenos Aires, São Paulo, Lima, Guatemala, San José, Santiago, 1997): “é a mais contundente crítica às instituições ocas, com que se travestia o regime de autoritarismos, conluios secretos, brutalidades e segregação social e étnica”, que ocorreu e ainda ocorre no Brasil e em todo mundo de pensamento colonizado.
Voltando a Frederick Cooper. A década de 1970 foi de ataque ao domínio industrial pelas finanças apátridas. Como é evidente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) impunha as condições das finanças, apresentando uma independência e tecnicidade que não dispunha. Uma condição estava na submissão ao sistema de exportações-importações, orientado pelos saldos e empréstimos, verdadeiro círculo viciosos difícil de romper.
No Brasil, os governos militares deste período criaram o slogan: “exportar é o que importa”, para dar a falsa consciência de solução que era, na verdade, um problema, como se viu logo na seguinte década (anos 80) – a primeira das décadas perdidas.
Idêntica situação também encontraram as repúblicas africanas recém “libertadas”, gerando a explicação dos prazos de maturação do desenvolvimento capitalista. A publicação “African Studies Review“, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), editada nesta época, traz diversos artigos, inclusive de autores considerados de esquerda, em favor dessa explicação.
A dificuldade de fazer do comércio internacional a solução de problemas que iam muito além dos econômicos, para os quais também não era solução, trouxe, então, uma “teoria da dependência”.
Esta Teoria surge na CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, com intelectuais de diversos níveis, vinculações políticas e países, dentre eles: os brasileiros, Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Fernando Henrique Cardoso, os chilenos Enzo Faletto e Roberto Pizarro, o alemão André Gunder Frank e outros.
A Teoria da Dependência trata do relacionamento das economias dos países chamados “centrais” ou “hegemônicos”, com os chamados “periféricos”, “dependentes”, suas economias e redes de relações políticas. Normaliza e justifica a perpetuação colonial, embora aponte autonomias dificilmente alcançadas, onde os avanços tecnológicos ficavam restritos ao nível de desenvolvimento da própria sociedade, e, consequentemente, das educações formais, acadêmicas.
Havia, no entanto, para todas estas teorias que os colonizadores impingiam, a falta de resultado, ou seja, o melhor nível de vida para o povo. E disto se valiam os mesmos e outros interesses colonizadores para os golpes de Estados, comuns na África, no Brasil e por toda América Latina.
Onde haveria espaço para culpar o FMI, o Banco Mundial e outros organismos internacionais da conivência com as explorações coloniais, das exportações de escravos à exportação de bens insubstituíveis, como o petróleo e outros minerais? Como esclarecer as populações se todo sistema de instrução e comunicação estava e está controlado pelo poder colonizador?
A última etapa é a que vivemos neste século XXI, porém, como muitas das ideias colonizadoras, foram brotando e sendo divulgadas para ganhar a naturalidade de algo que não pode ser diferente, ao longo de décadas. Esta ideologia é a neoliberal, de inexistente universalidade, que resulta na unipolaridade do poder. E as finanças apátridas sustentam esta ideologia .
A ironia desta solução é que as esquerdas nelas mergulharam como respostas a governos autoritários, a miséria da concentração de rendas, de bens, ao mesmo tempo que ensejava a formação de uma direita que iria se colocar na oposição, não deixando espaço para as soluções nacionais: ou você está com a liberdade, e consequentemente com a escravidão monetária das finanças, ou está com a opressão da direita, cujo destino será o mesmo e pelas mesmas razões: a precedência do capital (agora meramente financeiro) sobre o trabalho.
Não se pode concluir sem uma palavra de esperança. E, tendo iniciado com dois romancistas que atuaram no processo de libertação em Angola, nada melhor do que concluir com o poeta que liderou a independência política daquele País, seu primeiro Presidente: António Agostinho Neto (1922-1979).
“À frescura da mulemba (1)
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar.
À marimba (2) e ao quissange (3)
ao nosso carnaval
havemos de voltar.
À bela pátria angolana
nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar
Havemos de voltar
À Angola libertada
Angola independente”
(A. Neto, “Havemos de voltar”, em “Poemas”, 1961, escrito na cadeia do Aljube, Lisboa, outubro de 1960).
(1) figueira africana; (2) espécie de tambor; (3) instrumento de percussão.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, ex-professor universitário e membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), atualmente é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET