Artigo

Os 40 anos da Petros e o poder dos participantes e assistidos

Data da publicação: 03/08/2010

O regime jurídico da administração das entidades fechadas de previdência complementar e da gestão dos planos de benefícios por elas operados tem a garantia da Constituição Federal, parágrafo 6º do artigo 202.

Diz o texto: ‘A lei complementar a que se refere o §4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.’

Com base nesta disposição, o compartilhamento da administração das entidades fechadas (como a Petros) e da gestão dos planos entre representantes dos patrocinadores e dos participantes e assistidos ganhou status constitucional.

Passou a ser regra obrigatória, devendo constar em lei complementar que viesse a disciplinar a relação entre a União, Distrito Federal, estados ou municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedade de economia mista e empresas, controladas direta ou indiretamente(como as empresas do Sistema Petrobrás) que figurassem como patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

O legislador optou por mantê-la como regra para todo o sistema fechado, como se lê na Exposição de Motivos do Projeto de Lei Complementar – PEC – 10/99, que deu origem à Lei Complementar nº 109/2001.

‘A diretriz de assegurar ao participante pleno acesso às informações relativas a gestão de seus respectivos planos, compatibilizada com o aumento da profissionalização da administração das entidades de previdência complementar, entre outros dispositivos deste projeto, está a expressa no art. 37, segundo o qual o estatuto da citadas entidades (sic) deverá prever representação dos participantes nos seus conselhos deliberativos e fiscal, assegurando-lhe (sic) no mínimo 1/3 (um terço) das vagas. (…)’

Com isso, a Lei Complementar nº108, editada em 29 de maio de 2001, passou a vigorar dispondo que (artigos 10,11,14,15 e 18):

  1. o conselho deliberativo é ‘órgão máximo da estrutura organizacional’;
  2. a composição do conselho deliberativo ‘será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores’;
  3. o conselho fiscal ‘é órgão de controle interno da entidade’;
  4. a composição do conselho fiscal ‘será paritária entre representantes dos patrocinadores e os participantes e assistidos’;
  5. os membros dos conselhos deliberativo e fiscal deverão atender aos requisitos mínimos de comprovada experiência.

E a Lei Complementar nº109, também editada em 29 de maio de 2001, diz que (artigo 35):

  1. o estatuto deve prever a representação dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal;
  2. as entidades multipatrocinadas deverão considerar o número de participantes vinculados a cada patrocinadora e o montante do patrimônio dos respectivos planos.

Ambas as Leis Complementares não contemplaram integralmente o disposto no parágrafo 6 do artigo 202 da Constituição Federal, no início deste mencionado:'(…) disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.’ Deveriam ter previsto, também, que as diretorias executivas fossem compostas paritariamente. Para tanto, com a eleição de diretores em igual número dos indicados pelos patrocinadores.

A estrutura organizacional das entidades não se esgota com os conselhos, deliberativo e fiscal. Seguindo os moldes das companhias, a ‘estrutura mínima’ (na dicção da Lei Complementar nº 109) ou a ‘estrutura’ (na da Lei Complementar nº 108), será composta por conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria executiva.

Assim, a Petros como entidade fechada patrocinada pela União, por intermédio da Petrobrás, contemplou na sua estrutura organizacional os conselhos, deliberativo e fiscal e a diretoria executiva (artigo 9 da Lei Complementar nº 108/2001).

Como já examinamos, embora explicitamente as Leis Complementares não tenham determinado, não seria empecilho se o colegiado da Diretoria Executiva da Petros fosse igualmente composto de forma a contemplar a paridade entre patrocinadoras, participantes e assistidos.

Diante do exposto, o que vem a ser esta ‘estrutura organizacional’ que administra a entidade?

Qual o significado do exercício da administração?

Qual o conteúdo dos atos de gestão dos administradores?

O que é enfim, a essência da função por eles exercida?

Primeiro, é preciso entender porque todos os membros dos três colegiados – conselhos deliberativo e fiscal, bem como diretoria executiva – devem ser tidos como administradores da entidade. Apesar de o conteúdo de cada função ser diferente, todos os membros dos órgãos que compõem a ‘estrutura organizacional’ são administradores: uns porque traçam as diretrizes, políticas administrativas e definição de conduta das diversas áreas de atuação, outros porque executam estas diretrizes e políticas administrativas e os terceiros, porque devem fiscalizar, analisar as demonstrações contábeis e acompanhar a execução da gestão.

Assim sendo, esta ‘estrutura’ não é nada mais do que uma forma de distribuição do poder de gestão da entidade. E precisa, necessariamente, ter seu conteúdo descrito no Estatuto dessa forma, conforme determina a Lei.

Em segundo lugar, a Constituição Federal e as Leis Complementares (acima mencionadas) não dão salvo conduto ou imunidade aos dirigentes eleitos por participantes e assistidos ou indicados pelos patrocinadores.

