Periódico

AEPET Notícias 347

Data da publicação: 01/05/2008

Estranha Hierarquia

O mês de abril foi marcado por diversos acontecimentos de grande repercussão nacional e internacional, entre eles, as declarações ‘irresponsáveis’ do diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Haroldo Lima, e os conflitos na área demarcada Raposa Serra do Sol, em Roraima, que levaram militares brasileiros a reafirmarem suas preocupações com as contendas e os riscos à soberania nacional, não só na região em debate, como por toda a cobiçada Amazônia brasileira. O tratamento diferenciado do Governo Federal sobre essas questões preocupou a sociedade brasileira.

Os temas em debate giram em torno de duas ‘Amazônias’ – a verde e a azul –, como estão sendo chamadas por estudiosos (civis e militares), no intuito de sistematizar e proporcionar uma visão global de suas importâncias estratégicas para o futuro do País. A ‘Amazônia Verde’ já é bem conhecida da maioria do povo brasileiro, sobretudo por sua riquíssima biodiversidade, imenso potencial mineral, potencial hidrelétrico, 68% de água doce do Brasil, maior banco genético do mundo, e muito mais. Já a ‘Amazônia Azul’, ainda desconhecida da sociedade brasileira, tem a ver com as imensas riquezas no mar territorial brasileiro, das quais destaca-se no momento o petróleo, graças ao trabalho dos técnicos da Petrobrás.

São questões que desafiam o Governo Federal: rever a Lei do Petróleo 9478/97, a Lei das Florestas e reaparelhar as nossas Forças Armadas. Do trato soberano e inteligente desses desafios depende a defesa dos interesses nacionais em ambos os setores. O País precisa de energia para se desenvolver e resolver questões cruciais para o nosso povo. Garantir a defesa da integridade territorial, preservar as 146 plataformas petrolíferas espalhadas pela costa brasileira, garantir a soberania do País sobre as atuais e futuras promissoras áreas petrolíferas, bem como dissuadir pretensões estrangeiras sobre a Amazônia brasileira.

‘Falando pelos cotovelos’, o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, em evento do setor petrolífero, no dia 14/04, disse que a Petrobrás descobriu o terceiro maior campo petrolífero do mundo, o campo Carioca-Pão de Açúcar, na Bacia de Santos. Resultado: no mesmo dia, conforme foi noticiado pela imprensa, as ações ordinárias da Petrobrás valorizaram 7,67%, os ADRs – ações da estatal negociadas em Nova Iorque – subiram 8,27%. Em Londres, os papéis do BG Group, que detém 30% de participação no campo Carioca-Pão de Açúcar, alcançaram 5,4%. As ações da Repsol, também sócia da Petrobrás no referido campo, com 25%, subiram 9,28%, na Bolsa de Madri e 17% em Nova Iorque. As ações de outra parceira da Petrobrás, a Galp, em Portugal, subiram 7,9%. Como o posicionamento do diretor da ANP é muito afinado com o do presidente da Repsol (e do IBP) é preciso investigar se houve ganho especulativo no mercado internacional, em função da declarações de Haroldo Lima, mormente com as ações daquela companhia.

O diretor-geral da ANP, tendo em vista a repercussão de suas desastradas declarações, passou a responder diversas indagações proferidas por parlamentares, por especialistas, pela imprensa, entre outras. No rol das respostas, Lima disse que suas declarações foram baseadas em informações provenientes da revista estadunidense ‘World Oil’, de Houston, Texas. E ressaltou: ‘Se os setores especializados dos Estados Unidos já tinham acesso às informações, não havia por que os brasileiros não saberem…’.

Olha aí a ‘dança dos dados estratégicos’, sobre os quais a AEPET não se cansa de chamar a atenção das autoridades. Um dos vários motivos para alteração da Lei 9478/97, é rever o artigo 22 no sentido de preservar os interesses nacionais e as informações estratégicas que a Petrobrás é obrigada a passar para a ANP. Fica a pergunta: Quem passou as informações para a revista estadunidense, antes mesmo da Petrobrás emitir seu parecer técnico sobre o potencial do campo? Uma pista: A revista ‘Carta Capital’, de 23/04, publicou um ‘fac-símile’ da revista ‘World Oil’, na qual consta uma ilustração, de autoria da ANP, sobre setores da Bacia de Santos, em destaque os campos Carioca-Pão de Açúcar, Tupi, Júpiter, Parati, entre outros setores.

O diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, comete, então, um enorme deslize, sobretudo por se tratar de um membro do governo, como ele fez questão de ressaltar no ocorrido, para se defender das críticas de açodamento. E mais: como Diretor de uma Agencia reguladora, ele não poderia passar informações confidenciais; muito menos, baseadas em especulações de uma revista estrangeira. Há uma regra da CVM, na divulgação de informações relevantes, que a Petrobrás tem que seguir para evitar especulações no mercado financeiro. Não é atribuição do diretor da ANP emiti-las.

O prejuízo só não foi maior porque, no dia 17/04, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, e o diretor de Exploração e Produção da estatal, Guilherme Estrella esclareceram à sociedade brasileira e ao mundo que a Petrobrás só confirmará a existência das reservas do campo Carioca-Pão de Açúcar após concluir seus estudos técnicos. ‘Não adiantaremos nenhuma notícia que não seja absolutamente verdadeira. Indícios podem até existir, mas nós não trabalhamos com indícios, trabalhamos com fatos’, afirmou o ministro Lobão à imprensa. O presidente da Petrobrás ressaltou a necessidade de manter a credibilidade da companhia, ao se referir à nota emitida pela estatal. ‘A nota é clara e diz que estamos em processo de perfuração e não temos condições de determinar o volume de Carioca’.

