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AEPET responde aos argumentos do Senador José Serra sobre seu projeto que retira da Petrobras a condição de operadora única no pré-sal

Data da publicação: 30/11/2015

Com o objetivo de contribuir para o debate público relativo às políticas públicas para exploração dos recursos do petróleo do pré-sal, a associação apresenta seus argumentos. Trata-se de uma resposta às justificativas apresentadas pelo senador José Serra ao projeto de lei PLS 131/2015, de sua autoria e em tramitação no Congresso Federal, em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado. [1]

Petrobras: a crise é estrutural ou conjuntural?
O senador afirma de maneira contundente que “a crise na Petrobras é estrutural e extremamente grave”. Não negamos a crise ora enfrentada pela Petrobras, mas entendemos que ela tem aspectos conjunturais e estruturais, assim como reúne causas de origem nacional e internacional.

De natureza conjuntural e nacional, elencamos as consequências econômicas e políticas da corrupção instalada para lesar a companhia e revelada pela Operação Lava Jato. Trata-se da articulação de um cartel de empreiteiros e outros empresários que, para fazer prevalecer seus interesses privados na relação com a estatal, se utiliza dos políticos traficantes de interesses, executivos de aluguel nomeados para o topo da hierarquia corporativa, além dos agentes da lavagem de dinheiro e dos bancos para guarda do dinheiro produto da fraude.[2] Ainda nesse grupo, a crise política decorrente da instabilidade precipitada após uma disputada corrida eleitoral pela presidência. Ao desarranjo político se soma a crise econômica e seus impactos na economia nacional. É notório que a conjuntura política e econômica tem impactos na principal empresa controlada pelo Estado brasileiro. Desvalorização cambial abrupta, inflação, redução da demanda interna, corrupção e suas consequências ao endividamento e ao fluxo de caixa da estatal são classificadas como aspectos conjunturais e nacionais.

Em relação aos aspectos conjunturais e internacionais que contribuem para o momento crítico da Petrobras podemos destacar a forte variação do preço dos produtos primários (commodities).


Gráfico 1. Indicador dos preços dos produtos primários (commodities) [3]

A ascensão e a queda destes preços, cotados em dólares, depende da liquidez da moeda americana no mercado mundial e da demanda de países como a China. A quantidade de dólares no mercado é definida pelo Federal Reserve (FED), o chamado banco central americano que é, na verdade, um cartel de bancos privados que controlam a emissão da moeda. Depois da precipitação da crise em 2008/2009 o FED adotou a chamada facilidade quantitativa, ou quantitative easing (QE), e injetou cerca de 80 trilhões de dólares, em quatro etapas, no sistema financeiro. A enxurrada de dólares diminuiu o custo do dinheiro, facilitando o crédito, e contribuiu para a escalada dos preços dos produtos primários. À cada dólar emitido pelo FED corresponde um dólar em título da dívida pública lançado pelo governo dos EUA. A política adotada para enfrentar a crise do sistema financeiro transferiu os prejuízos dos bancos privados para a dívida pública que então disparou. [36]


Gráfico 2. Dívida do governo dos EUA (Títulos públicos no mercado) [4]

A escalada da dívida americana impõe limites à política monetária adotada pelo FED. O ciclo de liquidez foi encerrado e o FED prepara-se para um ciclo distinto com a elevação dos juros, a diminuição da liquidez e a valorização do dólar. A diminuição do ritmo do crescimento econômico chinês contribuiu para a redução da demanda e a queda dos preços das commodities. Depois de quase quatro anos, de janeiro de 2011 a agosto de 2014, com preços do petróleo oscilando acima dos 100 dólares por barril, os preços despencaram para cerca de 50 dólares em meados de 2015. A variação abrupta dos preços do principal produto da Petrobras, por causas conjunturais e internacionais, teve impacto nos seus resultados e no seu planejamento para o futuro.


Gráfico 3. Preço do petróleo do tipo Brent em dólares por barril[3]

Passamos aos aspectos estruturais e nacionais da crise na Petrobras. O endividamento do Estado brasileiro restringe sua ação enquanto não se superam as regras impostas pelo mercado. O dólar flutuante, o livre fluxo de capitais e a internacionalização da economia nacional limitam a atuação estatal e o cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Os compromissos com a dívida levaram o Estado a acelerar os leilões de petróleo com o intuito de arrecadação de taxas imediatas. Como os 15 bilhões de reais amealhados através do bônus de assinatura no leilão de Libra, para constituir o chamado superávit primário.[33] Trata-se de arrecadação destinada ao pagamento preferencial dos juros da dívida aos rentistas nacionais e estrangeiros, na maior parte bancos.


