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Nacional-Trabalhismo: Da Carta Testamento à Carta de Lisboa

Data da publicação: 02/12/2020

iniciando a chamada Era Vargas. Getúlio ficaria por quinze anos ininterruptos no poder (1930 – 1945) e, logo depois, seria eleito pelo voto popular voltando à presidência entre os anos de 1951 e 1954.

A criação, em 14 de novembro de 1930, do Ministério da Educação e Saúde Pública, seguida, em 26 de novembro, pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, mostrava o rumo que estava sendo tomado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas: do trabalho e da cidadania. O povo entendeu melhor do que as elites e jamais faltou a Vargas, como abundantemente se lê nos repórteres e memorialistas da época.

Assim pode enfrentar vitoriosamente os três golpes de estado que sofreu, ainda naquela década.

Primeiro, em 1932, da oligarquia agrária e interesses estrangeiros, sediado em São Paulo. Em março de 1935 formou-se a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política cujo presidente de honra era o líder comunista Luís Carlos Prestes. O primeiro levante militar foi deflagrado no dia 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. No dia seguinte, outra sublevação militar ocorreu em Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Sem contar com a adesão do operariado, e restrita às três cidades, a rebelião foi rapidamente debelada. Ficou marcada na história como a Intentona Comunista, embora congregasse outros setores da oposição à Vargas. Finalmente o Levante Integralista. Movimento armado contra o governo federal que eclodiu em maio de 1938 por membros da Ação Integralista Brasileira (AIB), e que tinha como líder o candidato à presidência da República, Plínio Salgado. Antes, em 11 de março de 1938, os integralistas deflagraram pequenas agitações na Marinha e uma tentativa de ocupação da Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro. Participaram da intentona integralista, entre outros, Gustavo Barroso, Otávio Mangabeira, Flores da Cunha e o coronel Euclides Figueiredo. A todos estes golpes faltou o povo.

O nacional-trabalhismo de Vargas é vitorioso como se verifica no crescimento do PIB per capita (em reais de 1999); nos 30 anos da 1ª República cresceu 50%, de 512 (1901) para 770 (1931), e nos 14 anos seguintes, com Vargas, atinge 1.184 (1945), crescimento de 54%. As potências do Atlântico Norte não podiam aceitar uma concorrência deste porte. O golpe de 1945 foi dado. Mas o povo reconduziu Getúlio. Entre 1950 e 1954, o PIB per capita cresce 13% (dados do IBGE).

O psicossocial, a alma do povo, sempre esteve presente na Era Vargas. Em 1932, nomeia Heitor Villa-Lobos, o maior compositor erudito brasileiro, para diretor da Superintendência da Educação Musical e Artística (SEMA). O resultado foi a introdução do canto orfeônico nas escolas em todo Brasil e, em 1941, o próprio Villa-Lobos retrata o êxito do seu trabalho com a publicação de “A Música Nacionalista no Governo Vargas”. Ao entrar na guerra contra o eixo, Villa-Lobos e Manuel Bandeira compõe o hino “Invocação em Defesa da Pátria”, 1943, cheio do mais profundo sentimento de brasilidade:

“Oh divino onipotente!

Permiti que a nossa terra

Viva em paz alegremente

Preservai o horror da guerra

Zelai pelas campinas

Céus e mares do Brasil

Tão amados de seus filhos

Que estes sejam como irmãos

Sempre unidos, sempre amigos”.

A Carta Testamento de Getúlio Vargas, dirigida no dia do seu suicídio, 24/08/1954, a todo povo brasileiro, trata da soberania e da cidadania, ou seja, de sua vida de trabalho no nacional-trabalhismo.

“Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre, não querem que o povo seja independente”.

No passado recente, houve um acordão antinacionalista com as esquerdas, os comunistas, os militares e os liberais para evitar o triunfo eleitoral, dado como certo, de Leonel Brizola para presidente do Brasil após os governos militares.

Primeiro, impedindo a aprovação da emenda constitucional de Dante de Oliveira, deputado federal por Mato Grosso, em abril de 1984, restaurando a eleição direta para Presidente da República.

Segundo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concede a legenda e a sigla do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ao grupo encabeçado pela ex-deputada Ivete Vargas. “Consumou-se o esbulho”, afirmou Brizola, acusando o general Golbery do Couto e Silva de ter patrocinado a adversária. “O PTB original foi criado por Getúlio Vargas, em 1945, e era o partido do presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Pelo PTB, Brizola foi o deputado mais votado do Brasil em 1962 e pretendia disputar as eleições presidenciais de 1965, abortadas pelo golpe. Quinze anos depois, a legenda e o trabalhismo ainda tinham forte apelo eleitoral no Brasil”.

“Brizola já trabalhava para refundar o PTB há bastante tempo. Em 1979, antes da anistia, organizou um encontro de lideranças socialistas em Lisboa com esse objetivo. Os textos aprovados nessa reunião defendiam um “Novo Trabalhismo”, que lutasse para construir “uma sociedade socialista e democrática” (Memorial da Democracia, 12 de maio de 1980).

