Segundo a lenda, o ex-presidente da Petrobrás Henri Phillipe Reichstul (1999-2001) dizia que tinha tirado a pasta do tubo e que não havia como colocá-la de volta. Estava se referindo à sua gestão, cuja essência era mudar a cultura da Empresa, caracterizada por um corpo de profissionais que passava toda sua carreira na Petrobrás e pelo forte trabalho em equipe. Implementou uma série de ações para consolidar sua proposta de trabalho. Transformou refinarias, regiões de produção e outras instalações em Unidades de Negócios (UN). Elas teriam suas contabilidades individualizadas e deveriam competir entre si. Os gerentes tiveram suas remunerações elevadas substancialmente, principalmente os mais novos na empresa, passando a ter uma grande diferença salarial em relação aos técnicos. Foi criada a função de confiança de Consultor Técnico, justificada como forma de reter talentos e evitar a perda para outras empresas, num momento em que a atividade petrolífera estava sendo alterada no país pela mudança da legislação em 1997, com a nova Lei do Petróleo. Todas elas apontavam no sentido de aumentar a competitividade interna e externa à Companhia, em linha com as diretrizes do governo da época. A Petrobrás deveria abrir espaço para empresas privadas nacionais e internacionais, fazendo parcerias e oferecendo participações em seus negócios. Unidades de Negócios Estas mudanças foram efetuadas com a contratação de consultorias externas, anunciadas como modernizadoras da gestão da Empresa. Foram criados diversos indicadores, além dos já existentes, para aferição do desempenho. Os efeitos não demoraram a ocorrer. A utilização de mão de obra interna de outros órgãos para estudos técnicos de otimização e ampliação de unidades operacionais foi reduzida ou contratadas externamente, pois os homens-horas (HH) passaram a ser cobrados das UNs. O reaproveitamento de equipamentos de outras unidades, prática comum na companhia, foi muitas vezes descartado, quando eram de materiais mais nobres do que os necessários, pois seriam contabilizados por valores elevados, preferindo-se aquisição de novos. O problema é que os HH e os equipamentos seriam ou já tinham sido pagos pela Petrobrás, mas para as UNs a conta era diferente. Enfim, otimizar as partes produz resultado diferentes da otimização do todo. Uma outra alteração significativa de cultura foi a introdução dos conceitos de Cliente e Parceiro no linguajar interno. As UNs passaram a ser denominadas de Clientes pelo Cenpes, Engenharia e Materiais, quando tratavam de algum empreendimento ou tecnologia a ser implementada. Antes disso, todos se consideravam igualmente Petrobrás, procurando analisar o projeto dentro de sua visão e do que entendiam ser o melhor para a Companhia. A decisão que tinha um viés de equipe passou a ser de cumpra-se o que já foi decidido pelo Cliente. O termo Parceiro era destinado a empresas sócias da Petrobrás em algum empreendimento, podendo ser um banco, petroleira ou empreiteira. A Petrobrás sempre desenvolveu seus empreendimentos sem estes sócios, mas o governo da época entendia que, com a nova Lei do Petróleo, a Empresa deveria ceder parte de seu negócio para outros. Apesar da argumentação de que não necessitava deles, por ter competência técnica, recursos ou condições de obter empréstimos para os investimentos, o governo não permitia. Na época, o FMI – que ditava as regras, por ser credor e negociador da elevada dívida externa brasileira – considerava como aumento do déficit qualquer investimento efetuada por empresa que tivesse o controle da União. Se, na parceria, a Petrobrás fosse minoritária, o investimento estava liberado. A REFAP, refinaria localizada no RGS, foi transformada em REFAP S.A em 2001 e teve 30% de sua participação negociada com a REPSOL (empresa espanhola que havia adquirido a YPF argentina), junto com 10% do Campo de Albacora Leste, em troca de ativos da empresa espanhola e postos da rede EG3 na Argentina. O modelo deveria ser aplicado a outras refinarias e campos de produção de petróleo. Com a mudança de governo em 2002, o processo foi interrompido. A REFAP S.A. voltou a ser uma refinaria 100% Petrobrás em 2012, após longa renegociação. Hoje, o modelo continua em vigor, tendo sido alterada a denominação de Unidade de Negócio (UN) para Unidade Operacional (UO). Corpo Gerencial Foram eliminados níveis hierárquicos na cadeia de gestão e implantado na área gerencial algo parecido com a antiga Remuneração Global (RG), aplicável até então apenas aos escalões superiores. A alteração salarial do corpo gerencial criou um efeito claramente perceptível. A predisposição à discussão mais participativa deu lugar a uma visão mais de cumprimento de ordens de instâncias superiores. Não que ela não existisse antes, mas sempre havia espaço e disposição em apresentar alternativas e apontar eventuais pontos fracos, pois se considerava que a Petrobrás era a nossa empresa, onde passaríamos toda a nossa vida, tendo a obrigação de dar nossa melhor contribuição. Era o que se chamava vestir a camisa da empresa, semelhante ao que os japoneses praticavam e diferente da visão americana, com empregados mudando de companhias continuamente, sem maiores laços com as empresas. Para o corpo técnico ficava a impressão de que aumentara o receio de perda da função gerencial e da remuneração adicional, tão maior quanto mais novo o gerente. Consultor Técnico Os empregados da Petrobrás sempre reivindicaram a criação de uma carreira técnica. Com o passar dos anos, um técnico experiente era alçado à carreira gerencial. Embora pudesse não ser sua vocação, aceitava pela possibilidade de ascensão e aumento salarial, deixando, em muitos casos, de ser um bom técnico para se tornar um mau gerente. A criação da consultoria técnica visava, segundo a empresa, reter técnicos mais experientes que seriam disputados por outras companhias, dentro do cenário de abertura do setor petróleo, promovido pela mudança da legislação em 1997. Havia também outra conseqüência: promover uma maior competição entre os empregados, com uma cultura mais identificada com o trabalho em equipe. A nova direção via esta visão como atrasada para os desafios dos novos tempos. A consultoria não atendia à reivindicação dos técnicos, uma vez que era um cargo de confiança e não uma carreira. Ou seja, seria dada ou retirada conforme o entendimento gerencial do que era mais adequado para a gestão da Companhia, ainda que o técnico continuasse a desempenhar as mesmas atividades. O RH ainda hoje considera que está praticando a carreira Y (como pode-se verificar na sua página), com um momento de inflexão entre a carreira gerencial e técnica. A diferença de remuneração entre técnicos que, com a mesma experiência, desempenhavam as mesmas funções, criou uma divisão no seio das equipes. Hoje, há uma tendência a reter conhecimento para utilizá-lo como diferencial num momento de concorrer a uma vaga de consultor. São desafios que terão que ser debatidos de forma aberta, ouvindo os técnicos e não apenas aguardando que seja definida uma diretriz a ser seguida. Diomedes Cesário da Silva Ex-presidente da AEPET