Gráfico 4. Dívida interna do Brasil em bilhões de reais [5]

Para garantir acesso às reservas, aspecto fundamental para a sobrevida de qualquer petroleira, a Petrobras concentrou esforços financeiros que tiveram impactos no seu endividamento. Esta questão foi elencada entre os aspectos estruturais para fins didáticos. Ela pode ser superada caso se rompa com a lógica neoliberal, de privilégio ao capital, com a realização da auditoria da dívida pública prevista em constituição e tratada em CPI no congresso federal. [6][7]

Por fim chegamos aos aspectos estruturais e internacionais que contribuem para a atual situação da Petrobras. O planeta é finito, os recursos naturais têm limites e a capacidade do meio ambiente em arcar com da atividade humana também é uma restrição. Os recursos fáceis de se produzir, baratos, acessíveis com baixo dispêndio de trabalho e de capital não estão mais disponíveis. O petróleo barato de se produzir não existe mais, em média cada novo barril descoberto é mais caro de se produzir do que um barril extraído em um campo maduro e decadente. A primeira resposta da indústria do petróleo a essas restrições foi o endividamento e a prioridade às atividades de exploração e produção (E&P). [8][9][10][11][34]


Gráfico 5. Investimentos e produção de petróleo das maiores companhias de petróleo com ações negociadas em bolsas de valores [11]

As empresas multinacionais que já tiveram mais de 90% das reservas mundiais, hoje detêm apenas 10%. Em termos de produção, também perderam sua hegemonia frente as companhias nacionais que produzem cerca de 75% do petróleo mundial. A produção das multinacionais é decadente desde 2005. Os mercados dos EUA, Japão e Europa são declinantes em relação ao consumo de petróleo. [9][12]


Gráfico 6. Consumo de petróleo por parte do mundo [12]

Os mercados emergentes e as companhias nacionais de petróleo assumem o protagonismo internacional, mas também enfrentam as dificuldades estruturais e internacionais. Os custos de E&P dispararam a partir de 2000 numa taxa composta média anual de 10,9% de crescimento. [11]


Gráfico 7. Custos de E&P por barril produzido [11]
(CAGR: Compound annual growth rate ou taxa composta de crescimento anual)

No primeiro momento os preços acompanharam os custos, sustentados pelo aumento das dívidas da indústria e dos consumidores. Em seguida, a recessão econômica mundial, associada a aspectos geopolíticos, derrubou os preços. Hoje os preços parecem não funcionar, ou estão baixos demais para a indústria ou estão altos demais para os consumidores, situação agravada pela concentração da renda e da riqueza. Ninguém pode afirmar se, quando ou como esta situação pode ser superada. Estamos lidando com aspectos estruturais de um mundo finito, governado pela humanidade organizada em sistema febril, instável, consumista e devastador das relações sociais e ambientais. [13]

Também, a elevação dos custos de E&P, associada ao plano para acelerar a produção para compensar a queda natural dos campos maduros da Bacia de Campos e gerar excedente para a exportação, contribuiu para a escalada do endividamento da Petrobras.

Pelo exposto, a AEPET considera que a afirmação do senador não reflete a realidade, ela é mais complexa. A Petrobras é o instrumento da sociedade brasileira para fazer frente às dificuldades do nosso tempo e garantir a segurança energética aos brasileiros em tempos difíceis.

Em seguida o senador afirma que “a relação entre a dívida e a produção de petróleo da Petrobras é de quatro a seis vezes maior em comparação com outras grandes petroleiras”. É necessário intervir para alertar que a dívida é constituída para transformar reservas em produção. A AEPET ressalta que não cabe comparar a dívida da Petrobras, companhia responsável pela descoberta das maiores reservas das últimas três décadas, com a dívida de companhias com reservas declinantes. São empresas que desistiram do crescimento em seus países de origem, e buscam países com reservas de petróleo, além de políticos corruptos, para se apropriarem das reservas através da criação de legislação petrolífera permissiva. Suas reservas não alcançam 10% das mundiais e a produção é decadente há mais de dez anos. [9] [37]


Gráfico 8. Produção de petróleo de grandes companhias ocidentais

A Petrobras deve ser comparada às companhias que têm reservas, que podem crescer e que têm futuro. São as companhias nacionais russas, chinesas, venezuelanas ou equatorianas. Elas também passam por dificuldades, porém são estratégicas para os projetos nacionais de seus países e por isso têm dívidas, mas têm futuro.

