GABRIELLI ENFRENTA DOIS LOBISTAS E SE SAI BEM
Na avaliação do diretor de Comunicações da AEPET, Fernando Siqueira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli se saiu muito bem durante recente audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado Federal. Gabrielli defendeu os interesses do País, notadamente a tese de mudança no marco regulatório do petróleo, enquanto o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, e o presidente da Repsol no Brasil, João Carlos de Luca, defenderam a manutenção da Lei 9478/97. Para Siqueira, os dois últimos atuaram ‘como lobistas dos leilões da ANP e dos interesses das multinacionais’. Na avaliação do senador Renato Casagrande (PSB-ES), a tese de mudança no marco regulatório ‘contou com o apoio declarado de maioria dos senadores que participaram da audiência pública’.
Como entender os lobistas?
O João Carlos de Luca, por exemplo, preside o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo), que funciona, na verdade, como um instituto de lobby dos interesses das multinacionais Repsol, Shell, Exxon, entre outras.
A Repsol era uma estatal espanhola que passou a pertencer ao grupo privado Santarder. Este banco, por sua vez, pertence ao Scotland National Bank Corporation, ou seja, é capital anglo-saxônico. O presidente do IBP parece atuar como lobista das referidas oligarquias estrangeiras no Brasil. E no Rio de Janeiro, ele exerce forte influência na FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
A AEPET já denunciou, em diversas oportunidades, que a Repsol foi a empresa que prejudicou a Petrobrás na troca de ativos na Refap. Segundo destacou Fernando Siqueira, a Petrobrás, nesse negócio com a Repsol, deveria ter aportado ativos de cerca de R$ 500 milhões e acabou aportando mais de R$ 2 bilhões. Já a Repsol, que deveria ter aportado igualmente R$ 500 milhões, investiu apenas R$ 170 milhões.
A Petrobrás declarou o prejuízo em seu balanço financeiro. Foi movida uma ação contra a troca de ativos, mas o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, cassou a liminar. Ele alegou que a Repsol investiu muito na Refap. Siqueira ressaltou que o STJ não considerou a liminar que foi desrespeitada pela Repsol, que não havia investido nada no negócio. ‘O infrator [Repsol] acabou sendo beneficiado pela decisão do referido juiz. Perdeu, assim, mais uma vez o Brasil’, disse Siqueira.
Na Audiência Pública, no Senado Federal, João Carlos de Luca, em consonância ao discurso de outras multinacionais, manifestou que os contratos entre as petrolíferas devem ser mantidos. Siqueira avalia que João de Luca ‘sabe que é inviável, inaceitável, a atual condição do marco regulatório, por isto clama pela manutenção dos contratos. A descoberta do pré-sal veio evidenciar a incoerência existente na Lei 9478/97, que a AEPET vem denunciando há vários anos’.
A referida lei, no seu artigo 3º diz que as jazidas de petróleo (óleo e gás) pertencem à União. O artigo 21 da mesma lei reforça que o produto da lavra [petróleo extraído] é da União. No entanto, o artigo 26 dá posse do petróleo extraído às empresas concessionárias. ‘O artigo 26 é fruto do lobby estrangeiro. Assim, a Lei 9478/97 é uma incongruência consigo mesma e desrespeita o artigo 177 da Constituição Federal, que diz que o monopólio do petróleo é da União. Ou seja, a Lei 9478/97 é ilegal’, destacou Siqueira.
João de Luca sustentou que o atual sucesso do setor petrolífero brasileiro se deve a esta lei. Siqueira rebate que tal afirmativa tem por objetivo esconder o verdadeiro protagonista do sucesso do setor petrolífero brasileiro: a Petrobrás e a instituição do monopólio estatal do petróleo, em 1953.
A Petrobrás, como sempre ressalta a AEPET, foi quem investiu vultosos recursos em pesquisa em todas as áreas descobertas durante mais de 40 anos. Foi a estatal quem arcou com todos os riscos geológicos. Nesse sentido, Siqueira destacou que as empresas estrangeiras por não terem a tecnologia da estatal brasileira se associam a ela para se beneficiar deste conhecimento.
João de Luca disse aos senadores que, no mundo, existem contrato de concessão e contrato de partilha, bem como contrato de serviços. Sobre este último, disse não ser muito adotado nos diversos países, com exceção para os países onde não há atrativos de investimentos, dando como exemplo o México e o Irã. Siqueira lembrou que a Venezuela e a Líbia também têm contrato de serviços. O presidente da Repsol disse que o contrato de partilha causa problemas, pois sua adoção dará muito trabalho e que, entre outras coisas, exige a criação de uma estatal para gerenciar esses contratos.
