pós 1970, marcada pelo controle da economia em geral pelas finanças, sobrepujando a produção e o comércio, que passam a estar controlados pela lógica do capital financeiro, cada vez mais autônomo das determinações produtivas reais” (Ranulfo Vidigal, A Barbárie Nos Espreita, Opinião, Monitor Mercantil, 05/06/2019).
O neoliberalismo assim como o comunismo são concepções dogmáticas, iguais às religiões. Para os crentes, a fé é muito mais importante do que a evidência, a palpável realidade.
Abertura
Uma questão já ocorreu certamente a meus argutos leitores. Por que dois brilhantes generais, líderes populares, vencedores de batalhas que libertaram seus povos da sujeição a potências estrangeiras, não tiveram, eles e seus países, o mesmo destino? Refiro-me, como é óbvio, a George Washington (1732-1799) e a Simón Bolívar (1783-1830).
Resposta: pelas opções econômicas.
As 13 Colônias, ainda que abrangessem área inferior a da metade libertada por Bolívar (Capitania Geral da Venezuela, Vice-Reino da Nova Granada e Vice-Reino do Peru), cerca de dois milhões de quilômetros quadrados contra quatro milhões e setecentos mil km², mantiveram-se unidas, coesas. A áreas libertadas por Bolívar estilhaçaram-se em seis países: Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela. E das Treze Colônias surgiram os ricos Estados Unidos da América (EUA). Daquela América de Bolívar, apenas países subdesenvolvidos.
A decisão da Washington foi seguir a orientação de Alexandre Hamilton (1757-1804) e Thomas Paine (1737-1879). Esta seria denominada, hoje, industrial desenvolvimentista ou das “finanças funcionais”.
Bolívar seguiu seu vice-presidente Francisco de Paula Santander (1792-1840), que fora influenciado pelo político inglês, defensor do monetarismo das “finanças saudáveis”, George Canning (1770-1827), o mesmo que procurou dissuadir Dom João VI de criar o Banco do Brasil. Santander considerava fundamental eliminar o déficit público, manter superávit fiscal mesmo ao custo de permanente imobilismo e da recessão. Endividou a Grã Colômbia em 4 milhões de libras esterlinas, tomadas aos banqueiros B.A. Goldschmidt & Co. para zerar o déficit orçamentário. Um verdadeiro serviçal da banca, avant la lettre (apud Indalecio Lievano Aguirre, Bolívar, Editorial Oveja Negra, Bogotá, 1987, 6ª edição).
Origem
Poderia tomar vários momentos para o início da ação da banca, como sinteticamente trato o poder das finanças. Pois, ao longo dos séculos, a finança se aproveitou e atuou conforme a economia e a sociedade lhe facilitaram, ou seja, vestiu várias máscaras.
Como um poder em permanente disputa pela dominação, a banca usou a arma da dívida, mas nunca se fiou exclusivamente nela.
Buscou dominar o poder político, em qualquer de suas representações, o poder psicossocial, na contemporaneidade o controle de todas as mídias, e trazer, pela fraude ou pelo engodo, todas demais expressões do poder para agir em seu proveito.
A banca objetiva transformar qualquer receita – salário, aluguel, lucro, tributo – em ganho financeiro. E promover a permanente concentração de renda.
O século XVII é por mim entendido como início do primeiro empoderamento da banca, que termina no primeiro quinto do século XX.
Na Inglaterra, os Stuart foram combatidos por Cromwell, os católicos pelos anglicanos, surgidos da rebeldia de Henrique VIII no século XVI, e as moedas tinham seu curso dificultado pela variação do valor de face, onde o preço do ouro, da prata e do cobre, além da cunhagem das ligas geravam disputas.
A aristocracia tradicional, latifundiária, passou a conviver com uma nova nobreza – o gentry – surgida da venda de terras da Igreja Católica aos ricos burgueses, após a Reforma Anglicana (1534). Tínhamos do lado da nobreza as receitas fundiárias, mercantis e financeiras.