Novas refinarias e subsídios
Na tentativa de propalar o caos definitivo no qual estaria a Petrobras o senador prossegue “refinarias malfeitas e subsídios foram responsáveis por prejuízo de 160 bilhões de reais à Petrobras”.

A AEPET condena a prática de subsídios que imputam ao caixa da companhia o ônus de uma política pública de preços que, se adotada pelo Governo Federal, deve ser arcada pelo Tesouro. Estima-se prejuízo de 60 a 80 bilhões de reais com a importação de derivados mais caros em relação aos vendidos no mercado interno. A AEPET defende há anos que esses valores devem ser ressarcidos pela União ao caixa da Petrobras.

Com relação às refinarias a AEPET alertou em seus votos nas Assembleias Gerais Ordinárias e Extraordinárias da Petrobras, além de diversas cartas enviadas aos executivos, sobre vários desvios e práticas lesivas a companhia. Não tínhamos e não temos os meios para identificar, comprovar e denunciar os atos de corrupção. No entanto, pudemos apontar, por exemplo, os contratos de amplo escopo e a concentração do poder no topo da hierarquia corporativa como aspectos deletérios na relação entre os fornecedores de bens e serviços e a Petrobras. [14][15][16]

O impacto da corrupção ainda não foi contabilizado, na medida em que o processo legal segue em curso, mas todos os valores devem ser ressarcidos aos cofres da Petrobras e medidas preventivas precisam ser tomadas pela direção da companhia. Neste sentido a AEPET apresentou ao presidente Aldemir Bendine um documento onde detalha diversas medidas para defesa da Petrobras. O documento tem o apoio, assinado eletronicamente, de mais de 2300 petroleiros, mas ainda não recebeu resposta da direção da companhia. [17]

Condenar os desvios, recuperar os recursos, punir os responsáveis, entender as causas históricas e sistêmicas para não cair no falso moralismo e em pérfidas soluções. A AEPET, assim como o Ministério Público Federal, entende que a Petrobras foi a vítima. [35]. Sendo assim, como vítima, não pode ser condenada com seu alijamento da liderança do pré-sal e assim, novamente vilipendiada.

Adiante o senador sobe tom, desta vez com viés ideológico, e afirma que “foi loucura de fazer acordo com Chavez com petróleo de outra natureza para a Refinaria do Nordeste (RNEST)”. A AEPET esclarece que as tratativas entre a Petrobras e a PDVSA, entre Brasil e Venezuela, e o inicio do projeto da RNEST ocorreram antes da descoberta do pré-sal. A realidade brasileira era outra. Críticas podem ser feitas, mas não devemos nos confundir, pois estamos tratando do regime de exploração do pré-sal.

O senador segue sua exposição e aponta “as refinarias em locais que não cabiam, Ceará e Maranhão”. A AEPET critica os critérios adotados para a alocação das refinarias, assim como a forma como foram conduzidos seus projetos. Entendemos que existem critérios econômicos e também aspectos políticos referentes ao desenvolvimento regional. O tema é complexo e não é objetivo deste documento detalhá-lo.

Capitalização e cessão onerosa

Sobre o tema o senador afirma que “a cessão onerosa foi uma farsa porque a União não deu nem um centavo para a Petrobras”. A AEPET esclarece que na cessão onerosa a Petrobrás paga determinado valor para ter direito à exploração de até cinco bilhões de barris de petróleo e gás natural. O projeto da cessão onerosa prevê a capitalização simultânea da Petrobrás, o que corresponde a uma nova emissão de ações, que são vendidas com privilégio dos atuais acionistas, inclusive a União. Os recursos da capitalização servem para novos investimentos, inclusive o pagamento da cessão onerosa.