Todos os dirigentes, sejam eles indicados pelos patrocinadores ou eleitos por participantes e assistidos, se submetem às mesmas regras de gestão e de governanças, bem como serão responsabilizados, individualmente ou pelo colegiado que compõem, quando deixarem de observá-las, exercerem esse poder de gestão de forma inadequada – causando prejuízo ao plano de benefícios, à entidade ou (mesmo que o prejuízo não se verifique) quando colocarem em risco o patrimônio dos participantes e assistidos.

Dessa forma, têm-se como mandamentos principais desta gestão, exercida pelos organismos que compõem a estrutura organizacional das entidades fechadas de previdência complementar, a diligência, a ética e a lealdade, colocadas aqui não pela ordem de importância, mas como conteúdo dos atos praticados, que devem estar presentes de forma permanente e adequada.

Ora, o que acontece na Fundação Petrobrás de Seguridade Social – PETROS?

A gestão deveria ser compartilhada conforme o legislador previu, ao expor os motivos pelos quais o Executivo Federal, atendendo ao disposto na Emenda Constitucional nº 20, encaminhou ao Congresso Nacional as PECs que resultaram nas Leis Complementares 108 e 109, acima mencionadas.

Na ardilosa reformulação de seu Estatuto, para adequação à nova legislação, na época em que os participantes e assistidos não tinham representação real na entidade, introduziram mudança que permitiram:

  1. a ocupação de cargo na Diretoria Executiva, inclusive na Presidência, por estranhos à categoria petroleira;
  2. e foram incorporadas regras como o voto de desempate, de forma indiscriminada, como prerrogativa do presidente do Conselho Deliberativo, que representa as patrocinadoras;
  3. e a pior delas: a submissa condição do Conselho Fiscal, órgão que representa o poder dos participantes e assistidos na concepção de paridade administrativa, como mero formulador de pareceres em relação à análise das contas apresentadas pela Diretoria Executiva e de seus atos de gestão. O Conselho Fiscal não atua como o órgão fiscalizador, com os poderes natos para aprovar ou desaprovar, como claramente é o espírito da legislação, em face da necessária paridade na gestão.

O Conselho Deliberativo é controlado pelos patrocinadores, pelo fato do presidente ser um dos seus indicados e deter o poder indiscriminado do voto de desempate. O presidente tem, inclusive, o poder interferir com esse voto qualificado na nomeação da composição da Diretoria Executiva, independente do veto dos participantes e assistidos, que representam 50% da composição ‘paritária’. O presidente tem, também, o poder de aprovar as contas e a gestão da própria Diretoria, mesmo que tenham sido desaprovadas pelo Conselho Fiscal.

Assim, não é possível identificar o cumprimento do equilíbrio na gestão, em cumprimento ao disposto na Constituição Federal e Leis Complementares.

Pelo exposto, é possível se verificar que o poder de gestão e as responsabilidades inerentes são prerrogativas intransferíveis dos representantes de patrocinadores e dos representantes dos participantes e assistidos. No entanto, na Petros, isso não ocorre porque seu Estatuto foi manipulado de forma a manter poder absoluto da gestão da Fundação pelos representantes da patrocinadora Petrobrás.

Como exemplo, podemos citar ocorrências recentes:

  1. A aprovação pelo Conselho Deliberativo (por voto de desempate dado pelo presidente) das contas e gestão da Diretoria, correspondente ao exercício findo em dezembro de 2009, não obstante o Conselho Fiscal ter desaprovado, pelo sétimo ano consecutivo. Tendo como um dos fatos relevantes, o descumprimento da legislação pela omissão de cobrança de dívidas das patrocinadoras, inclusive a que foi ajuizada por entidade representativa de participantes e a posterior participação em acordo com sério prejuízo à economia coletiva.
  2. A aprovação, por voto de desempate, da recondução da Diretoria Executiva em 2010, apesar dos votos contrários dos três representantes dos participantes e assistidos, que constituem 50% do Colegiado Deliberativo.
  3. A aprovação, por voto de desempate, de investimento na SPE (Sociedade de Propósito Específico) que se propõe a construir e operar uma usina a ser construída na região de Belo Monte, apesar dos votos contrários dos representantes dos participantes e assistidos.

Para tentar mudar essa situação, os Conselheiros Deliberativos eleitos pelos participantes e assistidos apresentaram sugestões de alterações do Estatuto e apresentaram proposta de Regimento Interno do Colegiado Deliberativo, de forma a permitir que a real paridade administrativa ocorra na Petros. Mudanças, inclusive, para introduzir a paridade na composição da Diretoria Executiva, com a previsão de eleição para dois diretores pelos participantes e assistidos.

Ainda assim, se essa meta não for alcançada e se (mais uma vez) o voto de desempate for aplicado, em prejuízo aos direitos dos participantes e assistidos, restará apenas como alternativa (para fazer valer esses direitos à gestão paritária na Petros, como manda a Constituição Federal) apelarmos para o Poder Judiciário e ao Ministério Público, visando restabelecer o real poder do Conselho Fiscal e eliminar o uso indiscriminado do voto de desempate, esdrúxulas situações que comprovadamente afrontam a legislação.

Paulo Teixeira Brandão é Conselheiro Deliberativo da Petros, eleito pelos participantes.

03/08/2010