Na Holanda, o período compreendido entre 1584 e 1702 é denominado ” Idade de Ouro Neerlandesa”. Lembremos que os Países Baixos iniciaram, em 1568, a luta pela emancipação contra Felipe II, da Espanha. Não se trata de narrar a “Guerra dos Oitenta Anos”, mas de ali fixar a banca com a criação, em 1602, da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais, como a Inglaterra criara, dois anos antes (31/12/1600), a Companhia Inglesa das Índias Orientais. E antes da Inglaterra fundara o Banco de Amsterdã (1609).
Embora mais numerosos e famosos sejam os escritores e os teóricos franceses (Jean Bodin, Montchrétien, Savary, Colbert, Mathias de Saint Jean), a disputa pelo comércio e pelo domínio dos mares dar-se-á entre ingleses e holandeses: 1652/1654, primeira guerra anglo-holandesa; 1665/1667, segunda guerra anglo-holandesa e 1672/1674, a terceira guerra anglo-holandesa.
Como é óbvio, a construção naval ganhou impulso extraordinário neste período, quer pela marinha mercante, quer pela de guerra, para garantir o comércio e combater os concorrentes.
Quem iria financiar a Casa Real – na época os Stuarts, que com outras denominações (hoje Windsor) mantém, até o século XXI, a coroa britânica – senão a aristocracia, tradicional e dos gentries?
Estes barões de terra, que já haviam se unido, em 1215 e 1225, para obrigar João sem Terra e seu filho Henrique II, a garantirem a gestão autônoma dos seus patrimônios, no que é conhecido como as “Magnas Cartas”, tinham agora o reforço da nova nobreza. Precisavam definir o mecanismo que garantisse o retorno, com juros, de seus empréstimos ao Rei, para construção das naus inglesas.
Deve-se a criação do Banco da Inglaterra (Governor and Company of the Bank of England) a Charles Montagu, conde de Halifax, como um banco privado, em 1694. Seu representante, Scot William Paterson, assim anunciou sua existência: “o Banco tem direito de cobrar juros sobre qualquer dinheiro que crie do nada” (Nicholas Hagger, A História Secreta do Ocidente, tradução de Carlos Salum e Ana L. Franco, Editora Cultrix, SP, 2010).
Quem eram os acionistas além do conde de Halifax? Ora, caros leitores, os próprios Stuarts/Orange (Guilherme e Mary), 10.000 libras cada – os Windsor seus descendentes ainda estão entre as mais ricas famílias da Terra, como os holandeses Orange -, os Marlborough, Shrewsbury, condes e duques (Carnavon, Oxford, Pembroke, Devonshire) e o filósofo liberal John Locke. Nicholas Hagger (obra citada) nos informa que a partir de 1751 até sua estatização (entre março de 1946 e maio de 1997) as ações do Banco nunca entraram em quantidades significativas no mercado.
O Banco privado emitiria a moeda nacional e fixaria seus montantes e taxas de juro. Era o verdadeiro controle da economia do País pelas finanças privadas das aristocráticas famílias.
Estava criada a banca que, por longo tempo, esteve, na Inglaterra e com influência mundial, nas mãos da família judia Rothschild, acionista de primeira hora, pois desde 1664 os judeus foram readmitidos na “pérfida Albion”.
” O que poucos conhecem e sabem é que a City (The City), Estado de Londres, é o centro de poder financeiro do mundo e a milha quadrada mais valiosa da Terra – contém o Banco da Inglaterra controlado pelos judeus khazares Rothschild, o Lloyd’s de Londres, a Bolsa de Valores de Londres, todos os bancos britânicos, filiais de 385 bancos estrangeiros e 70 bancos dos EUA”. (https://thoth3126.com.br/city-de-londres-the-crown-controla-e-manipula-o-suprimento-monetario-global/).
Primeiras Máscaras
Se a banca foi criada pela nobreza inglesa, com apoio dos ricos judeus no ocidente europeu, sua trajetória ocorre com mudança de atores e ações, sem descuidar do empoderamento das finanças. Mas há fios condutores nesta história: a cupidez, a ganância sem limite, o desrespeito, o menoscabo pela pessoa, pela humanidade e a pasteurização, a homogeneização da vida.