O governo cedeu cinco bilhões de barris de petróleo à Petrobras, que em troca entregou ao governo títulos da dívida pública, os mesmos que foram recebidos da União durante o processo de capitalização. O resultado dessa operação é que o governo pôde aumentar sua participação no capital da Petrobras sem gastar dinheiro ou títulos públicos. Em suma, a União trocou seu petróleo por maior participação societária na Petrobras capitalizada. O processo de capitalização foi o maior da história e trouxe mais de 70 bilhões de dólares para a Petrobras investir no desenvolvimento do pré-sal. A AEPET reitera que não se trata de uma farsa, é uma das alternativas legais que o governo dispõe para desenvolver os recursos do pré-sal. [18]

Revisão da produção planejada para 2020
O senador tenta desqualificar a liderança da Petrobras no pré-sal por conta da “redução da produção planejada para 2020”. A AEPET alerta que todas as petrolíferas do mundo estão revisando seus planos, postergando ou cancelando investimentos, em virtude da queda dos preços do petróleo, da recessão mundial com a diminuição da demanda por combustíveis, além da elevação dos custos médios de E&P. Não cabe, portanto, adotar esse critério para arbitrar quem tem, ou não tem, condições de operar no pré-sal. [19][20]

Além disso, manter alta produção para 2020, o que significa exportação de razoável parcela da produção, não é muito inteligente, pois não há garantia que o preço do barril, nesta época, já estará recuperado.

A AEPET esclarece que as unidades corretas para os números típicos da produção não são “bilhão de barris” como afirma o senador, mas milhões de barris de petróleo equivalente por dia.

Pré-sal paralisado?

Com a intenção de dar um senso de urgência ao seu projeto e retirar da Petrobras a condição de operadora única no pré-sal, o senador afirma “o esquema do pré-sal fica virtualmente paralisado”. A AEPET reage com indignação por um senador da República fazer essa afirmação enquanto a produção do pré-sal alcança mais de um milhão de barris de petróleo equivalente por dia. Em tempo recorde, na vanguarda tecnológica, na fronteira exploratória mundial, em velocidade sem paralelo na história dos campos em águas profundas no golfo do México ou no Mar do Norte.


Gráfico 9. Histórico da produção do petróleo do pré-sal e do pós-sal [21]

A Petrobras em 2015 recebeu, mais uma vez, o reconhecimento internacional pela sua capacidade tecnológica de produzir em águas profundas. Foi vencedora do prêmio OTC Distinguished Achievement Award for Companies, Organizations and Institutions, reconhecimento mais importante que uma empresa de petróleo pode receber na qualidade de operadora offshore.

O senador afirma, dessa vez em retórica profética, que “a Petrobras não tem e não terá recursos para garantir a participação mínima de 30%, além da operação dos campos do pré-sal, garantidas pela Lei da Partilha”. E logo conclui “Então, o pré-sal fica paralisado”. A AEPET esclarece que a Petrobras descobriu o pré-sal com seus esforços, a partir do seu conhecimento da bacia sedimentar brasileira, assumindo riscos de centenas de milhões de dólares. A descoberta pioneira se deu no campo de Tupi, o mesmo devolvido pela operadora Shell à ANP e declarado não comercial. Em tempo recorde chegamos a um milhão de barris por dia. A AEPET afirma, com serenidade e firmeza, que a Petrobras é capaz de liderar a produção do pré-sal e garantir nossa segurança energética, na medida do interesse e do desenvolvimento nacional.

Trajetória da Petrobras e patriotismo
Perseveramos para ouvir do senador que “meu primeiro objetivo (com a retirada da Petrobras como operadora única no pré-sal) é reativar a produção do pré-sal”. A AEPET reitera que não cabe reativar a produção do pré-sal que cresce continuamente. Os campos do pré-sal, nos três primeiros trimestres de 2015, tiveram uma produção média diária de 919 mil barris de petróleo e gás, o que representa 24% de todo o petróleo e gás produzido pela Petrobras. [22]

O senador prossegue e dessa vez mira numa recente captação de recursos feita pela Petrobras no mercado financeiro internacional, afirma que “títulos de 100 anos com taxa de 8,45%aa é uma loucura, com 7%aa duplicaria em 10 anos”. O que o senador aponta ser um desastre, foi relatado como um sucesso por diversos meios que cobrem o setor financeiro. A captação foi de 2,5 bilhões de dólares, mas havia disponível 13 bilhões, o que desmente os catastrofistas e evidencia a capacidade de obtenção de crédito de longo prazo pela estatal. [23]

O senador então alardeia “Meu objetivo é patriótico, produzir no pré-sal”. A AEPET pede que cada cidadão se pergunte:

Quem vai produzir, como e a que velocidade, para atender as necessidades de quem, em benefício de quem?

Qual país se desenvolveu a partir da exploração e exportação dos seus recursos naturais finitos por corporações estrangeiras?

