Capítulo 1 – o grande mestre Gilmar Mendes
Nos jogos do poder, o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) é grande mestre. Ousaria compará-lo ao imortal Raul Capablanca, o campeão cubano que encantou o mundo no início do século, com seu estilo claro, lógico, linear e fulminante.
Seu grande adversário foi o russo Alexander Alekhine, com um estilo complexo, cheio de nuances, que acabava embaralhando o adversário. Só depois do jogo terminado, os adversários encontravam saídas para as complexidades colocadas por Alekhine.
No primeiro tempo, a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato conseguiram o feito histórico de terem derrubado uma presidente da República. Julgaram-se os reis da cocada preta.
Parcerias com a mídia não são institucionalizadas, mas pontuais, obedecendo aos interesses de ambas as partes. Além disso, a mídia – e a opinião pública – movem-se por eventos, alimentados por fatos reais ou factoides. E Gilmar e José Serra sempre foram mestres na arte de criar factoides jornalísticos.
Capítulo 3 – a delação da OAS
O que está em jogo é a delação da OAS.
Há duas empreiteiras na fila. As delações da Odebrecht apontarão preferencialmente o financiamento de campanha através de caixa 2. Delatarão Paulo Preto. Se a Lava Jato quiser pegar José Serra e Aloysio Nunes, terá que apertar Paulo Preto.
Já as delações da OAS visariam apontar corrupção explícita dos políticos, especialmente de José Serra – isto é, dinheiro para enriquecimento pessoal.
Capítulo 4 – o xeque de Gilmar
Aí entra em cena Gilmar, com toda sua maestria e atrevimento.
Conforme explicado no Xadrez de ontem, o suposto vazamento contra Dias Toffoli se autodestruía em 30 segundos. Na própria denúncia já se fazia a defesa de Toffoli e os próprios blogueiros de Veja se incumbiam de defendê-lo. Trata-se de um factoide similar ao grampo sem áudio da conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, com ambos se auto-elogiando.
Mesmo assim, tinha tudo para se tornar o mote para um xeque pastor em Janot e na Lava Jato. A sucessão de declarações dos procuradores da Lava Jato, os abusos, o carnaval em torno do decálogo de Moisés e outros atrevimentos foram criando ressentimentos cada vez maiores no STF. Nenhum Ministro se manifestava com receio de se tornar alvo de campanhas infames, como a que vitimou o Ministro Luís Roberto Barroso. É uma tarefa para Gilmar, o destemido.
Ele espera o momento, encontra o álibi na capa da Veja, e cai matando sobre a Lava Jato.
Xeque-mate de Gilmar em Janot? Não. Xeque duplo nas investigações, e explico.
Capítulo 5 – o xeque duplo
Há várias hipóteses sobre os autores e a motivação da denúncia:
Hipótese 1 – foi um membro da Lava Jato, aliado a José Serra e Gilmar Mendes, interessado em melar o depoimento da OAS.
Hipótese 2 – foi vingança de procuradores contra decisões recentes de Toffoli.
Hipótese 3 – partiu dos advogados da OAS.
As duas primeiras são hipóteses verossímeis. A Hipótese 3 é a única absolutamente inverossímil. Primeiro, pela constatação do próprio Janot, que não havia nenhum anexo nas preliminares da delação versando sobre a tal reforma na casa de Toffoli. Janot diz que seria impossível ao MPF vazar essa informação, porque não existia. Se não existia, como atribuí-la aos advogados da OAS? E a troco de quê eles divulgariam uma informação contra um Ministro do STF, que qualquer amador saberia que poderia comprometer a delação?
E, no entanto, Janot tratou rapidamente de difundir a tal versão, anunciando a suspensão das negociações com a OAS.
Não havia lógica. Era evidente que a tal capa foi um factoide visando anular a delação da OAS. A troco de quê o ladino Janot, que dispõe de vários oficiais generais analisando a conjuntura, não captaria as intenções do factoide?
Há duas hipóteses para explicar a decisão de Janot:
Hipótese 1 – Janot piscou. Assustou-se com a possível reação do Supremo e saiu acusando os advogados da OAS, mesmo sem provas, antes mesmo de iniciar qualquer investigação, seguindo o padrão Lava Jato.
Hipótese 2 – Janot aproveitou o carnaval em torno do episódio para afastar de si o cálice da delação da OAS.
Aposto fechado na segunda hipótese.
Tem-se, enfim, um jogo em que Capablanca e Alekhine combinam a resultado final: Janot e Gilmar trocam tiros entre si, simulam um combate entre Darth Vader e Luke Skywalker e ambos conseguem chegar ao mesmo resultado: a anulação da delação da OAS salvando Serra, Aécio e, democraticamente, possivelmente algumas cabeças do PT.
O jogo termina empatado com Gilmar e Janot vitoriosos. E, em um arremate elegante, Gilmar declara que a delação não deveria ser suspensa, para permitir a Janot o ultimo lance do jogo.
De fato, um clássico do xadrez político.
Publicado em 24/08/2016 em Jornal GGN.