O que causa espécie é que o PCdoB, partido de Haroldo Lima, convidou um dos melhores parlamentares na atualidade, Sergio Miranda (sob os aspectos de ética, moral e competência), a se retirar do partido porque votou, de forma coerente com o programa do partido, contra a reforma da previdência. No entanto, Haroldo Lima, que deu uma guinada de 180º – passando de nacionalista a um dos maiores entreguistas do País – é prestigiado pela cúpula do PCdoB. Estranha hierarquia.

Falando sobre a Amazônia brasileira, o Comandante Militar da Amazônia, General de Exército, Heleno Ribeiro Pereira, proferiu palestra no Clube Militar sobre a Amazônia, em especial as contendas na reserva Raposa-Serra do Sol. O general ressaltou que a atual política brasileira em relação à população indígena está ‘completamente dissociada do processo histórico de colonização do nosso País. Precisa ser revista com urgência. (…) É só ir lá ver as comunidades indígenas para ver que essa política é lamentável, para não dizer caótica’.
A Amazônia com seus cerca de 5,1 milhões de km², aproximadamente 23 milhões de habitantes, dos quais 80% residem nas cidades, chama atenção pelo vazio demográfico. Nesse sentido, a política de retirar brasileiros da região, sobretudo da linha de fronteira, de separar populações que convivem por décadas, é preocupante.

Mas, infelizmente, o presidente Lula entendeu as declarações do general Heleno como insubordinação e pediu esclarecimentos. O Militar, na qualidade de autoridade militar daquela região, dividiu preocupações, com seus pares e com a sociedade brasileira, de questões de sua responsabilidade. Mas Lula não repreendeu o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, quando falou sobre o provável potencial do campo Carioca.
Por outro lado, o atual Ministro da Defesa, Nelson Jobim – chefe do General Heleno – como relator da fracassada Revisão Constitucional de 1994 apresentou uma emenda que reduzia as 200 milhas do mar territorial brasileiro para apenas 6 milhas. O então senador Antonio Mariz esbravejou revoltado, em discurso no Senado, ao denunciar essa agressão à Soberania Nacional. A proposta foi execrada por todos. Em 2004, Nelson Jobim comandou, como presidente do STF, a derrubada da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que a AEPET apresentou, através do Governador Roberto Requião, para anular o artigo 26 da Lei do Petróleo (fruto do ‘lobby’ internacional), que entrega o nosso petróleo para empresas estrangeiras, contrariando a Constituição e os artigos 3º e 21º da própria Lei do Petróleo.

Foi esse ministro Jobim quem teve a incumbência de advertir o general Heleno que, num ato patriótico, emitiu declarações corajosas e corretas contra a ameaça efetiva à integridade do nosso país. Além disto, o general foi advertido por um Governo que fez o Projeto de Lei que gerou a Lei das Florestas, que permite que se arrende 40 milhões de hectares da Amazônia, por 40 anos, prorrogáveis. É mesmo muito estranha a hierarquia brasileira.

As mesmas preocupações já haviam sido externadas, em outras oportunidades, por ex-Comandantes da Amazônia, como, por exemplo, o General Luiz Gonzaga Schoereder Lessa, que, quando Comandante Militar do Leste, promoveu (fardado), em pleno Governo Fernando Henrique Cardoso, uma concorrida palestra na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O general Lessa não foi acusado de insubordinação.

O Supremo Tribunal Federal (STF), através de liminar, evitou uma tragédia na Raposa Serra do Sol quando interrompeu o processo de retirada dos arrozeiros.

Crônica do conflito

O pesquisador do CNPq, Carlos Ernesto Schaefer, no seu artigo ‘Crise na reserva indígena de Roraima era previsível’, publicada na ‘Revista Consultor Jurídico’, de 16/04/08, apresenta ponderações resultantes de seus 28 anos de trabalho no estado de Roraima, inclusive sobre a reserva Raposa Serra do Sol. Ele elaborou, entre 2003-2004, laudo para a Justiça Federal sobre a reserva. ‘Ignorando todo o trabalho da perícia realizada, e principalmente toda a gama de erros e contradições do laudo antropológico anterior que serviu de base à proposta de área contínua e tangido por pressões internacionais de origens variadas, decide-se o Ministério da Justiça dar o salto apressado da homologação da Portaria 820/98 e demarcação, apresentando uma solução em área contínua que era, na minha opinião, o embrião de problemas futuros, todos antevistos pelo laudo’.

As questões petróleo e Amazônias verde e azul, são tesouros de maior relevância estratégica nacional, constituem desafios para o Governo Federal, independentemente do presidente que esteja em exercício. Merecem um trato muito mais responsável e uma profunda discussão da equipe de Governo, com o funcionalismo público permanente, com os especialistas, com as populações e debate franco e aberto com a sociedade brasileira. Urge, alterar a Leis 9478/97 e a Lei das Florestas, para, respectivamente, preservar a soberania brasileira sobre o nosso petróleo e a nossa Amazônia. O presidente Lula, infelizmente, não evitou disparidades no trato das referidas questões, tanto em relação ao diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, como ao Comandante da Amazônia, general Heleno. A visão hierárquica ficou estranha.


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