Desde o Brasil colônia até a República a economia brasileira se dedica ao suprimento de matérias primas para os centros dinâmicos do capitalismo. Pau brasil, cana de açúcar, minérios (ouro, prata e diamantes), cacau, borracha, dendê, café. Hoje, ainda os minérios, a soja, a carne etc. Todos os ciclos têm características comuns, beneficiam uma pequena elite do país, passam por períodos de ascensão, ápice e queda. Deixam o rastro de devastação ambiental e social, com a maior parte da população excluída dos ganhos nos períodos prósperos, mas herdeira do caos do período decadente.

A AEPET sustenta que devemos usar a riqueza do petróleo brasileiro para atendimento às nossas necessidades e alavancar o nosso desenvolvimento. Promover uma indústria forte e diversificada com máximo usufruto social. Construir a infraestrutura para produção das energias renováveis e preparar nossa sociedade para o futuro.

Projeto PLS 131/2015 e Conteúdo Nacional
O senador busca qualificar seu projeto pelo que ele não altera, quando afirma “O projeto não mexe na partilha e no conteúdo nacional”. A AEPET alerta que as multinacionais do petróleo, organizadas no Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e nas Federações Industriais, condenam a política do conteúdo nacional. Esse fato é público e notório. A operação do pré-sal envolve a elaboração dos projetos, a condução dos empreendimentos, além da compra dos equipamentos e serviços. Ceder a operação às companhias que são contrárias a política do conteúdo local é enfraquecer essa política pública. É acentuar as contradições entre o interesse privado e o público, até que a própria política seja revista mediante a nova realidade da internacionalização da operação do pré-sal.

Projeto PLS 131/2015 e o “ônus” de liderar a produção no pré-sal
O senador afirma que seu projeto defende a Petrobras: “Eu troco o ônus pelo bônus, a Petrobras tem a preferência de operar os campos do pré-sal”, frisa o congressista, e acrescenta “Estou apenas livrando a Petrobras de uma amarra”. A AEPET elucida que a operação tem caráter estratégico e por isso as multinacionais estão tão mobilizadas em alijar a Petrobras da operação única. Elas têm interesse em acelerar a realização dos leilões no pré-sal. Buscam a propriedade do petróleo para a exportação, para recuperar suas reservas e produção decadentes. A operação única da Petrobras é um entrave para que alcancem tal objetivo.[24]

A Petrobras ter a referida preferência tem apenas um caráter eufemístico que serve para iludir os incautos. Se a lei do senador Serra passar no Congresso, as multinacionais direcionam seu lobby para o Ministério de Minas e Energia, ao Conselho Nacional de Política Energética, à ANP e à Presidência da República para acelerar a realização dos leiloes, visando obter elevados excedentes para a exportação. A AEPET, coerente com sua história na defesa da Petrobras e do petróleo para a maioria dos brasileiros, está envidando todos os seus esforços para que este projeto de lei não passe.

Regime de concessão do petróleo
O senador revela seu objetivo estratégico que é revogar a Lei da Partilha quando afirma “O regime de concessão, a partir de 1997, foi muito bem-sucedido” e acrescenta “a produção aumentou uma enormidade entre 1997 e 2002 e a partir daí desacelerou”. A AEPET esclarece que qualquer campo de petróleo, seja concedido, partilhado, ou sob monopólio, para ser desenvolvido e entrar em produção precisa entre 8 a 10 anos de trabalho e investimentos. Não se pode medir o sucesso do regime de concessão, adotado em 1997, pela produção alcançada entre 1997 e 2002. As consequências da concessão, em termos de produção, poderiam ser avaliadas a partir de 2007. A aceleração da produção entre 1997 e 2002 se deve ao regime do monopólio que foi quebrado em 1997.


Gráfico 10. Produção de petróleo e líquidos de gás natural no Brasil em mil barris por dia [25]

Adiante, em tom cândido, o senador Serra declara “… é apenas capital estrangeiro, como tem nas concessões”. Sim senador, é tão somente o capital internacional em busca da propriedade do petróleo brasileiro, para exportação, para obter lucros máximos no curto prazo, para contratar serviços e bens de seus países de origem, como fazem no Iraque, na Nigéria, em Angola e em outros países. É “apenas isso” que a AEPET se dedica para que não aconteça também no Brasil. [26]

Educação e saúde
Passamos a tratar do destino para a riqueza gerada pelo pré-sal. O senador afirma que “os recursos do pré-sal para a saúde e a educação podem apenas substituir os impostos atualmente destinados a essas áreas”. Argumento que entra em contradição com o seguinte “para a saúde e educação receberem mais recursos é preciso produzir mais no pré-sal, meu projeto abre essa possibilidade”. Poderíamos indagar, mas se os recursos do pré-sal podem apenas substituir outros, por que produzir mais no pré-sal significaria mais recursos para a educação?