David Hume (História da Inglaterra Da invasão de Júlio César à Revolução de 1688, edição selecionada e traduzida por Pedro Paulo Pimenta, UNESP, SP, 2014, 2ª edição) afiança que “a predominância dos princípios democráticos incitou os fidalgos a destinarem seus filhos ao aprendizado da prática do comércio, e desde então essa ocupação tornou-se mais honorável na Inglaterra do que em qualquer outro reino da Europa”.
Analisemos esta acertiva.
Os filósofos ingleses, influentes no século XVII, eram aqueles que denominamos contratualistas, ou seja, que os homens faziam um contrato para a convivência social. O mais antigo, Thomas Hobbes (1588-1679), entendia haver uma “renúncia de direitos” ao poder absoluto do Estado. O acionista John Locke (1632-1704) considerava a transição para o “estado civil” um “consentimento” e não uma renúncia. Era um liberal. A questão que coloco é a seguinte: por que a nobreza, tradicional ou dos “gentries”, buscaria ainda participação mais ampla, democrática, acolhendo novos membros na esfera tão duramente conquistada ao longo de quatro séculos? Seria o aprendizado, referido por Humes, um acaso ou uma estratégia da aristocracia das finanças?
Creio que naquelas observações podemos encontrar a razão de não ter se constituído, com a Revolução Industrial, uma nova classe no poder, como ocorreu nos Estados Unidos da América, no que viríamos a denominar “robber barons” (os barões ladrões) que se aproveitaram do Estado e de uma nova economia para constituírem as poderosas famílias: Vanderbilt, Astor, Carniege, Mellon, entre outras.
Ao fim do século XVIII e início do século XIX, o mundo ocidental conheceu três revoluções: revolução industrial, revolução americana e revolução francesa. A banca precisava se defender destas mudanças e suas consequências.
Da revolução industrial, como vimos, assumindo seu controle. Da revolução americana tirando a lição que aplicaria na Índia e em suas colônias pelo mundo.
Da revolução francesa, pela vitória militar, mas, principalmente, pela nova definição colonial obtida com o Tratado de Viena, em 1815.
Aprofundemos a ação da banca diante destes obstáculos.
Escrevem os historiadores Peter J. Cain e Antony G. Hopkins (British Imperialism 1688 – 2015, Routledge, NY, 2016, 3ª edição – tradução livre):
“A aristocracia colocou-se na vanguarda da presença imperial, o patrocínio colonial foi grandemente ampliado, e o Império adquiriu um propósito cristão como instrumento de defesa moral contra o jacobinismo. A autoridade britânica se aprofundou em todas as colônias, reforçaram e fortaleceram a defesa da Grã-Bretanha contra agressores estrangeiros”.
“Não mais se perderiam colônias pelo erro”, como Lord Thurlow viu o beneplácito às “liberdades políticas” concedidas pela Corte.
“As Índias Ocidentais foram definidas como fornecedoras de algodão, para substituir os EUA, a Índia se tornaria um bastião de valores fundiários e um modelo de melhoria agrária e as instalações nos Estreitos (africanos e asiáticos) deveriam garantir a livre passagem para as exportações resultantes de Bengala e as importações da China”.
A ampliação da presença britânica após 1815 não foi vista como um retorno aos padrões anteriores às revoluções mas como a ênfase no crescimento das finanças e do comércio. Todos os investimentos coloniais significavam o aprisionamento pela dívida. Especialistas ingleses estavam disponíveis para ajudar nas constituições e regulamentações em todos países; missionários britânicos para salvar almas e modificar crenças bárbaras; e os políticos e diplomatas para ampliar a área de comércio da Inglaterra e implantar o sistema de espionagem mundial que ainda hoje dá relevo ao Reino Unido.
E a Inglaterra, a Grã-Bretanha estava sob o poder da banca.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado