Previsão de benefícios do Repetro superiores a R$ 1 trilhão até 2040, no que ficou conhecido como ‘MP do Trilhão’.
O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou auditoria operacional no Repetro, programa de benefícios fiscais para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Apesar de se tratar da maior renúncia fiscal na área aduaneira, “verificou-se que não há divulgação de dados a respeito de beneficiários e valores relativos às desonerações concedidas ou indicadores e metas que se desejam alcançar”, segundo o TCU.
De 2005 a 2015, o Repetro representava 23,61% do total aduaneiro renunciado; a título de comparação, a Zona Franca de Manaus, segunda maior renúncia, representava 17,58%.
“Devido à falta de informações suficientemente confiáveis e transparentes”, o TCU não conseguiu atualizar os números. Porém, “considerando os dados apresentados pela RFB, referente ao período dos anos 2000 a 2021, verifica-se que já foram importados mais de R$ 903 bilhões em bens ao amparo do Repetro, correspondendo a pouco mais de R$ 241 bilhões em desoneração tributária”. Em 2020, foram mais de R$ 50 bilhões (considerando somente impostos federais).
O Repetro foi prorrogado, com mudanças, em 2017. Então consultor da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro Lima calculou, naquele ano, que as alterações promovidas pela Lei 13.586 – a partir do que ficou conhecida como MP do Trilhão -, que concede as isenções fiscais, provocarão uma perda de arrecadação do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) superior a R$ 1 trilhão.
Apesar da montanha de dinheiro, “a auditoria constatou deficiência dos estudos prévios sobre o problema público a ser enfrentado pelos regimes, ausência de metas/indicadores e de instrumentos de monitoramento, transparência e prestação de contas para os regimes. Verificou-se que não há divulgação de dados a respeito de beneficiários e valores relativos às desonerações concedidas ou indicadores e metas que se desejam alcançar.”
O TCU verificou que “os instrumentos de controle operacional dos regimes não garantem a conformidade dos benefícios concedidos. Não há acompanhamento periódico da manutenção dos requisitos de habilitação e existem disfunções em relação ao controle de prazos de utilização dos bens no Repetro-Sped.”
Porém o Tribunal constatou que o Repetro, após 2017, foi efetivo na “nacionalização de atividades do setor de óleo e gás que ocorriam no exterior”. Afirma também que os benefícios fiscais poderão ser compensados pela arrecadação passados cinco anos da concessão.
Histórico do Repetro
Segundo o relatório do TCU, o Repetro foi instituído por meio do Decreto 3.161, de 2/9/1999, para possibilitar a atração de investimentos privados no setor de óleo e gás, em um cenário de abertura econômica do mercado brasileiro à exploração e produção por empresas privadas e diante de uma estrutura tributária e aduaneira que onerava sensivelmente a aquisição de bens de capital importados.
O regime original vigorou até 31/12/2020. Antes da expiração do prazo de vigência, houve uma completa remodelagem e prorrogação até 31/12/2040, materializada por meio da Medida Provisória 795/2017, no governo Temer, convertida na Lei 13.586, de 28/12/2017.
Prorrogado e alterado, ganhou o nome de Repetro-Sped (regime especial de importação com suspensão dos tributos federais para bens com permanência definitiva na área de petróleo) e Repetro-Industrialização (regime de tributação especial para produtos utilizados no processo produtivo da área de petróleo) e corresponde hoje ao maior valor de benefícios tributários anuais.
O acumulado de desoneração tributária desde a implementação do Repetro-Sped (2018-2021) supera R$ 125 bilhões, tendo ultrapassado o montante de R$ 50 bilhões em 2020 (considerando somente impostos federais).
“Não obstante o objetivo declarado de simplificar as regras de tributação, as análises preliminares indicaram, em relação ao Repetro – seja o original ou o Sped – um complexo sistema especial tributário e aduaneiro que se apresenta como a maior renúncia fiscal aduaneira. Foram constatados riscos atrelados aos processos de habilitação, concessão e controle dos benefícios associados ao Repetro, potencializados por significativa assimetria de informações entre agentes estatais e operadores de mercado, além de vultosos montantes de recursos envolvidos e ausência de transparência dos custos e resultados alcançados pelo regime”, destaca o relatório do TCU.
“(…) concluiu-se que, de um modo geral, houve deficiências no processo de instrução e elaboração dos instrumentos normativos que consubstanciaram a reformulação e prorrogação do Repetro, as quais consistem tanto na existência de fragilidades e lacunas na fundamentação apresentada e documentada para lhe dar suporte; como na parca integração, interlocução e coordenação entre os órgãos e ministérios gestores de ações e pastas temáticas afetadas pelo regime, o que acaba por retroalimentar negativamente a questão da justificação. Apesar da natureza multissetorial, a reformulação do regime “ficou restrita, quase que integralmente, ao Ministério da Fazenda/Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
Evolução da produção de petróleo no Brasil (gráfico: elaboração Tribunal de Contas da União – TCU)
Êxito na nacionalização
A auditoria do TCU encontrou pontos positivos no programa: “Observou-se que, em relação à tentativa de nacionalização de atividades que se realizavam no exterior, a política obteve êxito. Nos anos de 2017 a 2020, houve uma nacionalização acelerada de equipamentos anteriormente alocados em empresas estrangeiras. O movimento de importações e exportações desses equipamentos, com destaque para as plataformas de produção (FPSO), foi tão elevado e concentrado que causou forte perturbação nos dados relacionados à balança comercial brasileira.”
Com dados fornecidos pela Petrobras, o TCU estima que o custo relativo ao investimento de capital em uma FPSO (plataforma de exploração e produção) representaria algo em torno de US$ 12 bilhões em despesas, que seria elevado para US$ 18 bilhões se não houvesse o Repetro, aumentando em 15% o investimento total de capital, somente com o ajuste relativo à FPSO.
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) simulou os resultados em termos de arrecadação estatal e de viabilidade do projeto, representada pelo valor presente líquido (VPL), relativos a um campo hipotético de grande porte (800 milhões de barris de produção), nos regimes de concessão e de partilha.
“Os resultados demonstram que o projeto seria viável em ambos os regimes, com ou sem os efeitos do Repetro-Sped. Todavia, a rentabilidade do projeto ao investidor privado e, por conseguinte, a sua atratividade econômica apresentam significativa piora no cenário hipotético ‘Sem Repetro’, seja no modelo de concessão ou partilha”, anota o relatório do TCU.
“Para o regime de concessão, os dados indicam que o projeto ‘Com Repetro’ apresentaria um VPL de US$ 2,5 bilhões e uma arrecadação estatal de US$ 5,9 bilhões, tendo deixado de onerar US$ 1,1 bilhão. No cenário ‘Sem Repetro’, o VPL do projeto reduziria para US$ 1,6 bilhão (perda de 34% do valor ao investidor) enquanto a arrecadação estatal, caso ocorresse (tendo em vista que o novo VPL do projeto poderia não ser suficiente para atração de potenciais investidores) atingiria US$ 7,1 bilhões (elevação de 20%).”
Para o regime de partilha simulado, as análises são semelhantes, com cenário “Sem Repetro” bastante inferior, “o que indica situação temerária para investimento. Possivelmente, nesse caso, a decisão da empresa seria de optar por projeto mais atrativo economicamente e o campo não viria a ser desenvolvido”.
Os resultados do Repetro-Sped foram considerados insuficientes para atração de investimentos em campos de pequeno e médio porte, especialmente em terra, pois sua efetividade se correlaciona diretamente ao tamanho das reservas.
Receitas petrolíferas da União (gráfico: elaboração Tribunal de Contas da União – TCU)
Arrecadação futura compensaria desoneração
“A maior parte das desonerações tributárias do Repetro ocorridas no ano de 2013 passaria a ser recompensada por arrecadações decorrentes de receitas geradas a partir de 2018, e assim sucessivamente. Entre os anos de 2020 e 2021, por exemplo, houve cerca de R$ 80 bilhões de desonerações, que tenderiam a ser recompensadas por arrecadação decorrente de receitas a partir de 2025 ou 2026.”
“Analisando então a estimativa de receitas divulgadas pela Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), nota-se que, a partir do ano de 2026, o país deverá experimentar uma forte elevação das receitas governamentais oriundas de campos do pré-sal. Apenas em 2026, por exemplo, a PPSA estima arrecadar cerca de US$ 21 bilhões (equivalente a R$ 100 bilhões, ao câmbio de R$ 5/US$), chegando a quase US$ 60 bilhões em 2031 (R$ 300 bilhões ao mesmo câmbio).”
“Conforme corroborado por agentes operadores de campos, o Repetro-Sped se trata, em verdade, de uma postergação arrecadatória, deixando o Estado de arrecadar nas etapas iniciais do desenvolvimento, quando ainda não há geração de receitas e é expressivo o volume de investimentos, para arrecadar quando o produto dos investimentos estiver sendo gerado, ou seja, quando a produção de óleo e gás se realizar”, indica o TCU.
Na conclusão, o Relatório do Tribunal de Contas afirma que “não existe definição de responsabilidades institucionais pelo monitoramento e avaliação dos regimes – não se identificou qualquer tipo de avaliação dos seus resultados. Mesmo depois de 20 anos de vigência, considerando que o Repetro-Sped seja uma continuidade do Repetro original (criado em 1999), não se observou nenhum estudo dos órgãos envolvidos no sentido de aferir sua eficácia, efetividade ou eficiência.”
“Já no que se refere à nacionalização de atividades do setor de óleo e gás que ocorriam no exterior, exclusivamente por questão de planejamento tributário, a remodelagem do Repetro ocorrida em 2017 foi eficaz nesse objetivo”, finaliza.
O relator do processo TC 031.800/2016-5 é o ministro Aroldo Cedraz; o acórdão 524/2023 foi votado no final de março.
Publicado originalmente em 05/04/2024 em Monitor Mercantil.