Para trazer luz ao assunto precisamos tratar da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), da Desvinculação das Receitas da União (DRU), além da Lei da Partilha que criou o Fundo Social e estabeleceu as regras para alocação do excedente econômico gerado por meio da produção no pré-sal.

A LRF é lei complementar, de maior hierarquia que as leis ordinárias, e data de 2000. Essa lei dá total prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, tanto no âmbito federal, como no dos Estados e municípios, os quais, com a federalização da dívida (lei 9.496/1997), foram submetidos às elevadas taxas de juros e índices de correção monetária, que devem pagar à União. Esta ficou responsável pelo total das dívidas públicas. [27]

Somente de janeiro de 1995 até agosto de 2015, a dívida pública interna multiplicou-se 28 vezes, de 135,9 bilhões para 3,83 trilhões de reais. Desde a Constituição de 1988, os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam em muito os 20 trilhões de reais.[27]

A DRU é uma emenda constitucional, de caráter temporário, aprovada em 1994 e renovada sucessivamente. Sintetizando, das vinculações relacionadas à União referentes aos seus impostos, contribuições sociais e CIDE’s, desvincula-se 20% para livre alocação. Essa é, então, a implicação no orçamento causada pela DRU: diminuição da vinculação de receitas e aumento da livre aplicação dos recursos. O principal efeito é transferir recursos do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal da União, mas a educação e outras obrigações constitucionais da União também são afetadas. [29]

A bem da verdade, existem várias manobras através das quais, mesmo havendo vinculação de parte da receita, o governo consegue diminuir essa rigidez. É o que acontece, por exemplo, quando se subestima receitas, permitindo a obtenção de superávits que conferem suporte para se reprogramar o orçamento, ou ainda, quando há o contingenciamento de dotações, como forma de retardar a execução de despesas, ou até mesmo, na hipótese de transferência de despesas pelo mecanismo dos restos a pagar. Todos estes são mecanismos sistematicamente utilizados pelos governantes para driblar a vinculação dos recursos. [29]

A AEPET considera que esse esclarecimento é necessário para evidenciar que o Estado brasileiro é refém do sistema financeiro, e prioriza o serviço da dívida em detrimento de suas responsabilidades constitucionais. Existe risco de a renda petroleira ser transformada em acumulação financeira, por meio do sistema da dívida. A Lei da Partilha não evita esse risco, muito menos o projeto do senador ou a volta ao regime das concessões. A solução seria a auditoria soberana da dívida pública, mecanismo previsto na Constituição e tema de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que identificou diversos indícios de ilegalidades e ilegitimidades, além de sinais de fraudes na formação e multiplicação do endividamento público brasileiro. [6][7][30]


Gráficos 11. Orçamento Geral da União (executado em 2014): 2,168 trilhões de reais e 12. Beneficiários da dívida interna (jul/2013) [5]


Gráfico 13. Lucros dos bancos no Brasil (em bilhões de reais) [30]

Em relação ao argumento de que a excelência alcançada pela Petrobras poderia render maior excedente apropriado pelo Estado, o senador dispara: “o argumento de que a Petrobras produz mais barato é tolo”. A Chevron foi protagonista de um dos maiores desastres ambientais no Brasil, quando explorava um poço a 1,2 mil metros de profundidade na Bacia de Campos. Foi estimado vazamento de até 4000 barris por dia. Houve suspeitas se a companhia americana buscava alcançar o pré-sal. Foi noticiado que a Chevron tinha sondas capazes de buscar petróleo a 7km de profundidade, sendo que o poço em que houve o acidente era “raso”, de 1,2km – as camadas de pré-sal situam-se entre 5km e 7km.[31] A Shell quando operadora do campo de Tupi o devolveu à ANP, declarando que não era comercial. O mesmo campo onde, mais tarde, sob a operação da Petrobras, foi descoberta a jazida do pré-sal. Os fatos evidenciam que a Petrobras explora e produz mais barato, mais seguro e melhor.