Terceiro, numa campanha, eivada de mentiras e acusações não comprovadas, articulada pelos órgãos de imprensa, ligados desde sempre ao liberalismo e aos interesses estrangeiros, além da articulação de partidos de esquerda para evitar a eleição de Darcy Ribeiro, vice-governador de Brizola, para o Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Finalmente, as fraudes eleitorais, onde a falta de energia elétrica em Minas Gerais foi a mais aberrante, para impedir a ida de Leonel Brizola ao segundo turno da eleição presidencial em 1989.

Se centramos em Brizola, é porque nenhuma outra liderança política tinha a penetração popular, a identidade com Getúlio Vargas, e a firmeza nacionalista e trabalhista do que ele. Demolir Brizola, como que se constatou neste século, era demolir o nacional-trabalhismo.

Transcrevemos o início da Carta de Lisboa, que é o primeiro documento do nacional-trabalhismo após a Era Vargas, de 17 de junho de 1979.

“Reconhecendo que é urgente a tarefa de libertação do nosso povo, nós, brasileiros que optamos por uma solução trabalhista, nos encontramos em Lisboa. E se o fizemos fora do País, é porque o exílio arbitrário e desumano impediu este Encontro no lugar mais adequado: a Pátria brasileira. A tarefa de organizar com nosso povo um Partido verdadeiramente nacional, popular e democrático é cada vez mais premente. Não desconhecemos as permanentes tentativas das forças autoritárias de esmagar os movimentos dos trabalhadores. Mas o repositório de coragem e dignidade dos trabalhadores faz com que eles não se dobrem nem se iludam. E com eles estamos nós, Trabalhistas.

Não podemos deixar de salientar, também, que aqueles que defendem uma posição de paciência, assim como a inoportunidade da luta contra a opressão, não são, exatamente os que se encontram em condições de sofrimento e perseguição, mas ao contrário, navegam nas águas da abastança e dos privilégios. Invoca-se, por outro lado, que a restauração da vida democrática e o ressurgimento de partidos autênticos dependem do sistema e de suas fórmulas jurídicas e legais. Consideramos, todavia, um ato de incompetência política e de deslealdade para com o nosso povo, aguardar as providências dos juristas do regime, de cujas fórmulas, somente por ingenuidade ou má fé, pode se esperar algo de diferente da vontade de institucionalizar a espoliação de nossa gente e a manutenção de uma estrutura política e econômica inaceitável para o povo brasileiro.

Fato novo mais importante da conjuntura brasileira não é nem a crise do regime, nem o fracasso de todos os seus projetos e promessas.

O novo, importante e fundamental, é a emergência do povo trabalhador na vida política do País. Não de um povo amedrontado depois de 15 anos de opressão, mas de um povo que se organiza sob as mais variadas formas – nos sindicatos, nas associações, em comunidades, em movimentos e organizações profissionais – com o mesmo objetivo: o de lutar por seus direitos, pela democracia. Como parte desta emergência se devem destacar as conquistas do movimento estudantil, e a luta agora vitoriosa pela reorganização da UNE.

A experiência histórica nos ensina, de um lado, que nenhum partido pode chegar e se manter no governo sem contar com o povo organizado e, de outro lado, que as organizações populares não podem realizar suas aspirações sem partidos que as transformem em realidade através do poder do Estado. A falta de apoio popular organizado pode levar a situações dramáticas como aquela que conduziu o Presidente Getúlio Vargas a dar um tiro em seu próprio peito.

Partidos e povo organizados constituem, por conseguinte, as duas condições fundamentais para a construção de uma sociedade democrática.

Analisando a conjuntura brasileira, concluímos pela necessidade de assumirmos a responsabilidade que exige o momento histórico e de convocarmos as forças comprometidas com os interesses dos oprimidos, dos marginalizados, de todos os trabalhadores brasileiros, para que nos somemos na tarefa da construção de um Partido Popular, Nacional e Democrático, o nosso PTB. Tarefa que não se improvisa, que não se impõe por decisão de minorias, mas que nasce do encontro do povo organizado com a iniciativa dos líderes identificados com a causa popular”.

No entanto, mesmo sendo um importantíssimo documento do nacional-trabalhismo, após sua edição, o Consenso de Washington, com o decálogo financista, abrindo espaços para a banca, em 1989, e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, colocaram na cena internacional um novo ente dominador, espoliador, supranacional que é a banca, o sistema financeiro internacional.

Trataremos de verificar que atualizações devem ser observadas para que os sempre vigorosos fundamentos do nacional-trabalhismo continuem iluminando as conquistas do Estado Nacional e dos trabalhadores do Brasil.

Pedro Augusto Pinho

Administrador aposentado

Fonte: Monitor Mercantil

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