No entanto, o presidente da Repsol-Brasil disse que o México está revendo sua legislação. Siqueira destacou: ‘A Repsol está fazendo uma pressão enorme em cima do Governo do México. O argumento usado por João de Luca de que os mexicanos que estiveram no Brasil ficaram impressionados com o marco regulatório brasileiro e do contrato da Petrobrás é uma tremenda falácia que eu desmenti lá no México. A situação, hoje, da Petrobrás é muito pior que a anterior. Expliquei [no México] que a União Federal brasileira recebe uma migalha, em relação ao resto do mundo. Nesse sentido, os mexicanos não têm porque copiar o exemplo brasileiro. Os brasileiros é que devem se mirar no exemplo mexicano’. Em recente consulta, 1,5 milhões de mexicanos (84%) querem manter a Pemex como empresa estatal.
Siqueira ressaltou que João de Luca comete ‘uma inverdade’, pois o Governo Federal pode fazer contratos de partilha, tendo em vista que a Constituição [artigo 177, parágrafo primeiro] diz: ‘A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV’, entre eles, a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro. Ou seja, a União poderá contratar, mas não é obrigada.
Aumentar a participação do Governo Federal no setor petrolífero
Num ponto João de Luca teve razão: a participação do governo precisa aumentar. Enquanto, no mundo, a participação especial dos países exportadores é de 84% do produto da lavra, no Brasil esta participação é de 0 a 40%, apenas, pelo que está definido no Decreto 2705. ‘Com a descoberta do pré-sal ficou muito evidente o absurdo do marco regulatório criado por FHC. Hoje, o país recebe menos da metade do que recebem os demais países. Não dá para aceitar isto, ainda mais se sabendo que não há mais riscos no pré-sal. É óleo já descoberto, de alta qualidade e em volume que coloca o Brasil como 4ª reserva mundial’.
A pressa do lobby das multinacionais para reabrir os leilões tem como objetivo aproveitar o atual marco regulatório, antes que seja revisto. Como muito bem lembrou o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, seria dar ‘bilhetes premiados’ para as empresas privadas nacionais e estrangeiras nos leilões.
O diretor-geral da ANP Haroldo Lima, em sua exposição, disse: ‘Eu chamo atenção de vocês para esta expressão que coloquei entre aspas, que não é minha, ‘os modernos contratos de concessão, que até então, como eu tinha falado, existiam no Brasil, mas eram contratos onde o contratante, que era o Estado, entrava com absoluta desvantagem, ou seja, se o contrato descobrisse alguma coisa e produzisse muito não tinha importância, pois o que cabia aos contratantes era a mesma coisa’. Nesse sentido, como destacou Siqueira, o diretor-geral da ANP faz uma enorme confusão entre contrato de concessão e contrato de risco. ‘O que existia era contrato de risco, que não era para produção, era para exploração. O diretor-geral da ANP mostra um profundo desconhecimento do setor petrolífero nacional’.
‘A maior bobagem de todas emitidas por Haroldo Lima, quando fazia a sua defesa: ele dizia: ‘Eu queria chamar atenção sobre a evolução da exploração de petróleo no Brasil, comparando com os EUA’. (…) ‘A área sedimentar brasileira é semelhante à dos EUA’.
‘A bacia sedimentar brasileira não tem nada a ver com a dos EUA’, destacou Siqueira. Haroldo Lima disse, ainda: ‘A nossa média é de 54 poços pioneiros por ano. Enquanto nós estamos aqui [aponta o diretor-geral da ANP para o gráfico] o nosso recorde foi de 127 poços, em 1982. Os EUA chegaram a furar 14 mil poços nesse mesmo período. (…) Agora que eles [EUA] estão lá embaixo, eles estão com 2 a 3 mil e alguma coisa… e nós estamos aqui com um número muito pequeno…’.
Tal argumentação do diretor-geral Haroldo Lima, segundo Siqueira, ‘é uma bobagem incomensurável. Primeiro, nos EUA, que são concessões privadas, as empresas furam para todo lado. Segundo, não basta furar inúmeros poços; é preciso atingir o objetivo essencial: encontrar petróleo. Não adianta furar igual a um maluco sem ter petróleo. Enquanto os EUA estavam furando 14 mil poços, a Petrobrás estava encontrando o pré-sal, e achou. A estatal brasileira usou estudos de sísmicas de três e quatro dimensões. Após 30 anos de estudos encontrou o pré-sal. E mais: só furou quando tinha certeza. O primeiro poço da citada região significou um investimento de US$ 260 milhões. Agora, depois da experiência adquirida, um poço está custando US$ 50 a US$ 60 milhões, por poço’.