Ao final de sua exposição o senador assume o papel de defensor da Petrobras e declara “Eu defendo reajuste automático dos derivados”. A AEPET entende que a política dos preços dos combustíveis deve ser tratada em conjunto com as políticas energética e econômica. Trata-se de arbitrar a distribuição do excedente petroleiro entre os consumidores e outros agentes da economia. Em suma, entendemos que a política de preços não deve prejudicar o caixa da Petrobras, mas iniciativas podem ser tratadas no rol das políticas públicas do governo. O tema foge ao objeto do debate.

O que Serra não falou
O senador Serra não falou da importância geopolítica e estratégica para um país de ter o controle sobre o destino da sua produção de petróleo. Ao introduzir um ente privado e estrangeiro na exploração de seu petróleo, o país está abrindo mão da possibilidade de usar a garantia de fornecimento de petróleo, a curto e médio prazo, como um argumento de comércio e convencimento internacional.

Serra também não falou de a tendência natural das empresas estatais terem maiores cuidados com o meio ambiente que as empresas privadas, por estas priorizarem tanto o lucro. O que aconteceu com a Chevron em Frade é revelador. Esta empresa economizou tanto nos investimentos, que tornou o projeto inseguro, resultando no conhecido acidente.

Pelo mesmo motivo, a Petrobrás consegue retirar mais óleo de um campo que empresas privadas, que visam uma produção rápida para maximizar a rentabilidade, apesar de comprometer a retirada total de petróleo do campo. As empresas privadas tendem a realizar a chamada “produção predatória”. [32]

Conclusões
A AEPET esclarece que seus contra-argumentos foram preparados com a intenção de contribuir para o debate franco, transparente e honesto. Não se trata de questão pessoal, entendemos que o senador José Serra representa os interesses e o pensamento de uma parcela dos brasileiros. Louvamos a disposição do senador em apresentar seus argumentos publicamente e com isso possibilitar o contraditório, aspecto tão fundamental para a democracia.

A AEPET sustenta que o melhor, para a maioria dos brasileiros, é ter a Petrobras na liderança da exploração do pré-sal, na condição de operadora única. Nesse sentido, detalhamos os 14 principais motivos em documento específico. [32]

Em resumo, a liderança da Petrobrás 1) evita o risco de exploração predatória por possibilitar maior controle sobre a taxa de produção, 2) previne o risco de fraude na medição da vazão do petróleo produzido e a consequente redução da fração partilhada com a União, 3) evita o risco de fraude na medição dos custos dos empreendimentos e da operação com a consequente redução da fração de petróleo partilhada com a União, 4) permite a condução dos empreendimentos e possibilita a adoção de política industrial para desenvolver fornecedores locais, em bases competitivas, e promover tecnologias nacionais, 5) garante o desenvolvimento tecnológico e as decorrentes vantagens comparativas, 6) se justifica porque a Petrobrás detém tecnologia, capacidade operacional e financeira para liderar a produção, na medida do interesse social e do desenvolvimento econômico nacional 7) é justa porque a Petrobrás se arriscou e fez enormes investimentos para descobrir o petróleo na camada do pré-sal, 8) permite que maior parcela dos resultados econômicos sejam destinados para atender às necessidades e garantir os direitos dos brasileiros, 9) promove a geração de empregos de qualidade no Brasil, 10) permite que maior parcela do petróleo seja propriedade da União, 11) é adequada já que não há necessidade de novos leilões e de urgência no desenvolvimento de novos campos para atender e desenvolver o mercado interno, 12) se justifica porque os riscos são mínimos, a produtividade dos campos operados pela Petrobrás é alta e os custos são conhecidos pela companhia, 13) mantem a Petrobrás em vantagem na comparação com seus competidores, 14) é essencial porque o petróleo não é uma mercadoria qualquer e não existe substituto potencial compatível para a produção de combustíveis líquidos, petroquímicos e fertilizantes.[32]

Seguimos à disposição de todos os brasileiros para esclarecer ou detalhar nossas posições.

