Artigo

O pacto do governo Lula com o mercado

Data da publicação: 30/04/2024
Autor(es): Luís Nassif

O país já teve financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora de abrir espaço para eventuais novas vocações.

Há um campo para um pacto entre governo Lula e o mercado, que não passa pela ideia fixa do déficit zero, do arcabouço e outras inutilidades monetárias. Trata-se de um pacto em torno da neoindustrialização.

Explico.

Há um capital financeiro virtuoso e outro deletério. O deletério tornou-se tão disseminado que se esquece dos aspectos virtuosos do capital financeiro.

O deletério é o modelo atual, no qual há o seguinte moto contínuo:

1-As políticas restritivas impedem o crescimento da economia.
2-Mesmo assim, o capital financeiro exige valorização constante dos ativos.
3-Essa valorização se dá despregando o valor financeiro do valor real dos ativos. Por valor real, entende-se o fluxo de resultados de cada investimento, na forma de dividendos, aluguéis e quetais.

4-Para atender a essa lógica, adota-se o padrão Jack Welch-Jorge Paulo Lehman. Trata-se de aumentar desmedidamente os resultados imediatos da empresa, ainda que à custa da perpetuação da empresa. Surgem as demissões e os layoffs dos funcionários mais capacitados, a redução dos gastos com segurança, com desenvolvimento.

Os exemplos recentes de Kraft Heinz Company, Brumadinho, Americanas, Enel, Light são eloquentes. No plano internacional, a General Eletric e a Boeing estão aí para comprovar os malefícios do modelo. Aumentam de forma irracional os dividendos, sugam a empresa até o osso e, depois, jogam fora.

O modelo virtuoso é aquele que ajuda nos processos de transformação radical da economia, quando surgem novos setores. O empresário tradicional tem enorme dificuldade em reciclar sua empresa. Afinal, sempre trabalhou dentro de um modelo. É nesse momento que o capital financeiro é fundamental na chamada destruição criativa, ajudando no financiamento de novos setores.

A implantação da indústria automobilística no Brasil, no período JK, foi um caso clássico. No CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, há uma carta pessoal de uma senhora a Getúlio Vargas, reclamando dos judeus que fugiram para o Brasil. Dizia ela que eles foram acolhidos pelo país, mas aplicavam seu capital na Argentina. A razão óbvia era o maior desenvolvimento do mercado de capitais da Argentina.

No caso da indústria automobilística, JK impôs duas condições:

1-A empresa principal deveria ter capital brasileiro. Foi assim que a Monteiro Aranha adquiriu 20% da Volkswagen do Brasil e outros grupos se tornaram sócios de outras montadoras. Firmou-se, ali, um pacto com o grande capital financeiro do país.

2-Exigiu-se que o setor de autopeças fosse de capital nacional. É por aí que José Mindlin monta a Metal Leve e surgem outras empresas de capital nacional.

Não se deve esquecer que as Indústrias Klabin passam a fabricar papel e celulose a partir de condições impostas por Getúlio Vargas em um acordo com os Estados Unidos.

Caso o governo Lula decida impor regras similares no programa da neoindustrialização, haveria todas as condições de trazer parte do capital financeiro para financiar as novas empresas e, aí, tendo como cenário futuro, o mercado mundial, e não a manipulação de dividendos que mata empresas..

O país já teve financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora de abrir espaço para eventuais novas vocações.

Publicado em 29/04/2024 em GGN.