Para insistir na defesa do atual marco regulatório, Haroldo Lima disse que ‘os royalties cresceram assustadoramente’. Gabrielli desmontou tal afirmação ao explicar que, em 1998, o petróleo custava US$ 20 por barril e hoje custa US$ 140. Logo, os royalties cresceram devido à elevação dos preços do barril de petróleo. O executivo mostrou, ainda, que a estatal investiu muito em pesquisa, e na maioria das vezes, sozinha e está com índice de sucesso cada vez maior, se destacando entre as maiores empresas petrolíferas do mundo.
Haroldo Lima defendeu a retomada da 8ª Rodada de Licitações – que tem 10 blocos na borda do pré-sal – sem levar em consideração que, segundo destacou Siqueira, a atual tecnologia permite que uma empresa concessionária avence 10 km sobre um outro bloco naquela região.
O diretor-geral da ANP disse que é possível o país atingir um índice de recuperação de petróleo de 35%, em determinado poço, ‘coisa que nunca houve no Brasil’. Mas, para Siqueira, Lima demonstrou outro desconhecimento, pois ‘o Brasil tem poços que podem atingir até 60% de recuperação. Então, ele dizer que no Brasil nunca se atingiu 35% de recuperação é mentira’. Neste último caso, Siqueira explicou que são reservatório dotados de muita permeabilidade. Além desse limite [60%], em determinados poços, há a necessidade de se injetar muita água, o que torna o poço cada vez mais caro.
Ao final de sua exposição, Haroldo Lima voltou a defender a manutenção do atual marco regulatório, a exemplo do presidente da Repsol, João Carlos de Luca, e demais empresas multinacionais. Ele defendeu, ainda, a introdução, no pré-sal, do contrato do partilha de produção e a mudança no Decreto 2705, que estabelece a participação especial do Governo Federal de 0 a 40% [exploração em águas profundas]. ‘Nesse ponto [elevação de participação do governo] ele reconheceu o absurdo estabelecido pelo Decreto 2705. Isso não tem defesa. Mas, como João de Luca, Lima fez a mesma defesa para que o atual marco permaneça intacto’.
‘A Petrobrás, que foi quem pesquisou e descobriu todas áreas petrolíferas, na produção de petróleo, paga Imposto de Renda, contribuição sobre o lucro líquido e ainda arca com o pagamento de participação especial ao Governo Federal. Já as multinacionais não fazem nada disto. Exportam nosso petróleo e são isentas de Imposto de Renda, favorecidas pela Lei Kandir. Logo, o ganho do povo brasileiro é muito pequeno’, destacou Siqueira.
O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, disse aos senadores que, com a descoberta do pré-sal, o País atingiu um baixíssimo risco exploratório e um alto potencial de produção, devido a grande quantidade de óleo na região. ‘Leiloar estes blocos é entregar bilhetes premiados’, disse Gabrielli.
O ponto fundamental, na avaliação de Siqueira, é que o Gabrielli defende a mudança no marco regulatório, pois reconhece que os contratos, como hoje estão estabelecidos, facilitam muito as empresas estrangeiras, em detrimento da Petrobrás e do País. Só no primeiro poço de Tupi, a estatal gastou US$ 260 milhões, o que comprova o alto investimento em pesquisa devido ao alto índice de riscos nos momentos pioneiros.
Gabrielli chamou a atenção dos senadores para o fato de que a franja do pré-sal é o próprio pré-sal, devido a avançada tecnologia de hoje. Ele defendeu a adoção do contrato de partilha, onde a União fique com a parcela maior e que as empresas concessionárias sejam pagas em espécie ou em petróleo.
Para o diretor de Comunicações da AEPET, Fernando Siqueira, o presidente da Petrobrás demonstrou lucidez e patriotismo na defesa da Petrobrás e da soberania do País sobre o seu petróleo. ‘A defesa do Gabrielli está bastante próxima do que a AEPET defende: aumento da participação especial do Governo Federal, mudança do marco regulatório. Acrescento, ainda, que o governo precisa recomprar (repatriar) as ações da estatal que foram vendidas em Nova Iorque e entregar o pré-sal para total administração da Petrobrás, enquanto representante da União’.
Para Siqueira, ‘a proposta dos lobistas de criar uma nova estatal para administrar o pré-sal desvia o foco principal da discussão, pois a União, que é a proprietária do petróleo no subsolo nacional, conforme determina o artigo 177 da Constituição Federal, pode contratar diretamente na modalidade de contrato de serviços ou partilha de produção. Mas em ambos os casos, a União continua proprietária do petróleo, não necessitando concorrência nem a criação de nova estatal para gerir o energético. A estatal que sugerem criar tem o objetivo de administrar os leilões, o que deixaria tudo como está’.
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