Referências
[1] Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) – 28/09/2015 (vídeo https://www.youtube.com/watch?v=7maLqeHxXkM)
[2] O Histórico Cerco à Petrobras e a Corrupção, Felipe Coutinho, 2015
[3] http://www.indexmundi.com/
[4] Oops! The world economy depends on an energy-related debt bubble, Gail Tverberg, OurFiniteWorld.com, October 2015
[5] Auditoria Cidadã da Dívida Pública (http://www.auditoriacidada.org.br/)
[6] RELATÓRIO FINAL Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a dívida pública da União, Estados e Municípios, o pagamento de juros da mesma, os beneficiários destes pagamentos e o seu impacto nas políticas sociais e no desenvolvimento sustentável do País
[7] CPI da dívida pública: diversos documentos preparados pela Auditoria Cidadã da Dívida (http://www.auditoriacidada.org.br/clique-aqui-para-saber-como-foi-a-cpi-da-divida/)
[8] Converging Crisis, Gail Tverberg – Age of Limits – 2014
[9] O choque petrolífero de 2014-15, Rui Namorado Costa, 2015
[10] Geopolítica do petróleo e gás natural, Rui Namorado Rosa, 2014
[11] Oil and economic growth, a supply-constrained view, Douglas-Westwood, 2014
[12] BP Data Suggests We Are Reaching Peak Energy Demand, Gail Tverberg, 2015
[13] Why EIA, IEA and BP oil forecasts are too high, Gail Tverberg, 2015
[14] Carta da AEPET ao Diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, assunto: Empreendimentos da Petrobras na área do Refino, 3/3/2010 (http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/correspondencias/REFINO%202010.pdf)
[15] Posicionamento da AEPET nas Assembleias Gerais Ordinárias e Extraordinárias da PETROBRÁS (http://www.aepet.org.br/noticias/pagina/12156/Justificao-de-Votos-da-AEPET-nas-AGOs-e-AGEs-da-PETROBRS-dos-ltimos-11-anos-)
[16] Atuação histórica da AEPET relativa às posteriores revelações da Operação Lava Jato (http://www.aepet.org.br/noticias/pagina/12153/Atuao-histrica-da-AEPET-relativa-s-posteriores-revelaes-da-Operao-Lava-Jato)
[17] Propostas para o fortalecimento institucional e defesa da Petrobrás contra a corrupção na relação com os fornecedores de bens e serviços, AEPET, 2015, Cartas ao presidente Aldemir Bendine e petição eletrônica (http://www.aepet.org.br/propostas/peticao/2)
[18] A Cessão Onerosa de Áreas do Pré-Sal e a Capitalização da Petrobras, Francisco José Rocha de Sousa (Consultor Legislativo da Área XII Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos), fevereiro de 2011
[19] Oil and economic growth, a supply-constrained view, Douglas-Westwood, 2014
[20] Steering through the oil storm, Peter Parry, 2015
[21] Produção de petróleo no Brasil tem novo recorde, Fernando Brito
[22] Campos do pré-sal já respondem por 24% da nossa produção, Blog Fatos e Dados, Petrobras, 13/11/15
[23] Petrobras goes all out for a Century, Paul Kilby, Reuters, 5/6/2015
[24] Brazil – Nos bastidores, o lobby pelo pré-sal, Wikileaks (https://wikileaks.org/Nos-bastidores-o-lobby-pelo-pre.html)
[25] Site http://peakoilbarrel.com/world-oil-yearly-production-charts/
[26] “Caráter” das petrolíferas estrangeiras, Paulo Metri, 2015
[27] Cair na real – LRF e juros, Adriano Benayon, 2015
[28] Cancelada
[29] Do mecanismo da desvinculação das receitas da União como garantia da livre alocação dos recursos orçamentários, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira, 2012
[30] Ciclo dos juros no Brasil, Maria Lúcia Fatorelli, 2015
[31] Escândalo Chevron: mentiras, multas irrisórias, politização e pré-sal, André Barrocal e Najla Passos, Carta Maior, 2011
[32] As 14 principais razões porque a Petrobras deve ser a operadora única no pré-sal, AEPET, 2015
[33] Bônus de Libra será pago em novembro e vai direto ao Tesouro, diz ANP, Marta Nogueira e Rodrigo Polito, Valor, 2013
[34] The end of cheap oil, Colin J. Campbell e Jean H. Laherrere, 1998
[35] Petrobrás foi vítima de ação cruel de criminosos, diz Janot, Estadão, 31/7/2015
[36] Vídeo Crash Course Chapter 9: A Brief History of US Money (http://www.peakprosperity.com/crashcourse/chapter-9-brief-history-us-money)
[37] ‘Big oil’ getting smaller as production keeps falling, Richard Swann, Platts McGraw Hill Financial, 2014


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