rumos diferentes do que se verificou na África e na Ásia. Enquanto nesses dois continentes a colonização foi apenas de exploração e genocídio, espoliando, massacrando e manipulando povos já existentes e com os quais os colonizadores não se misturaram, a colonização ibérica nas Américas, além do caráter exploratório, também teve o viés de povoamento, no sentido de criar raízes e nelas assentar famílias que aqui permaneceram e se mesclaram aos povos originários, criando um povo novo.
Prevaleceu a avaliação de Edward Potts Cheyney (1861–1947): “A partir da época da colonização, a única população da América que teve significação foi a de origem europeia” (European Background of American History 1300–1600, Harper & Brothers, NY, 1906). O que mostra ser a política inglesa, tanto quanto a espanhola e a portuguesa, em relação aos povos originários, a de genocídio. Porém, ao contrário dessas duas últimas, a inglesa não teve qualquer caráter criador e inovador, apenas espoliativo.
Vemos a população indígena, que em 1500 era três vezes maior do que a portuguesa, em torno de 3 milhões, no Censo Demográfico 2010 estarem reduzidas a 817 mil pessoas, ou seja, aquelas que se autodeclararam indígenas (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “Os indígenas no Censo Demográfico 2010”, Rio de Janeiro, 2012). Mas quantos descendentes de indígenas, miscigenados com europeus e africanos, não temos em nosso país?
Os portugueses tiveram interesse em escravizar aqueles nativos, como já ocorrera na África, desde o século XV. Escreve Herbert Aptheker (1915–2003), historiador estadunidense: “A sujeição militar da África em tempos modernos e a escravidão de partes de sua população foi iniciada por Portugal em meados do século XV; nos anos seguintes, Espanha, Inglaterra, França e Holanda uniram-se à lucrativa empresa” (H. A., Uma nova história dos Estados Unidos – A Era Colonial, tradução de Maurício Pedreira do original inglês de 1959, para Editora Civilização Brasileira, RJ, 1967).
Naquele início do século XVI, quando Pedro Álvares Cabral chega a Porto Seguro, seu contato com os 500 nativos deu-se, certamente, com tupiniquins. Toda costa brasileira era ocupada pela tribo tupi-guarani, dentre eles, ao sul da Bahia e em São Paulo, encontravam-se os tupiniquins.
“A enorme extensão territorial e a desigualdade de desenvolvimento das suas várias regiões fazem do Brasil um país de violentos contrastes”. “Aquilo que para o Brasil litorâneo é a história mais remota, só registrada nos documentos da colonização, para o Brasil interior é crônica atual”. Assim o gênio Darcy Ribeiro inicia a “Introdução” da obra basilar Os índios e a Civilização (Editora Vozes, Petrópolis, 1979, 3ª edição), o quinto volume dos Estudos de Antropologia da Civilização.
Adotando os dados estatísticos do IBGE de 2010, anteriormente referidos, verificamos que a população autodeclarada como indígena está majoritariamente na Região Norte, 37,4%. Deve-se ressaltar que não estão incluídos os indígenas que fogem ou evitam, de algum modo, o contato com os “civilizados”. Especialmente na Região Norte, a população descendente da originária deve ser bem mais numerosa.
Detalhando os dados do IBGE para esta região temos, por estado, os números absolutos e a percentagem desta população como se segue:
1 – Amazonas: 168.880 indígenas, que compareceram ao levantamento do IBGE, e que representavam 4,8% do total da população do Estado;
2 – Roraima: 49.637, representando 11% do total do Estado;
3 – Pará: 39.081, representando 0,5% do total do Estado;
4 – Acre: 15.921, representando 2,2% do total do Estado;
5 – Tocantins: 13.131, representando 0,9% do total do Estado;
6 – Rondônia: 12.015, representando 0,8% do total do Estado; e
7 – Amapá: 7.408, representando 1,1% do total do Estado.
No citado estudo de Darcy Ribeiro, temos a seguinte assertiva: “O delta do Amazonas constitui uma das áreas de mais antiga ocupação europeia no Brasil. Já nos primeiros anos do século XVII ali se instalaram soldados e colonos portugueses. Estes núcleos encontrariam uma base econômica na exploração de produtos florestais como o cacau, o cravo, a canela, a salsaparrilha, a baunilha, a copaíba que tinham mercado certo na Europa e podiam ser colhidos, elaborados e transportados com o concurso da mão de obra indígena, farta e acessível naqueles primeiros tempos.”
Ao enumerar as áreas culturais do Brasil, conforme as populações aqui existentes ao tempo da chegada dos portugueses, Darcy Ribeiro, na obra citada, elenca com existência na Região Norte, a Amazônia brasileira, as sete seguintes:
a) área cultural Norte-Amazonas, com 25 tribos, distribuídas nas sub-regiões do Amapá – quatro; Norte Pará – cinco; Rio Branco – sete e Rio Negro-Putumayo – nove;
b) área cultural Juruá-Purus com 17 tribos;
c) área cultural Guaporé com 15 tribos, entrando na região Centro-Oeste (Mato Grosso);
d) área cultural Tapajós-Madeira com 16 tribos, também entrando no Estado de Mato Grosso;
e) área cultural Alto Xingu com 16 tribos, igualmente ocupando parte do Estado de Mato Grosso;
f) área cultural Tocantins-Xingu com 22 tribos, não só na Região Norte mas em partes das regiões Nordeste e Centro Oeste;
g) área cultural Pindaré-Gurupi com seis tribos habitando os estados do Pará e Maranhão.
Das restantes áreas culturais, com população inteiramente em território brasileiro, só teremos a denominada Nordeste, com 13 tribos espalhadas pela costa atlântica, do nordeste ao sudeste.
A proteção e manutenção destas populações/culturas são compromisso do Estado, pois são representativas da especificidade da Nação Brasileira. Elas constituem um dos eixos da nossa formação sociocultural brasileira. Difícil haver um brasileiro em cujas veias não corram sangue ameríndio. Impossível haver um brasileiro que não carregue, nas suas expressões culturais, a marca indígena, incorporada na língua, nos hábitos e costumes, na gastronomia, na toponímia, enfim, em tudo que diga respeito à existencialidade brasileira.
A integridade do patrimônio nacional vai além da defesa territorial – sem dúvida indispensável ação das Forças Armadas – mas inclui a especificidade cultural, hábitos que repetimos muitas vezes inconscientemente, por fazer parte do mais íntimo sentir e compreender brasileiro. Daí o sentido da valorização e da preservação do elemento indígena em nosso país, não como apêndice mas como fator estruturante da Nação.
Já esmaece a ideia globalizante pela própria inadequação de ser implantada em qualquer parte do mundo. A Ásia e a África se levantam. Precisamos fortalecer nossas características próprias e para tal a população originária é quem melhor nos fornece importantes elementos.
De Darcy Ribeiro transcrevemos de “O Destino Nacional” (in D. Ribeiro, O povo brasileiro, Companhia das Letras, SP, 1995):
“Nações há no Novo Mundo – Estados Unidos, Canadá, Austrália – que são meros transplantes da Europa para amplos espaços de além-mar. Não apresentam novidade alguma neste mundo. São excedentes que não cabiam mais no Velho Mundo e aqui vieram repetir a Europa, reconstituindo suas paisagens natais para viverem com mais folga e liberdade, sentindo-se em casa”. “Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante.”
Felipe Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
Fonte: Monitor Mercantil